Santos, domingo, 11 de agosto de 1889. Cerca de 30 rapazes aguardavam ansiosamente a chegada do juiz da partida e, em grupos, enquanto o árbitro não “dava as caras”, se puseram a falar sobre as suas rotinas de trabalho da semana. E, quem se aproximasse de qualquer uma das rodas a fim de participar das conversas, ia, no mínimo, estranhar a língua utilizada pelos jovens. É que todos eles falavam inglês, pelo simples motivo de serem todos, sem exceção, súditos britânicos, leais à Sua Majestade, a Rainha Vitória.
Mas, o que estariam fazendo aqueles rapazes ingleses, canadenses e até australianos num dos arrabaldes mais remotos da cidade de Santos, na longínqua praia do José Menino? A reposta, apesar de estranha para os dias de hoje, era perfeitamente aceitável para a época: Eles se preparavam para jogar Cricket!
Desde quando os britânicos iniciaram a construção da Estrada de Ferro São Paulo Railway (SPR), no primeiro ano da década de 1860, os súditos da Rainha Vitória passaram a ocupar importantes espaços no cotidiano da terra santista. Junto com eles, haviam desembarcado diversos costumes ingleses, logo inseridos no dia a dia dos brasileiros de Santos, como algumas práticas esportivas: o remo, o atletismo e o crícket.
Com o passar dos anos, se somaram aos funcionários da SPR, os representantes britânicos atuantes em outros serviços públicos importantes, como na distribuição de água, luz, gás e transporte em bondes (The City of Santos Improvments), transporte de passageiros e mercadorias para a Europa (Royal Mail Steam Packet); Telegrafia (The Western Telegraph), além do comércio de café, atividades bancárias, etc. Essa profusão de atividades no cotidiano da cidade acabou se tornando, assim, responsável pela vinda de dezenas e mais dezenas de cidadãos ingleses a Santos. E estes, como quaisquer pessoas oriunda de outra cultura, faziam o possível para sentirem-se em casa.
Entre os britânicos mais entusiasmados diante das atividades esportivas praticadas nas areias da distante praia do José Menino estava o corretor de câmbio australiano, Alexandre Kealman. Ao lado de seu inseparável amigo, Alfred Sell, gerente da Western Telegraph, ambos incentivavam a prática do tradicional jogo britânico, criado no Século XV, nas “duras areias da praia da Barra”, as mais adequadas para a atividade do Cricket, embora o campo ideal fosse gramado.
Por esse motivo e por conta do crescimento da prática do Cricket em Santos, Kealman e Sell sugeriram aos companheiros que fosse criado um clube para, não só reunir os conterrâneos britânicos em torno das atividades esportivas, mas também sociais, envolvendo suas famílias. Assim, quatro dias depois, em 15 de agosto de 1889, vários dos rapazes que estavam na partida de domingo no José Menino se reuniam nos escritórios da firma de café Naumann Gepp & Co. e lá fundaram o “Santos Athletic Club”, aprovando os estatutos e elegendo a primeira diretoria, tendo à frente, na presidência, o empresário William Ellis. Seu vice presidente era Walter Baillie, e o tesoureiro Alfred Sell, o amigo inseparável de Kealman.
Durante nove anos, as reuniões do clube se davam nos escritórios de seus membros ou mesmo na praia do José Menino, onde fora construído um hotel no lugar de um velho bar que servia de ponto de encontro dos britânicos. Sem o seu lugar de confraternização, era hora de conquistar a casa própria.
Depois de muita luta, finalmente, em 1898, os ingleses conseguiram adquirir um amplo terreno que pertencia a Francisco Teixeira da Silva e sua esposa, na mesma região praiana onde tradicionalmente se encontravam aos finais de semana. A agremiação dispendeu a soma de R$ 20:000.000 (vinte contos de réis) nesta compra (o equivalente a 2.500 libras esterlinas ou R$ 1 milhão nos dias de hoje). Kealman e Sell foram os representantes do grupo que assinaram a escritura de compra. No ano seguinte, empolgados com a área e as amplas possibilidades de a agremiação crescer na cidade, mais um terreno fora comprado, pelo valor de R$ 6:000.000 (seis contos de réis ou R$ 300 mil nos dias de hoje). A última gleba adquirida pelo Santos Athletic Club aconteceu em 1908, comprada por R$ 4:000:000 (quatro contos de réis ou R$ 200 mil nos dias de hoje) na gestão do presidente Robert Ellis.
As cores foram “inspiradas” na febre amarela
Certo dia, na década de 1890, os rapazes do Santos Athletic Clube agendaram uma disputa de crícket contra o “rival” São Paulo Athletic Clube, uma agremiação paulistana fundada, curiosamente, no mesmo dia que a princesa Isabel assinava a famosa Lei Áurea, promovendo o fim da escravidão no Brasil, em 13 de maio de 1888. Ocorre que, em razão do surto de febre amarela que assolava a cidade de Santos, alguns dos jogadores caíram doentes e a partida, que aconteceria na capital bandeirante, acabou suspensa. Por meses, todas as disputas, mesmo as realizadas no José Menino, deixaram de acontecer. A agremiação, que ainda não havia resolvido quais cores oficiais utilizaria em seus uniformes, então, decidiu fazer uma espécie de homenagem aos companheiros que chegaram a falecer em decorrência da epidemia. O Santos Athletic Clube, passou, então, a utilizar as cores amarelo (em referência à própria doença), o preto (em relação ao luto sobre a morte dos companheiros) e o azul celeste (numa alusão à esperança por dias melhores).
A construção da sede e o chá das cinco
Em 1905, a Comissão de Saneamento do Governo do Estado de São Paulo, liderada então pelo engenheiro sanitarista Francisco Saturnino Rodrigues e Brito, firmou um acordo com o Santos Athletic Club, em que os ingleses venderam parte da sua área para a abertura da Rua Projetada, 206 (atual Rio Grande do Sul).
Nessa época, os atleticanos já possuíam uma sede provisória: um modesto chalé de madeira que servia para guardar equipamentos esportivos e à promoção de encontros de confraternização. A sede definitiva, maior, mais robusta e estilosa, foi projetada sob a influência da arquitetura inglesa vitoriana, a partir de 1908 e concluída em 1910. O novo local, de fato, ofereceu um impulso às atividades do clube, atraindo a família dos seus membros, em especial suas mulheres e filhos. Eles passaram a frequentar o local com mais assiduidade, e nele foi introduzido, inclusive, uma outra tradição britânica, o “chá das cinco”.
A sede do Santos Athletic Club fervia aos finais de semana. Era o lazer preferido da colônia inglesa da cidade. Para as damas da alta sociedade era uma honra poder participar dos chás organizados na sede do José Menino. O local ficou famoso e virou ponto de passagem quase que obrigatória para algumas figuras de relevo nacional, como, por exemplo, o jurista Ruy Barbosa, que visitou o local durante a campanha presidencial de 1910, no qual ele era o candidato do Partido Republicano Paulista (PRP).
O clube também promovia alguns festivais esportivos, que eram super badalados na cidade. Em 1914, por exemplo, para as comemorações dos 25 anos de existência do SAC, o José Menino ficou repleto de carros e carruagens. Certamente foi o primeiro “engarrafamento” da história da cidade. O evento recebeu ampla cobertura da imprensa santista e paulista. Houve serviço de buffet, gincana para as crianças, com corrida de saco, cabo de guerra, corrida de meninos e meninas, e a corrida do burro, além de competições de cricket e atletismo, como salto em altura, salto em distância, arremesso de peso, 200 e 120 metros de corrida e provas de ciclismo. Foi um fim de semana inesquecível na história da cidade.
Um novo chalé e o futebol de Charles Miller
Em 1913, o SAC resolveu construir mais um chalé, ainda maior do que o anterior, uma vez que ele já não conseguia mais comportar a quantidade cada vez maior de associados e visitantes. Desta vez os diretores resolveram construir o prédio, também em madeira e em estilo inglês vitoriano, na lateral do terreno, alinhando-se à Rua 186 (que, em 1923, passaria a se chamar Rua Santa Catarina). Este novo prédio era composto de salão central, vestiários, bar e sala de estar. Possuía uma enorme varanda que circundava três lados da casa, de onde podia se ver toda a extensão do terreno do clube.
Nesta época, Santos já conhecia o futebol e, embora não fosse a atividade esportiva preferida no clube inglês santista, havia entre seus membros alguns poucos adeptos da modalidade e, entre esses, precursores da atividade na terra santense. Um fato curioso em se tratando deste, que é o esporte mais popular do Brasil, é que o homem considerado o “pai do futebol”, o paulistano Charles Miller, vez em quando aparecia no clube santista e dava uma baita força para a implantação do futebol e do rúgbi nas plagas santenses.
Na década de 1920, assim, além do cricket, do futebol, do rugbi e do atletismo, o Santos Athletic Club promovia também competições de tênis de campo e lawn bowls (uma espécie de jogo de bocha). Nesta segunda categoria havia até equipes femininas, e durante os jogos, via de regra as senhoras organizavam no gramado lateral mesas de sanduiches e sucos. Enfim, o SAC havia se transformado na maior agremiação esportiva de Santos.
Sede de alvenaria
A evolução social do clube inglês foi notável durante os anos 20. Assim, já no começo da década seguinte, a diretoria, mais uma vez, teve que decidir pela ampliação da sede. Só que, desta vez, ela deveria ser construída em alvenaria. O chalé que, afinal, não era tão velho, acabou sendo demolido, o que foi lamentável, uma vez que a nova edificação não trazia nenhuma referência arquitetônica que remetesse às origens da agremiação. Vale registrar que a decisão pela alvenaria não foi uma opção, uma vez que a Prefeitura, na época, não aprovava mais construções de madeira em perímetro urbano.
O responsável pela obra foi o arquiteto irlandês Albertto Myerscough, iniciando-a em dezembro de 1933 e concluindo-a em julho de 1934.
Festividades tradicionais
Além das atividades de caráter esportivo, o Santos Athletic Clube era reconhecido na cidade pela promoção de eventos que atraiam jovens e crianças, como o “Empire Day” (também conhecido como o Dia da Commonwealth – Celebração anual que acontece na segunda segunda-feira do mês de março, ocasião em que o monarca britânico faz o seu discurso à comunidade de seu Reino espalhada pelo mundo) e a Festa da Primavera, com a promoção de jogos (cabos de guerra, corridas de saco, etc) e a tradicional dança das fitas. Nos finais de ano, também aconteciam as tradicionais festas de Natal, com a chegada do Papai Noel no gramado principal do clube.
Escudos dos marinheiros combatentes na Segunda Grande Guerra
Nos anos 1940, o clube foi novamente ampliado, para que recebesse eventos musicais e de dança. O bar ganhou mais espaço e ganhou um nome, “Bexter Bar”, decorado com brasões dos marinheiros que lutavam na Segunda Grande Guerra Mundial. Havia um trânsito imenso de cidadãos britânicos embarcados nas naves de guerra que circulavam pelo Atlântico Sul. Praticamente todos os marujos que tinham a oportunidade de descer à terra, em Santos, iam fazer sua visita ao SAC, pois ali se sentiam um pouco em casa. Muitos mandaram confeccionar placas de bronze anotando suas passagens. Os tripulantes do navio Russel, foram ainda mais longe, e deixaram como presente um belo sino, que até hoje está instalado nas dependências da agremiação.
Por conta dessa movimentação mais intensa de britânicos, foi introduzida na sede um outra atividade esportiva tipicamente inglesa, o “bilhar”, que ganhou uma sala especialmente montada para a prática. Logo se tornou um sucesso entre os associados que, depois de descontraírem no Bar, iam se divertir nas mesas de bilhar.
Em menos de dez anos de existência, o salão abrigou dois torneios tradicionais no Estado de São Paulo: O Jubilee Cup e o Victory Shield, cujos registros e alguns troféus se encontram até hoje nas paredes do local.
O bilhar ganhou força entre os membros do SAC, ainda mais nos tempos em que a guerra acontecia na Europa. Ocorre que as mesas e demais acessórios de bilhar eram produzidos no Velho Continente, de onde estava difícil trazer qualquer coisa. Assim, só depois do término do conflito, em 1945, é que o Santos Atlético Clube mandou encomendar tabelas novas e panos ingleses para cobrir as mesas. E, para isso, contou com a ajuda da Missão dos Marinheiros.
Entre os membros do SAC mais entusiasmados pelo bilhar estava o classificador de café Victor Cross, que chegou a ser o capitão da equipe da agremiação (ele também foi, em 1902, um dos que participaram do primeiro jogo de futebol da história de Santos). Cross mantinha um curioso hábito, ao praticar o snooker sempre acompanhado de uma garrafa de vinho e pedaços de queijos. Quando ele chegou aos 80 anos de idade, isso nos anos 1960, o clube o homenageou criando um torneio com seu nome.
Na época da guerra, o Clube dos Ingleses, como já vinha sendo chamado pela população santista, promoveu muitos eventos em prol da Cruz Vermelha Internacional.
Atas de reuniões em português
Ainda durante os anos 1940, a agremiação passou a admitir associados que não possuíam relação com a comunidade britânica. Isso provocou alterações em algumas tradições, como a redação das atas da entidade, escritas na língua inglesa desde a fundação. Em 1942, elas passaram a ser redigidas em português.
As transformações com o tempo
Ao longo das décadas seguintes, o Clube dos Ingleses foi se adaptando às novas tendências. O Cricket, responsável pela criação da agremiação lá em 1889, praticamente desapareceu, assim como as atividades de atletismo e o rúgbi, que deram lugar para outras práticas, como o tiro, a partir da construção do Estande “Ian Ritchie”, e da natação, cuja piscina foi construída em 1967. As quadras de tênis foram cobertas, o campo de Bowls foi transformado para o futebol society e o clube ganhou um ginásio, batizado de “Kealman”, uma homenagem ao australiano fundador do clube, englobando as quadras de vôlei e basquete, atividades que ganharam muita força a partir de 1972.
Do lado social, o clube manteve sua influência perante à sociedade santista, promovendo eventos concorridos, como, por exemplo, o Baile de Réveillon, cujas entradas eram muito disputadas na cidade. Outro período de forte atividade social eram os carnavais, o lado brasileiro do clube. Em 1984, por exemplo, surgiu a famosa Festa Tropical, ganhando a atenção dos jovens santistas.
Em 2011, o Santos Atlético Clube ganhou um reforço no quadro associativo, com a incorporação dos associados do antigo Clube Caiçara, que foi extinto após a venda de sua sede, também situada no José Menino.
Nos dias atuais, ainda que muito distante daquela raiz fincada por Kealman e Sell, o Santos Athletic Club se mantém firme como um baluarte do esporte santista, um senhor de muito respeito.