Rio de Janeiro, 13 de maio de 1888. Logo pela manhã, a Princesa Regente do Império do Brasil, Isabel, mandou chamar seus principais ministros e pediu para que lessem mais uma vez o teor do documento que se tornaria a Lei 3.353, responsável por colocar um fim em um dos capítulos mais sombrios da história do país, o da escravidão. Abolicionista convicta, a filha mais velha do imperador D. Pedro II sabia o que estava fazendo, consciente inclusive dos riscos do qual colocava a própria monarquia que, de fato, desabaria um ano e meio após a assinatura daquela Lei, que ganharia a alcunha de “Áurea” (Ouro).
As notícias sobre o ato de Isabel logo invadiram os corredores do Palácio e alcançavam as ruas da capital imperial, que foram tomadas por milhares de abolicionistas e ex-escravos, numa confraternização jamais vista. O escritor carioca Machado de Assis, cujos avós paternos foram cativos, chegou a declarar em sua coluna diária no jornal “Gazeta de Notícias” que “verdadeiramente, foi o único dia de delírio público que me lembra de ter visto”.
Em Santos, tida como uma das cidades mais abolicionistas do país, reconhecida inclusive como uma pioneira em libertação (por conta da atitude inovadora de José Bonifácio de Andrada e Silva que, na década de 1820 não só defendia o fim da escravatura, como libertou os cativos de sua família de seu sítio na Chácara de Outeirinhos) as boas novas chegavam como uma bomba positiva. Tal qual os cariocas, os santistas também invadiram as ruas para comemorar o ato libertário. Não demorou muito para que as notícias chegassem aos dois dos mais importantes quilombos santistas e paulistas: o de Pai Felipe e o do Jabaquara.
QUINTINO DE LACERDA É OVACIONADO
O famoso Quilombo do Jabaquara tinha sob o seu comando de Quintino de Lacerda, um negro alforriado sergipano que ganhara a confiança de seu ex-senhor, Antônio de Lacerda Franco (importante figura política de Santos), a ponto de lhe herdar o sobrenome (daí a origem do Quintino “de Lacerda”). Ele era figura de destaque na vida social santista e respeitado tanto por boa parte da classe política local quanto pela população. Por isso, logo que as primeiras informações sobre o ato de Isabel chegaram à cidade, várias personalidades foram até o Jabaquara para gozar do privilégio de levar as boas novas ao negro que simbolizava a luta de Santos pela abolição, e seu povo. Assim, a partir do Jabaquara, a cidade mergulho em um clima de festa popular que tomou conta do dia e das ruas, com comícios, passeatas, espetáculos musicais e dança por todos os lados. Quintino de Lacerda, nesse meio, como centro das atenções. O júbilo durou oito dias e, em uma das homenagens, Martim Francisco Sobrinho (descendente da família Andrada e Silva), resolveu presentar o comandante do Jabaquara com um relógio de ouro, simbolizando a homenagem popular ao mais querido líder abolicionista de Santos e região. O presente contava com a seguinte inscrição, de acordo com o historiador Francisco Martins dos Santos, em sua obra História de Santos: “Lei de 13 de maio de 1888. Homenagem popular abolicionista a Quintino de Lacerda, Santos, 1888“. O líder negro foi ovacionado pelo povo santista.
PRIMEIRO VEREADOR NEGRO DO BRASIL
Impulsionado pela abolição, Quintino de Lacerda lança-se à política, agregando os negros, pela primeira vez na história de Santos, ao processo político. Em 1893, ele organizou e comandou um batalhão de soldados voluntários na defesa contra uma suposta rebelião que tinha como objetivo depor o então presidente do Brasil, Marechal Floriano Peixoto, o que acabou lhe rendendo o título de Major Honorário da Guarda Nacional. Dois anos depois, em 1895, Lacerda conseguiu se eleger vereador da Câmara Municipal de Santos, e é tido até hoje como o primeiro negro a ocupar este tipo de cargo na história do Brasil. Porém, ao obter esta conquista, Quintino acabou desencadeando uma grande crise política fomentada por setores racistas da cidade, iniciada com a negação de sua posse, pelo fato dele ser analfabeto. Ajudado pelos companheiros da época da campanha abolicionista, ele iniciou uma intensa batalha judicial, que chegou aos tribunais paulistanos e terminou com a sua vitória, a vitória de Quintino, o maior símbolo santista da luta pela abolição.