Há mais de 170 anos, os santistas convivem com verdadeiras cidades flutuantes, que entram e saem do porto, despertando assombro e euforia
Santos, novembro de 1958. Era uma manhã fresca de domingo, com o sol timidamente escondido por detrás de algumas nuvens que teimavam de escondê-lo. Passear pela cidade era o programa preferido de muitos santistas, como o jovem Enzo Leonardo. Um dos locais de sua predileção era a Ponta da Praia, mas não por conta do Aquário ou do Museu de Pesca. O menino gostava mesmo era de ficar sentado nas belas muretas do canal da barra, observando o vai e vem dos navios que transitavam de e para o Porto de Santos. E se ele viesse um transatlântico, ah, o dia, sim, estava ganho. E, como que o destino soubesse do gosto do jovem Enzo, eis que apontava na Ponta dos Limões um imponente navio de cruzeiro, todo branco, à exceção de uma faixa escura na linha d’água. O garoto apontou entusiasmado para o barco e seu pai disse-lhe que deveria ser de procedência italiana, por causa da bandeira com as faixas vermelha, branca e verde, tremulando no alto do mastro superior, situado ao lado da chaminé única e central. No casco de proa, o nome: “Augustus”, embarcação pertencente à Italia di Navigazione. O navio já era figura carimbada no porto de Santos e fazia par com outra celebridade dos mares, o transatlântico Giulio Cesare.
Na passagem do Augustus, Enzo acenou, assim como outras dezenas de pessoas que, assim como o menino, ficavam encantadas com o desfile de belos navios que só mesmo a cidade de Santos podia proporcionar.
Um destino de cruzeiros
O porto santista, de 1851 a 1939, desempenhou um papel significativo no transporte de passageiros em viagens transoceânicas e ao longo da costa do Brasil. Isso se deu porque neste período o transporte marítimo dominava as longas distâncias, uma realidade que se transformou em função do desenvolvimento das opções rodoviárias e aéreas. Além disso, o cais santista também foi o principal palco para o desembarque dos grandes fluxos imigratórios, particularmente ao Estado de São Paulo, durante a virada do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
A Segunda Guerra Mundial provocou uma interrupção nesse cenário, mas a atividade voltou a ganhar força a partir de 1947, quando um novo fluxo de imigrantes começou a atravessar os oceanos em direção ao Brasil. Muitos desses viajantes vinham de Portugal e Espanha, países que enfrentavam desafios econômicos e sociais. Além disso, o custo da viagem marítima para a Europa e os Estados Unidos era muito mais acessível do que as opções aéreas, que na época eram quase que exclusivas a autoridades e grandes empresários.
Essa tendência persistiu até 1972, quando a crise do petróleo causou uma diminuição na quantidade de navios de cruzeiro, embora a atividade tenha continuado em função de um novo propósito: o turismo internacional. Os italianos, em particular, mantiveram sua presença ao longo do tempo, atendendo aos seus conterrâneos nas viagens entre os países, enquanto os argentinos se destacaram como grandes usuários dessas rotas, o que propiciou o prolongamento de sua atividade.
O início das temporadas de Cruzeiros Turísticos
Alguns anos antes da crise do petróleo, Santos começou a testemunhar uma nova vertente nas atividades dos transatlânticos: a exploração de cruzeiros turísticos. Um episódio particularmente interessante que ilustra essa transformação é a história do cruzeiro “ao Campeonato Mundial de Futebol” de 1962, realizado pelo luxuoso transatlântico “Cabo São Vicente,” da armadora espanhola Ybarra. Esse pacote incluía uma viagem de 32 dias de Santos a Montevidéu (Uruguai), Buenos Aires e Punta Arenas (Argentina) e Viña del Mar (Chile), antes de retornar, fazendo paradas nos portos argentinos ao longo do percurso.
Fim das rotas regulares e início do conceito de temporadas
Enquanto o mercado de cruzeiros de temporada e pontuais se fortalecia, as rotas regulares dos transatlânticos gradualmente perdia sua demanda, à medida que o número de passageiros diminuía. Essa tendência persistiu até março de 1987, quando o transatlântico “Enrico C,” da renomada armadora italiana Costa Crociere, foi o último a operar o serviço regular de passageiros entre Santos e a Europa.
Visitantes ilustres
Apesar de disponível, os cruzeiros de temporada e especiais não cabiam em qualquer bolso. Desta forma, eram poucas as oportunidades de navegar a lazer a partir do porto santista. Por outro lado, a fama de Santos, e sua posição estratégica ao lado de São Paulo, uma das maiores cidades das Américas, trouxe visitantes ilustres como o lendário Queen Elizabeth 2, considerado à época o maior navio do mundo (294 metros), que aqui aportou em 1980, em sua viagem de “volta ao mundo”
A onda do Século 21
Por muitos anos os cruzeiros de turismo aconteceram sem que porto tivesse um terminal estruturado para a promoção de embarques e desembarques. Até que em 1998, entrava em operações o Terminal Marítimo de Passageiros “Giusfredo Santini”, administrado pela concessionária Concais S.A. A partie dessa virada de página, na vitrada dos milênios, Santos passou a viver mais intensamente as temporadas de cruzeiro, recebendo em suas águas verdadeiros gigantes dos mares, transatlânticos que surpreendiam pelo luxo e tamanho. Dependendo do ângulo e do lugar de onde se olha, dava a impressão que havia uma cidade se deslocando dentro da cidade. E a cada ano, parecia que os navios cresciam. Em 2000, o Costa Marina (175 metros e 990 passageiros); 2004, Costa Vitória (250 metros e 1.928 passageiros); 2006, Costa Fortuna (272 metros, 2.443 passageiros); 2010, Costa Concórdia (290 metros, 3.780 passageiros); 2011, Mariner os the Seas (311 metros, 3.114 passageiros); 2013, MSC Fantasia (333 metros, 3.900 passageiros); 2016, MSC Preciosa (333 metros, 4.345 passageiros); 2018, MSC Seaview (323 metros, 5.119 passageiros – neste caso, o diferencial é a altura, assim como fora com o MSC Preciosa) e finalmente o MSC Grandiosa, que deve estrear a temporada 2023/24 com impressionante capacidade para 6.334 passageiros (331 metros).