Quando Santos ganhou status de cidade, em 1839, quase teve seu nome trocado para “Bonifácia” ou “Andradina”, ambas em referência à memória de José Bonifácio de Andrada e Silva, que havia falecido pouco menos de um ano antes. O bom senso, no entanto, prevaleceu, e o governo de São Paulo nos manteve como santistas.
Câmara Provincial, São Paulo, sexta-feira, dia 11 de janeiro de 1839. Eram 15 horas, quando o deputado Manoel Joaquim do Amaral Gurgel subia à tribuna a fim de apresentar seus trabalhos na sessão do dia. Entre as tarefas que relacionou estava em destaque um Projeto de Lei do qual era mentor, que propunha prestar uma enorme homenagem à memória do saudoso conselheiro do Império, José Bonifácio de Andrada e Silva, falecido em 6 de abril do ano anterior. Gurgel, representante de um grupo de admiradores do notável santista, propunha que a pequena vila de Santos, terra do Patriarca da Independência, fosse alçada a uma categoria superior, a de cidade. Seria um enorme privilégio a uma localização que possuía pouco mais de cinco mil habitantes, contando-se entre homens e mulheres (livres e escravizados). Todos os deputados provinciais aprovaram a ideia e autorizaram o prosseguimento da discussão, que voltaria à Câmara na sessão da semana seguinte, no dia 14. Gurgel não havia comentado ainda com os colegas de tribuna, mas ele tinha algo em mente que suscitaria certa polêmica.
Dito e feito, na sessão de segunda-feira, o deputado propositor do Projeto de Lei levou ao conhecimento de todos que a sugestão era, além de elevar o status da pequena vila portuária à categoria de cidade, também o de mudar o nome do lugar que, de Santos, passaria a se chamar “Andradina”, como realce à homenagem póstuma ao velho conselheiro do Império. Um grande murmurinho se fez presente no plenário da Câmara, com opiniões a favor e contra a proposta de Gurgel. Enquanto uns acenavam positivamente, reputando o movimento como um tributo ao homem que conduziu o processo de libertação do Brasil, outros eram reticentes à ideia, uma vez que “Santos” era um nome tradicional, histórico, relacionado ao trabalho de Braz Cubas nos idos coloniais, principalmente quanto à criação da Santa Casa de Misericórdia, o primeiro hospital das Américas. Diante do impasse, o tema foi transferido para o dia seguinte, 15 de janeiro, onde outro deputado, Carneiro de Campos (que viria a se tornar o Marquês de Caravelas), colocou ainda mais “lenha na fogueira”. Além da propositura pelo nome “Andradina”, surgia outra, apresentada por Campo, que sugeria que Santos passasse a se chamar “Cidade Bonifácia”, ainda dentro da linha de homenagem ao notório santista.
Se a primeira propositura já havia causado burburinho na Câmara, a segunda esquentou ainda mais os debates. Os deputados, então, se dividiram em três grupos, sendo que o maior deles defendia a permanência da alcunha original, de 1546. O tema foi novamente transferido, desta vez para o dia seguinte, 16, onde os legisladores chegaram a um consenso e resolveram não mexer mais na questão. Santos seria, enfim, alçado à condição de cidade, mantendo sua nomenclatura histórica.
Em 26 de janeiro, por fim, consagrava-se a iniciativa de Amaral Gurgel, com a promulgação da Lei Provincial nº 122, assinada pelo então presidente da Província, Venâncio José Lisboa. (Ela seria registrada como Lei nº 1, de 1839).
“O doutor Venâncio José Lisboa, presidente da Província de São Paulo. Faço saber a todos os seus habitantes, que a Assembleia Legislativa Provincial decretou, e eu sancionei a Lei seguinte: Artigo Único: Fica elevada à categoria de cidade de Santos a vila do mesmo nome, pátria do conselheiro José Bonifácio de Andrada e Silva, revogadas para isso as disposições em contrário. Mando portanto a todas as autoridades a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente, como nela se contém. O secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Governo de São Paulo aos vinte e seis dias do mês de janeiro de mil oitocentos e trinta e nove. VENÂNCIO JOSÉ LISBOA”
Os deputados da Assembleia Provincial festejaram a promulgação da Lei, mas os santistas demoraram exatamente um mês para tomarem conhecimento da nova realidade, em função da precariedade, na época, das comunicações entre a capital e a vila portuária. Assim, na manhã do dia 26 de fevereiro de 1839, a Câmara Municipal era juntada às pressas, com o chamamento de uma reunião extraordinária para o registro oficial e cumprimento da nova Lei Provincial. Ao final do dia, os vereadores mandaram publicar, para o regozijo de todos os habitantes, os termos promulgados pelo presidente da Província. Para tal fim, oficiou-se ao juiz de paz, pedindo-lhe autorização para que “saísse um bando, com guarda do Batalhão de Guardas Nacionais, a publicar em todas as praças da Cidade, a dita Lei, com a pompa possível”.
Durante dois dias os habitantes da nova cidade cantaram e dançaram, festejando a boa nova. No final as comemorações se encerraram com um Te Deum celebrado na Igreja Matriz (a que existiu defronte à atual Alfândega). Muitos dos escravos também comemoraram com danças e ritos típicos de seus ancestrais. Os santistas, enfim, tinham se tornado “gente grande”, e escaparam de terem que se chamar “bonifacianos” ou “andradinos”. Imagina?
Impactos hipotéticos do novo nome
Caso fossemos Bonifacianos ou Andradinos, como seriam algumas das tradições atuais?
- O alvinegro de Vila Belmiro seria Bonifácia Futebol Clube?
- O porto seria o Cais Bonifaciano?
- O nosso prato típico seria a Meca Andradina?
- E a ACS seria a Associação Comercial de Andradina, ou ACA?
- Bom, vamos deixar a sua imaginação fluir para outras variantes!