Santos, segunda-feira, dia 12 de fevereiro de 1996. Uma frente fria atmosférica de baixa pressão chegava do Sul, trazendo para a região da Baixada Santista fortes ventos de cerca de 60 km/hora, alcançando picos de 80 a 90 km/h. O céu enegreceu de tal forma, que o dia pareceu noite. Na cidade, a população tentava se proteger, recolhendo-se dentro de suas casas, escritórios e outros abrigos seguros. Já no mar, as embarcações que aguardavam orientações de atracação, vulneráveis ao longo da Barra, sacolejavam à mercê de ondas que se formavam à altura de quatro metros.
Entre elas, estava o navio de bandeira panamenha Al Johffa, pertencente à armadora Ruypin International. Oriundo de Mombasa, Quênia, ele havia chegado a Santos no dia 9, com a missão de embarcar 15 mil toneladas de açúcar. Porém, o destino decidira dar um outro rumo à história do velho cargueiro tipo SD-14-MK-IV, de vinte e quatro anos de idade. Um rumo que apontava para a última página de uma curta trajetória de vida nas decantadas rotas oceânicas.
Eram 11 horas da manhã, quando o comando do Al Johffa percebeu que o navio perdera uma de suas duas âncoras, a de boreste. Bailando ao sabor dos ventos, o navio, então, foi empurrado na direção do costão norte da Baía de Santos, na parte ocidental da Ilha de Santo Amaro. A outra âncora, a de bombordo, ainda tentava segurar o cargueiro de pouco mais de 140 metros de comprimento, quando o comandante Kashyapa decidiu acionar os motores de propulsão, intencionando evitar o pior.
No entanto, ainda frio, os motores não ganharam força suficiente de pronto, fazendo com que o Al Johffa, em razão de encontrar-se com os porões vazios e, portanto, sem lastro para dificultar sua deriva, encalhasse nas pedras do morro da Barra, a cerca de cem metros da ponta Sudeste da Ilha das Palmas.
Com a colisão nas lajes e pedras do costado, o Al Johffa sofreu uma avaria significativa. No casco de bombordo, verificou-se um rasgo de aproximadamente 15 metros, o que provocou inundações nos porões 1, 2 e 3. O navio panamenho estava, então, numa situação desesperadora. O quadro só não ficou pior porque a praça de máquinas foi poupada da invasão do mar. Inerte, abatido, ao cargueiro só sobrou aguardar o inquérito aberto pela Polícia Naval, para apurar as responsabilidades. O único dado positivo daquele lamentável evento foi o fato de os 32 tripulantes nada terem sofrido.
Deu PT (Perda Total)
Integrado forçadamente à paisagem da Ilha das Palmas, como um excêntrico intruso, o Al Johffa oferecia considerável risco ambiental, pela possibilidade de vazamento no mar do combustível que carregava (cerca de 440 toneladas de óleo). Assim, a retirada segura deste material fora a primeira providência solicitada pelas autoridades portuárias junto à companhia proprietária do navio e suas seguradoras.
Vários técnicos de engenharia naval e especialistas em resgates de embarcações se debruçaram para avaliar as alternativas visando a soltura do navio da “prisão” em que se metera involuntariamente. Em paralelo, a Ruypin International ponderava sobre o proveito da velha embarcação, dada como perdida (Perda Total) pela seguradora. Assim, ficou convencionado que o Al-Johffa não seria mais devolvido às suas antigas tarefas. O cargueiro, que já era considerado obsoleto, então, acabou condenado à extinção.
Nos dias que se seguiram, três planos de retirada foram apresentados à Capitania dos Portos por empresas especializadas naquele tipo de resgate. Ao final de um severo processo licitatório, acompanhado de perto pelas autoridades portuárias de Santos, uma empresa norte-americana, a Titan Maritime, ganhou a tarefa, cujos trabalhos foram iniciados em 8 de março.
O desmonte e o destino do Al Johffa
A primeira etapa do plano consistia na vedação dos conveses intermediários com chapas de aço reforçadas por vigas, a fim de evitar a entrada da água do mar pelo rasgo do casco. A água que inundava os porões foi drenada no navio. Em 20 de março, ou seja, onze dias depois de iniciados os trabalhos e mais de um mês do acidente, o Al Johffa foi finalmente libertado das rochas, contando, para isso, com a ajuda providencial dos rebocadores “Phoenix” e “Bellatrix”.
Livre do cativeiro, o velho cargueiro não tinha muito o que comemorar, afinal seu destino estava selado, e não era o de um final feliz. Ele ficara ainda cinco dias fundeado nas proximidades da Ilha da Moela. No dia 24, uma segunda-feira, então, o navio foi conduzido até sua última morada, a cerca de 110 milhas da costa do Estado de São Paulo, onde foi afundado, numa operação delicadamente planejada.
Em 5 de abril de 1996, o poeta Narciso de Andrade, escrevendo para o jornal A Tribuna, disse que o comandante do rebocador “Phoenix”, encarregado da dolorosa operação, teria dito que, ao testemunhar o Al Johffa sucumbindo de proa, um sentimento de comoção e tristeza o acometeu. Muitos santistas ligados ao mar e às operações portuárias lamentaram o desfecho do caso. Narciso alegou que parecia “um crime premeditado essa história de afundar um navio friamente, só porque não mais proporcionaria rendimento justificável à sua recuperação e operação. Sinal dos tempos, inexorável sinal dos tempos”.