A queda do aeroplano Oriole no Gonzaga: Uma aventura para terminar o ano de 1919

Fotografia tirada para a revista “A Cigarra”, por ocaisão de um dos voos do aviador americano Orton Hoover. Em cima: Hoover em companhia de Santos Dumont, o dr. Antonio Prado Junior, o tenente Fileto dos Santos e Alfredo Brenta, piloto-mecânico; no meio: O avião Curtiss antes de partir no voo; embaixo: Expectadores admirando as peripécias do aviador americano, em 1919

Santos, 31 de dezembro de 1919. Estava belíssima a manhã daquela quarta-feira, último dia do ano, ocasião em que a cidade santista delicadamente emoldurou-se de um céu de intenso azul, marchetado de nuvens alvíssimas e pequenas como gaivotas. Era, no entanto, um dia de trabalho, mas de um labor cadenciado, daqueles que não denotavam pressa e se preenchiam de esperança pelo ano que principiar-se-ia em algumas horas. 

O cotidiano, enfim, cumpria seu ritual, até que alguns olhos mais atentos viram surgir, nas alturas da grande muralha atlântica, um pequeno ponto escuro, que lentamente aumentava, e se revelava. Em fração de segundos, eis que o estranho objeto se tornara uma grata surpresa, mais uma naqueles tempos admiráveis que marcavam a infância da aviação brasileira. Os santistas, de peito aberto e cheios de orgulho, podiam, sem sombra de dúvida, considerarem-se privilegiados por observarem com seus próprios olhos as experiências que marcaram a gênese da aeronavegação no Brasil. E tal distinção era mais do que justa, haja vista que a terra dos Andradas do século 19 era também era a terra dos Gusmões, do século 18, o lar natal do virtuoso padre Bartholomeu Lourenço, o avô da navegabilidade aérea mundial.

O ponto negro tomou a forma e o silêncio do espaço aéreo da vetusta cidade portuária. O forasteiro de asas, festejado com vivas pelos homens presos ao chão, era ninguém menos do que o norte-americano Orton W. Hoover, primeiro instrutor de voo da Escola de Aviação da Marinha do Brasil. Aquela era mais uma viagem experimental, ou um reide, como os corajosos aventureiros dos céus costumavam chamar as rotas de longa distância, entre cidades importantes. Naquela oportunidade, Hoover conduzia um aparelho “Oriole”, com capacidade para transportar três pessoas. Seus passageiros de então eram Rogério de Freitas, filho do secretário de Justiça de São Paulo, Herculano de Freitas; e Moysés Marx.

O norte-americano já havia brindado os santistas um dia antes, quando também sobrevoara a cidade, vindo de São Paulo, com um aparelho Curtiss, de 90 HP. Neste reide, o passageiro era um só, o primeiro-tenente A Reynaldo Gonçalves, membro da Força Pública do Estado de São Paulo.

Orton W. Hoover

Aclamação do povo

Após realizar algumas evoluções sobre a admirada cidade, o pequeno avião, logo depois de “rasgar” os ares com suas possantes asas, impulsionadas por vigorosas hélices, tomou a direção da praia em busca da pista de pouso natural que havia tornado Santos, desde 1910, uma referência para experiências de navegação aérea.

Hoover apontou na direção do Gonzaga, onde era grande a multidão a lhe aguardar. O plano era aterrissar defronte ao majestoso Hotel Parque Balneário onde, decerto, haveria uma recepção à altura do prestígio do conhecido aviador. Enquanto descia, e já estando a pequena altura da praia, um impulso violento do motor fez com que a aeronave pendesse para o lado do mar e, chocando-se contra das ondas a cerca de 40 metros da faixa de areia seca, teve uma de suas hélices partidas. As inúmeras pessoas que admiravam as magníficas evoluções do piloto norte-americano foram tomadas por um sentimento de forte angústia. Muita gente correu na direção do sinistro, esperando o pior.

Ocorre que os três ocupantes, ao perceberem o choque inevitável nas ondas do Gonzaga, saltaram rapidamente do Oriole e, em razão deste ato corajoso, não sofreram nenhum tipo de ferimento. A única consequência para eles fora um banho forçado de mar. Depois de conseguirem chegar à praia, os aventureiros foram aclamados pelas pessoas que lá assistiam ao “espetáculo”. O aparelho foi retirado da água e colocado em terra, onde receberia os devidos reparos dias depois, a fim de retornar à capital paulista.

Curiosidades

Alguns jornais da capital noticiaram que o acidente ocorrera não no Gonzaga, mas defronte ao Instituto Dona Escolástica Rosa. As notícias só foram corrigidas nas edições seguintes.

Incrivelmente, alguns dias depois, outro acidente muito parecido voltaria a acontecer na praia do Gonzaga, desta vez envolvendo o jovem piloto brasileiro Alfredo Correa Daudt (leia matéria aqui no Memória Santista).