Antes do advento do rádio ou do cinema falado, os santistas frequentavam, nos finais de semana e feriados, as praças com coretos, onde animadas bandas sinfônicas garantiam a diversão de todos
Santos, 15 de novembro de 1902. A Praça José Bonifácio, o Moço (atual Praça Patriarca José Bonifácio) estava repleta de gente de todas as idades e camadas sociais. Não havia quem estivesse alheio à inauguração do mais novo coreto da cidade, construído em alvenaria e acabamento em ferro fundido escocês (gradis, colunas e telhado, ricamente trabalhado), material importado da Walter MacFarlane & Co. Ltd, de Glasgow. O programa festivo estava a cargo da afamada banda do Corpo de Bombeiros de Santos, que não economizou no repertório, recheado de peças de óperas (Verdi, Bizet, Schutz, entre outros), marchas (Christian Gottlieb Muller), tangos, valsas e, obviamente, do hino nacional, executado de forma entusiasmada naquela data festiva republicana.
O coreto da Praça José Bonifácio, enfim, era o terceiro fixo da cidade e, certamente o mais estiloso, garboso, embora os erguidos na Praça dos Andradas e na Praça Mauá não ficassem muito atrás em termos de beleza e, principalmente, animação. A programação musical santista, sem dúvida alguma, estava bem servida de palcos ao ar livre.
Os Coretos
Os coretos marcaram a história das praças brasileiras entre os séculos 19 e 20. Em razão da proliferação de habitações insalubres e de ruas estreitas sem saneamento, muitas cidades com o perfil urbano de Santos começaram a buscar formas de caminhar no sentido contrário, ampliando vias e ajardinando espaços. Todos tentavam, de alguma forma, se espelhar no exemplo de Paris, a grande metrópole europeia que vinha remodelando todas as suas áreas centrais.
A Proclamação da República em 1889, que marcou o fim do Império, também serviu de incentivo à mudança urbanística nos grandes centros brasileiros, embora os santistas já estivessem caminhando nesta linha desde 1880, quando deu passos firmes para a formação do primeiro jardim público da cidade, o da Praça dos Andradas. Em 1887, por ideia do vereador Oliveira Pinto, destacada na sessão da Câmara em 9 de julho daquele ano, o espaço ganhou o primeiro coreto fixo da cidade (Desde cerca de 1830 os coretos eram montados em Santos, mas de forma provisória, pontual, para servirem a determinados eventos, quase todos religiosos, como as festas de Bom Jesus e do Divino Espírito Santo). Alguns anos depois, no início do século 20, foi a vez da Praça Mauá também ter seu coreto, depois que o espaço ganhou um projeto de embelezamento que incluiu arborização e fontes de água.
Nesta época, os astros dos coretos de Santos eram as bandas da Sociedade Humanitária dos Empregados no Comércio de Santos e da Sociedade Musical Luso Brasileira. Logo depois surgiriam as bandas do Corpo de Bombeiros e do Tiro Onze. Não era raro ocorrer, também, apresentações de bandas de fora, principalmente de corporações navais que aportavam no Porto de Santos.
Coretos na Praia
O sucesso dos coretos se solidificou, enfim, entre os santistas e, quando a cidade ampliou sua malha urbana para os lados da praia da Barra (atual orla), outros foram surgindo, com o intuito de agradar àqueles que vinham a Santos por lazer e se hospedavam nos hotéis da faixa praiana. Em 1910, por exemplo, o Parque Balneário Hotel ergueu o seu próprio coreto, promovendo concertos animados para seus hóspedes e visitantes. Algum tempo depois, a Companhia City (concessionária de serviços públicos de energia elétrica, gás, distribuição de água e transporte em bondes) bancou a instalação de um coreto na área ajardinada da ponteira do canal 2 com a praia, bem perto do quartel do 1º Grupamento de Artilharia de Costa, cuja banda de música se apresentava habitualmente.
Decadência dos Coretos
Até meados da década de 1920, os coretos mantinham toda a sua força como polo atrativo para as famílias santistas aos finais de semana. Os coretos da Praça dos Andradas e Mauá eram os preferidos da Sociedade Musical União Portuguesa, enquanto que o da Praça José Bonifácio era praticamente o palco oficial da Banda do Corpo de Bombeiros. No José Menino, o espaço era dominado pela Banda do 1º Grupamento de Artilharia de Costa.
Com o advento do rádio, a partir de 1922, as atrações musicais ao vivo começaram a perder força. Com a tecnologia radiofônica, as famílias passaram a apreciar em suas próprias casas as atrações musicais. Aliado a isso, a municipalidade demonstrava cada vez mais dificuldade em promover a manutenção dos coretos, que se deterioravam a olhos vistos ante às intempéries do tempo. Assim, um a um, os coretos foram desaparecendo da paisagem das praças. Primeiro da Mauá, logo depois dos Andradas e finalmente, da Praça José Bonifácio, que encerrou suas atividades em 1927. Dois anos depois, com o advento do cinema falado, as chances de retorno dos coretos se tornaram praticamente inviáveis. Isso sem falar que a cidade santista começou a construir mais hotéis, cassinos e casas de espetáculos. A diversão gratuita, de rua, então, ficou restrita ao Carnaval. O coreto do Canal 2 ainda sobreviveu por mais algum tempo, mas dele, assim como dos outros, nada sobrou, além de fotos e do eco entusiasmado de um tempo em que era o maior barato aplaudir a banda no coreto da praça.
Curiosidade
No dia 3 de fevereiro de 1901, a banda do Corpo de Bombeiros fez uma apresentação especial no coreto da Praça dos Andradas em homenagem ao compositor italiano Giusepe Verdi, que havia falecido em Milão no dia 27 de janeiro. Sob a regência do tenente Aurélio Prado, o concerto público atraiu centenas de pessoas. O programa contou exclusivamente com músicas do consagrado maestro italiano. Ao final da apresentação, o cônsul da Itália em Santos, dr. João Éboli, foi ao coreto e agradeceu ao tenente Aurélio Prado.