Rotativa Koening & Bauer Wuzburg, a mais imponente das máquinas usadas na imprensa, exigindo o máximo de atenção de todos que com ela trabalham para a perfeita impressão dos milhares que compõem as tiragens.

Assim como em 2024, há 70 anos A Tribuna também inovava sua abordagem para o leitor, adquirindo uma moderna máquina rotativa para 64 páginas, dando início a uma nova era para o jornal

Santos, março de 1954. O respeitado jornal A Tribuna celebrava seus 60 anos de atividades em um momento marcante de transformação gráfica e operacional. Após décadas confiando em um maquinário que, embora ultrapassado, havia sido o coração pulsante de suas operações, o mais importante matutino do litoral paulista se preparava para virar uma página significativa de sua história. A modernização das oficinas era vista como a grande novidade do ano, da década, do século. Para seu diretor, Manoel Nascimento Júnior, era o prenúncio de uma nova era, em que tradição e inovação se uniriam para fortalecer ainda mais o elo entre o jornal e os seus leitores.

A velha impressora tribuneira, uma rotativa “Albert”, testemunha incansável de noites silenciosas e páginas fervilhantes de notícias, cedia seu lugar a uma versão moderníssima do mesmo gênero de equipamento (uma Koening & Bauer Wuzburg), capaz de produzir simultaneamente até quatro seções de 16 páginas, o que possibilitava montar uma ediçao com 64 páginas. A antiga máquina, que por vinte e cinco anos dera forma ao jornal criado em 1894, carregou honrosamente, em suas engrenagens, o som da história. Cada movimento mecânico, cada folha de papel moldada nas entranhas da vetusta impressora traduziu literalmente o pulsar de uma cidade inteira. E, como estampado em uma chamada sobre o próprio jornal em uma reportagem de 1954, A Tribuna tinha de avançar para se manter a “célula viva  do pensamento moderno”.

O chefe das oficinas distribuia os serviços. Ali a notícia começava sua história no mundo da técnica.

A transição interna do jornal, porém, não se concentrava apenas em sua tecnologia. O movimento refletiu também no departamento de jornalismo, que, assim como a vida, precisava se adaptar à cadência veloz dos novos tempos. Destarte, os corredores da redação  foram tomados por um misto de nostalgia e entusiasmo. De um lado, o apego ao que a antiga impressora representava: décadas de compromisso com a informação, com a verdade e com a cidade. De outro, a expectativa pelo que viria, por uma nova etapa na qual a modernidade otimizaria o trabalho e abriria horizontes para que A Tribuna continuasse a ser  um espelho da alma santista.

Fio condutor da comunidade

A mudança foi mais profunda do que poderia sugerir o brilho da nova máquina. A virada de página foi vista pelos santistas como uma autêntica transformação, que começava na própria essência do jornal, na forma como suas páginas se conectavam com os leitores. Sessenta anos antes, quando nasceu, A Tribuna ousara trabalhar para além do registro dos fatos. O veículo de comunicação era uma espécie de fio condutor da sociedade santense, sobretudo do comércio e do porto. Nas esquinas, nas padarias e nas praças, cada exemplar era devorado com avidez, suas linhas discutidas com paixão. A troca da impressora era, portanto, neste contexto, ums espécie de rito de passagem, uma reafirmação do compromisso da empresa com o futuro, mas sem perder de vista as raízes fincadas no passado. O jornal, apesar de pequeno em número de páginas (apenas 4) até perto dos anos 1920, era enorme em termos de informações.

Títulos, subtítulos e a composição nas linotipos. Dos linotipistas as palavras vestidas em chumbo passavam para a máquina de prova.

Profissionais se adaptam

Enquanto a Koening & Bauer Wuzburg era instalada com cuidado quase cerimonial, havia uma reverência silenciosa aos profissionais que, por décadas, davam vida ao jornal. Nos olhos do linotipista, um brilho de orgulho; no gesto firme do paginador, a certeza de que a estética tipográfica era muito mais do que uma técnica – era uma arte. Os repórteres, com suas canetas rápidas e mentes afiadas, entendiam que o verdadeiro peso de suas palavras residia na confiança depositada por uma legião de leitores. E na redação, mesmo com a promessa de mais agilidade e precisão, a alma de A Tribuna permanecia intacta, moldada por valores que o tempo jamais poderia corroer. Era tempo de adaptação, mas também de aprendizado.

As ruas de Santos ansiavam manter a profunda conexão que o jornal tinha com a cidade. Cada edição nova levada aos leitores se tornaria um registro vivo do pulsar santista, abrangendo todos os temas e editorias. Novas ideias floresciam para enriquecer o conteúdo, pensando na criação de cadernos especiais e temáticos dedicados, por exemplo, às crianças, às mulheres, ao porto, ao comércio e a outros aspectos fundamentais da vida local, além da valorização dos classificados e das demais páginas de anúncios publicitários. Os artigos passaram a buscar maior profundidade, permitindo ao jornal cumprir plenamente seu papel de provocar reflexões e questionar as estruturas estabelecidas. Naquele momento, completando seis décadas de existência, A Tribuna se orgulhava de ser uma testemunha ativa e imparcial da história de Santos e região.

Um dos telefonistas do jornal, recebendo as últimas notícias que chegavam das partes mais afastadas do país e do mundo, Todas as informações sobre os últimos acontecimentos eram repassadas por eles.

Tradição mantida

Então, com a chegada da nova máquina, o espírito da renovação tomou conta de todos. A rotativa se tornou uma promessa de precisão, velocidade e alcance. Cada peça, montada como um quebra-cabeça perfeito, ecoava a mensagem: a tradição precisava ser mantida, mas o futuro exigia coragem para inovar. E foi essa coragem que fez de A Tribuna muito mais do que um produto da imprensa. 

A transformação do jornal naquele ano de 1954 traduziu-se como uma declaração de que o jornalismo continuava vivo, pulsante, essencial. Em cada linha impressa, em cada fotografia gravada, estava a prova de que a história não era apenas registrada, mas construída, dia após dia, pelos que ousavam capturar o presente para garantir que o futuro não o apagasse. E, assim, como nos dias atuais, em que A Tribuna dá novos passos em sua formatação estética, naquele ano de 1954, ao som da nova rotativa, o jornal reafirmou a sua essência: ser o pulsar vibrante de Santos e região, exalando vida através de seus escritos.

A máquina de prova. Este funcionário obtinha as provas dos artigos, reportagens, noticiário em geral e anúncios. Em seguida, as provas eram enviadas à Revisão.
Aqui, alguns redatores em suas atividades de todos os dias.
A matéria revista e emendada, novamente pelos linotipistas, ia aos paginadores que resolviam os problemas mais complicados das disposições estéticas tipográficas. Preparados os retângulos das páginas, eram enviados à calandra.
O zincógrafo de quem dependia o sucesso do trabalho fotográfico. Fotografias bem gravadas, que possibilitavam ‘clichês’ nítidos e claros, eram os cartões de visita do jornal.
Aspecto parcial da redação de ‘A Tribuna’. O secretário, Olao Rodrigues, classificando e selecionando as matérias.
Calandra. Nesta máquina, dois mil quilos eram imprimidos no ‘flan’ (folhas de papelão especial), em baixo-relevo, as páginas da edição. Estavam prontas as primeiras matrizes que passavam para a fundidora.
A fundição, onde eram feitas as ‘telhas’, matrizes em chumbo de formas cilíndricas.