Entre dezenas de pacientes do Pavilhão dos Tuberculosos e altos membros da Santa Casa, Vovó Marcolina é homenageada por sua bondade e solidariedade. Acervo da Santa Casa de Misericórdia.
Símbolo de bondade, caridade e solidariedade, Marcolina da Conceição deixou uma história que jamais deve ser esquecida em Santos. É uma personagem, cujo exemplo, deveria ser seguido.
Santos, sexta-feira, 3 de setembro de 1943. Sob um sol relativamente quente, uma senhora de aparência delicada, no alto de seus 75 anos de idade, subia as escadas que davam acesso ao setor mais isolado da Santa Casa de Misericórdia com notável agilidade. Trajando um vestido preto, ela trazia sobre a cabeça uma modesta touca de cor branca, estampando um contraste marcante face à sua expressão serena. Quinze minutos depois, ao final da pequena e íngreme jornada, a “senhorinha” olhou com ternura para o Pavilhão dos Tuberculosos, um lugar que lhe era bastante familiar e onde dezenas de pessoas enfrentavam a dolorosa realidade da “peste branca” enquanto sustentavam uma chama de esperança para si, bem como para os seus companheiros de aflição. Três funcionários do hospital acompanhavam a visitante, trazendo à mão sacos que continham roupas e mantimentos, materiais gentilmente providenciados por comerciantes locais que compartilhavam com aquela pequena senhora a mesma compaixão pela causa dos necessitados.
Quando a ilustre visitante adentrou o hall principal do Pavilhão, uma multidão de homens e mulheres vestidos com seus pijamas distintos (os homens usando listras e as mulheres adotando estampas florais) a aguardava, seus rostos irradiando um sorriso alentador. Era um dia excepcional, marcado pela visita da carinhosamente conhecida como “Vovozinha dos Internados”, a estimada e querida Vovó Marcolina.
A afeição e o respeito por Marcolina da Conceição eram gerais na cidade santense. Originária do sertão das Alagoas, ela nascera em 1868 como escrava. Aos vinte anos, a emancipação veio por meio da Lei Áurea. Foi então que escolheu migrar para o ambiente portuário de Santos, onde rumores apontavam para uma atmosfera mais acolhedora aos ex-escravos como ela, além de perspectivas promissoras de trabalho honesto. Nas margens da praia do Valongo, cruzou caminhos com um jovem português, pelo qual se apaixonou e, consequentemente, casou-se, construindo uma família composta por três filhos (duas mulheres e um homem). Fez de tudo para sustentar a família ao lado do marido: trabalhou como doméstica, costurou sacos de café em armazéns e ajudou em cozinhas de pequenas pensões. E foi como ajudante de cozinha que acabou sendo contratada pela Irmandade da Misericórdia, em 1908, sendo convocada para atuar no hospital mais importante da região.
Marcolina se destacou como uma incansável lutadora. Mesmo após concluir suas tarefas na cozinha, encontrava tempo para prestar auxílio às irmãzinhas da Imaculada Conceição, que desempenhavam papéis de enfermeiras na Santa Casa. Sua dedicação era especialmente voltada aos enfermos do triste Pavilhão de Tuberculosos, onde a taxa de mortalidade superava a de todo o hospital. Foi nesse ambiente que ela enfrentou a perda de seu único filho homem, vítima da doença dos pulmões ainda na adolescência.
Com o passar dos anos, o espírito de Marcolina não só se manteve firme, como também se fortaleceu. Sua fé inquebrantável e solidariedade exemplar a guiavam. Após duas décadas de atividade profissional, ela se aposentou aos 60 anos. No entanto, diferentemente da maioria, sua jornada de cuidados não parou. Ela continuou visitando a Santa Casa praticamente todos os dias, desta vez não para cozinhar, mas para oferecer seu carinho aos doentes, sobretudo às crianças e, claro, aos pacientes tuberculosos. Tornou-se uma figura materna e enfermeira para todos que encontrava, o que lhe rendeu o carinhoso apelido de “Vovó dos Internados” ou simplesmente “Vovó Marcolina”, amada e querida por todos em Santos.
Nas festividades de Páscoa e Natal, a presença de Marcolina era certa na Santa Casa. Com seu prestígio e dignidade, ela conseguia de maneira notável angariar doações de roupas, calçados, brinquedos, frutas, doces, mantimentos, óculos e outros recursos de auxílio à saúde para os “afilhados” da instituição. Durante muito tempo, Vovó Marcolina ostentou uma influência comparável à do próprio provedor. Todos ansiavam por um momento com aquela mulher modesta, afável e sábia, uma sabedoria que só a vida é capaz de conceder. Os que testemunhavam sua sagrada jornada ficavam admirados com os milagres realizados, considerando a condição econômica humilde que ela possuía.
Até que veio 18 de maio de 1948. Marcolina completaria 80 anos de vida. E foi no mês das mães que o destino resolveu levar embora a querida Vovozinha dos Internados, uma mulher que ofereceu generosamente seu tempo e energia a pessoas que não conhecia. Um exemplo vivo da caridade que se enraizou profundamente na história da Santa Casa de Misericórdia. Um exemplo que jamais deveria ser apagado e merece ser celebrado, um lembrete de que o bem deve ser cultivado de forma contínua e ininterrupta.
Placa e rua
Após o seu falecimento, a Santa Casa prestou uma homenagem ao instalar uma placa em sua memória na cozinha do hospital. O município também se uniu para honrar sua lembrança, nomeando uma rua (a Rua Projetada 360, localizada entre a Avenida Dr. Pedro Lessa e a Rua Nabuco de Araújo) como Rua Marcolina da Conceição. Isso se concretizou por meio do projeto de lei 110 (substitutivo), proposto pelo então vereador Isaac de Oliveira, e foi oficializado sob a sanção do então prefeito municipal Rubens Ferreira Martins.