Santos, quinta-feira, 9 de julho de 1936. A cidade estava em festa, celebrando o quarto aniversário da Revolução Constitucionalista de 1932, o célebre movimento armado encetado pelos paulistas, que exigiam do então governo do presidente Getúlio Vargas a promulgação de uma nova Constituição, o que só veio a ocorrer em 16 de julho de 1934 (Esta Carta, no entanto, viria a ser cassada em 1937 pelo mesmo Vargas, quando instituiu um governo ditatorial, o Estado Novo – mas esta é uma outra história).
A municipalidade, a fim de homenagear a data, investiu num belo projeto urbanístico para enfeitar a ponta final da aprazível avenida Dona Ana Costa, no trecho colado às areias do Gonzaga. Ali, o então prefeito Antônio Gomide Ribeiro dos Santos, engenheiro civil formado pela Politécnica da USP, mandou construir uma fonte de água espelhada, a primeira do tipo na orla praiana, sendo ela batizada como “Fonte 9 de Julho”, justamente em referência ao evento revolucionário de São Paulo.
Quando os santistas cortaram a fita inaugural do espaço urbanizado com sua bela fonte luminosa, muitos repararam que ela não era a única atração a compor a nova paisagem daquele trecho do Gonzaga. Cerca de 100 metros na direção do canal 2, um belíssimo relógio público também era inaugurado. Contando com três mostradores devidamente instalados no alto de uma formosa coluna de ferro batido, artisticamente trabalhada, o instrumento era tido como uma novidade em Santos, uma inovação em se tratando de propaganda. E, de fato, era um monumento carregado de “reclames”, fosse de empresas ou produtos. Os anúncios ocupavam boa parte do equipamento, do topo aos degraus da base. Logo abaixo dos mostradores (do relógio) havia três traves com duas faces, cada, para inserção publicitária. Os espaços de reclames também estavam na base do poste, feita em forma de pirâmide, e nos degraus. Nada escapava aos olhos do empresário e publicitário Octávio de Níchile, diretor da empresa E’co Ltda. e criador do sistema de propaganda que fazia uso de relógios públicos na capital paulista desde o princípio dos anos 1930. Ele obtivera a concessão para a instalação de suas peças na capital, no município de Santos e na Estância Balneária do Guarujá que, desde 1934, havia se tornado uma espécie de município subordinado ao Governo do Estado, com prefeitos nomeados (Deixou naquele ano de fazer parte do município de Santos).
Em São Paulo, os relógios “De Níchile”, como já eram conhecidos, por conta do nome de seu inventor, se tornaram um sucesso. Havia quatro deles na capital: no Largo do Arouche (1930); na Estação do Norte (ou Estação do Brás – 1930); no Largo do São Bento (1930); na Praça Ramos de Azevedo (1933) e na Praça da Sé (1934).
Níchile estava satisfeito com a ação de seus relógios na capital bandeirante, mas queria expandir o alcance de seu serviço de propaganda para os principais destinos turísticos do Estado: Santos e Guarujá. Assim, no final de 1935 iniciou as tratativas com as prefeituras locais e, como em Santos já havia a intenção de urbanizar a orla do Gonzaga, o empresário aproveitou para oferecer o seu belo relógio para adornar o espaço.
No dia 9 de julho de 1936, data da inauguração da fonte e do espaço urbanizado, o relógio foi o primeiro a ser entregue ao público, com direito à presença do prefeito Gomide dos Santos e música tocada pela Banda dos Bombeiros.
Segundo um dos filhos de Octávio de Níchile, Mário Montini De Níchile, a vida dos relógios de Santos e Guarujá foi muito curta, “devido ao ar marinho, que corroía as peças com facilidade”.
Curiosidade
Existe ainda um relógio “De Níchile” na paisagem de São Paulo. É o que fora instalado na Praça Antônio Padro, inaugurado no mesmo ano do exemplar santista, em 1935. Este equipamento foi tombado pelo órgão de defesa do patrimônio histórico da capital paulista em 1992, por seu valor cultural. Desde a morte de Octávio De Níchile, em 1986, a manutenção deste relógio ficou sob os cuidados de seus filhos.