Imagem da Velha Alfândega publicada na Illustração Paulista, edição de 1 de maio de 1881
Antes da atual edificação da Alfândega do Porto de Santos — erguida nos anos 1930 — a cidade contara com outro prédio, igualmente imponente, instalado no mesmo local e que abrigara a instituição entre 1881 e 1924 (entre 1924 e 1934, suas atividades ocorreram no Armazém Externo 14 do Porto). Sobre aquela construção primitiva pouco se possuía em termos de informações detalhadas. Porém, o Memória Santista, ao acessar um artigo publicado no periódico Illustração Paulista, em sua edição de 1.º de maio de 1881, resgatara as minúcias daquele edifício cujo canteiro de obras se instalara em 1876. A publicação descrevera como o antigo Colégio dos Jesuítas, que por anos servira de alfândega improvisada, fora demolido para dar lugar a uma construção inteiramente nova, projetada para responder ao acelerado crescimento do movimento portuário santista (muito em decorrência da inauguração da estrada de ferro entre o Porto de Santos e o interior, ocorrido em fevereiro de 1870).
Um plano ambicioso
A construção do prédio da Alfândega do Porto de Santos foi tido como uma das obras públicas mais ambiciosas do período imperial, erguida exatamente no ponto onde antes se levantara o Colégio dos Jesuítas. A obra fora contratada em 7 de julho de 1876 pelos engenheiros Raphael Archanjo Galvão Filho e Luiz Manoel de Albuquerque Galvão, sob supervisão do Ministério da Fazenda, então comandado pelo Barão de Cotegipe. A construção começara em outubro daquele mesmo ano e seguira até 15 de julho de 1880, acompanhada por uma sucessão de engenheiros fiscais — Gama Cochrane, Chaves Barcellos, Ramos de Queiroz e, por fim, Garcia Redondo, que assumira a fiscalização em março de 1879 e concluíra o trabalho, além de projetar a ampliação posterior com dois novos armazéns e um quartel.
A imponência externa e a força arquitetônica
A Alfândega impressionava pelos excessos para a época: elegante, ampla e considerada até luxuosa demais para sua função. Compunha-se de cinco armazéns — o central com dois pavimentos e os laterais com um — distribuídos em um conjunto de quatro faces harmoniosamente articuladas. A frente abria-se para a Praça da Matriz, os fundos encaravam o mar, enquanto as laterais se distribuíam entre a Rua Senador Feijó e o Largo do Ladislau (equivalente hoje à Praça Antônio Telles). Suas dimensões revelavam a escala da obra: cerca de 70 metros de extensão nas fachadas principal e posterior, e 32 metros nas laterais. Os armazéns, calçados em paralelepípedos e com paredes caiadas, recebiam mercadorias movimentadas por pequenas vagonetes que deslizavam sobre trilhos internos cruzados em ângulo reto, auxiliados por giradores de ferro que distribuíam as cargas entre os depósitos. Cada armazém possuía cerca de 350 m², exceto o do corpo central, parcialmente tomado pelo vestíbulo principal.
A Alfândega de 1881, já em sua fase final, em cerca de 1910.
Ambientes internos e detalhamento construtivo
O interior revelava o caráter monumental buscado pelos engenheiros. O vestíbulo apresentava piso de mármore com rosácea policromática, paredes pintadas a fresco imitando mármore de Paros e um teto totalmente estucado. Uma escada romana de cinco lances, feita em peroba de Campos, conduzia ao pavimento superior sem curvas, desembocando diretamente no grande salão do expediente, com 12 metros de largura por 35 de profundidade. Ali, pisos em mosaico, paredes pintadas a óleo e teto estucado compunham o ambiente administrativo, ladeado por salas de arquivo, estatística, guarda-moria, gabinete e dependências do inspetor. Entre os espaços mais reforçados encontrava-se a casa-forte, construída com paredes espessas, abóbadas de tijolo ligadas por vigas de ferro, revestimentos de cantaria e um depósito de água instalado sobre o teto. As portas de ferro, equipadas com fechaduras inglesas de alta complexidade, garantiam resistência ao fogo e a tentativas de violação.
Acabamentos, elegância e legado histórico
As salas administrativas, como a do inspetor e a guarda-moria, apresentavam pisos em mosaico, tetos em cedro e paredes pintadas a óleo. Uma escada caracol de ferro ligava a guarda-moria ao térreo, evidenciando o cuidado estético do conjunto. Externamente, o edifício seguia desenho leve e simétrico, com fachada principal em estilo misto — dórico no térreo e coríntio no pavimento superior — reforçando a imponência do prédio, considerado no início da década de 1880 um dos melhores da Província de São Paulo.
Resgate do Memória
Resgatar essas descrições de 1881 significou recuperar um retrato fiel do que a antiga Alfândega representara para Santos: um marco arquitetônico e operacional do período imperial. O Memória Santista, ao revisitar tais registros, preservara a memória de um dos edifícios que ajudaram a moldar o perfil urbano e portuário da cidade no século XIX.
A Velha Alfândega em sua fase final, anos 1910.
Alfândega em 1909