Novamente em pauta na região, as propostas de ligação seca entre Santos e Guarujá por meio de pontes vêm sendo apresentadas desde os anos 1950, como, por exemplo, a inusitada proposta de Luiz Muzi.
Recentemente o governo do Estado manifestou a intenção de tirar da gaveta o seu projeto de ligação seca Santos-Guarujá por meio de ponte. Polêmico, o plano não é novo e tampouco é original a proposta que circulou recentemente na internet, de um tipo de estrutura com acesso em formato aspiral. Na passagem dos anos 1940 para os 1950, a ideia já vinha sendo sonhada e uma delas, inclusive, deu o que falar. Apresentada em duas versões, a ponte de Luiz Muzi oferecia uma alternativa inteligente, porém inexequível, para a questão do tráfego entre as duas ilhas.
Precedentes
Na metade do século 20, a Baixada Santista, na perspectiva de uma nova onda de transformações, justificada pela inauguração da Rodovia Anchieta e o início da implantação do polo petroquímico siderúrgico de Cubatão (que empregaria milhares de pessoas), passou a ser alvo de uma série de propostas, que objetivava estruturar a região para lidar com uma nova fase de desenvolvimento e um significativo aumento populacional.
Plano Prestes Maia
A primeira grande propositura para a estruturação da Baixada Santista veio com o chamado “Plano Regional de Santos”, de autoria do engenheiro Francisco Prestes Maia. Desde o sanitarista Saturnino de Brito, a cidade praiana e portuária não era tema de estudos tão profundos de renovação urbanística. O projeto de Maia era ousado e previa, entre tantas intervenções, a ligação seca entre as ilhas de São Vicente e Santo Amaro, ou seja, entre Santos e Guarujá.
Uma ponte caracol
Entre os profissionais que se debruçaram à mesa de projetos naquele início dos anos 1950, com ideias alternativas ao progresso urbanístico e viário santista, destacou-se o engenheiro paulistano Luiz Muzi, um especialista em edificações residenciais que elaborou muitos trabalhos na região, sobretudo em São Vicente e Santos (ele é autor, por exemplo, dos projetos dos edifícios vicentinos Gáudio e Mirante; e do santista Astor)
Em 1950, Muzi ofereceu um projeto de ponte com 500 metros de vão, sobre a entrada do estuário, ligando Santos ao Guarujá que, em sua visão, seria o modelo mais razoável para ligar as duas importantes ilhas da Baixada Santista. No desenho do paulistano, o sistema construtivo permitia um trânsito livre às embarcações no canal de acesso ao porto de Santos, ao contrário do proposto por Prestes Maia, que previa uma ponte elevadiça. Outro diferencial entre as duas propostas era o local de sua implantação. Enquanto Muzi defendia o uso da área onde hoje está o ferry-boat, o plano de Maia previa a existência da ponte nas proximidades do cais de Outeirinhos (no final da atual rua Xavier Pinheiro, onde está o Terminal de Passageiros Concais), onde cruzaria o estuário até atingir o atual distrituro guarujaense de Vicente de Carvalho.
O acesso dos carros à ponte de Muzi se daria através de percursos rotatórios, em rampas dispostas em forma helicoidal, que garantiria a altura da estrutura de modo a não afetar o vai e vem dos navios, ao mesmo tempo em que não interromperia o fluxo de veículos na passagem entre Santos e Guarujá. A ideia também impediria que suas extremidades invadissem os sistemas viários das duas cidades.
Além dos dois acessos em “caracol”, a estrutura apresentaria duas elevadas torres, amarradas por longos cabos que sustentariam a ponte pênsil, dando estabilidade ao conjunto impregnada de linhas racionalistas, cujo resultado visual fazia referência aos formatos de “montanhas russas”.
Muzi chegou a apresentar duas versões. Uma com a construção das torres dentro d’água. A outra exibia as bases na parte terrena.
Mais um pra gaveta
O projeto de Luiz Muzi acirrou, na época, o debate sobre a ligação seca Santos-Guarujá. Junto com Prestes Maia e seu “Plano Regional de Santos”, foram as propostas mais claras desde o projeto de túnel oferecido por Enéas Marini, em 1927 (esta coluna publicou matéria a respeito em 22 de janeiro de 2017)
Apresentada logo depois da proposta de Maia, a ponte de Luiz Muzi reforçou o pensamento presente no meio empresarial e político dos anos 1950. Segundo o arquiteto santista Gino Caldato, autor de um trabalho sobre os grandes projetos estruturantes da região que foram “pra gaveta”, o motivo provável da ideia de Muzi não ter ido para frente fora o “perfil fantasioso do projeto”, à margem do pensamento pouco ousado da maior parte das autoridades da época.
Luiz Muzi
O engenheiro Luiz Muzi tinha seu escritório no centro da capital paulista (Rua Venceslau Braz, 14, 3º andar). Suas produções na Baixada Santista são o resultado de combinações e inspirações racionalistas e do estilo Art Decó.
A despeito de não ser arquiteto, Muzi tinha um estilo pessoal que agradava o mercado imobiliário em expansão. Apoiando-se em referências da arquitetura neocolonial e do ecletismo, fazia a junção dos estilos com as novas técnicas construtivas do movimento moderno, isto é o concreto armado.
Em 1950 divulgou alguns de seus trabalhos por meio da publicação intitulada “Arquitetura e Construção por Luiz Muzi”, uma espécie de manual com ênfase nos elementos clássicos que utilizava. No livro Muzi revela um perfil identificado com seu tempo, revelando variados projetos de edifícios de apartamentos na orla e residências de menor porte.
Do conjunto da obra merece destaque os projetos para os edifícios Mirante e Gáudio, em São Vicente, e Astro, em Santos, este último considerado bem cultural da cidade. A atuação de Muzi não ficou limitada ao mercado imobiliário.
O Escritório Técnico Luiz Muzi representa um importante capítulo na história da arquitetura paulista de meados do século 20, sobretudo no que se refere à fase Proto-Modernista. Várias manifestações arquitetônicas desse período possuem certo grau de reconhecimento para a memória e preservação. Trata-se do resultado formal da produção de arquitetos, construtores, empreiteiros que entenderam à sua maneira o ideário modernista.
(fonte de pesquisa: Projeto “Tempo Perdido”, do arquiteto Gino Caldato; Livro Arquitetura e Construções, de Luiz Muzi)
(agradecimento: Eduardo Fernandes pelo seu incrível trabalho de reprodução em computação gráfica)