Santos, 4 de agosto de 1902. Era uma segunda-feira, um dia totalmente incomum para apresentações teatrais. Afinal, tratava-se do começo de mais uma semana de trabalho duro na cidade portuária que transbordava atividades comerciais. Ainda assim, o Teatro Guarany resolveu quebrar as regras, e paradigmas, para anunciar, em vistosos letreiros, que estaria se apresentando em seu palco alguém digno de ser diferente e receber um tratamento distinto, uma figura singular, que garantiria uma noite inesquecível para os que tivessem a chance de testemunhar seu talento, e na mesma casa que recebera, em 1886, a maior estrela mundial do teatro, a francesa Sarah Bernhardt. A diva daquela noite de segunda, muitos diziam, era tão reluzente quanto fora a rainha do teatro parisiense. Talvez por ser, também, francesa, de Paris, e ter o dom de encantar plateias. Esta era Gabrielle Rejane.
A atriz promovia sua primeira excursão pelo Brasil, um país ainda apaixonado pela cultura e hábitos franceses. Rejane era figura de alto gabarito, disputadíssima pelas maiores casas teatrais da Europa. Estava em Santos porque sabia que a cidade era a face do progresso brasileiro, e também porque o Guarany era, de certa forma, uma casa famosa em vários cantos do mundo. A passagem de Bernhardt, assim, era algo a ser copiado, dizia Gabrielle.
Os santistas praticamente enlouqueceram quando souberam da vinda da atriz parisiense. Cinco dias antes de sua apresentação, todos os ingressos já haviam sido vendidos, inclusive os lugares da chamada “geral”, de custo mais baixo. Rejane vinha de São Paulo, onde lotara o Teatro Santana. Numa de suas apresentações, ela chegou a ser chamada ao palco nada menos do que 29 vezes!
A peça em cartaz era “Zazá”, criada por Berton e Simon em 1898, que ficou famosa por sua interpretação. Rejane realizou uma única récita para a plateia santista, mas cada centavo gasto no ingresso valeu a pena. Santos, enfim, conhecera outra grande dama do teatro mundial.
Quem foi Gabrielle Rejane?
Nascida em Paris, em 6 de junho de 1856, é considerada uma das maiores estrelas do teatro francês de todos os tempos, junto com Sarah Bernhardt. Seu estilo preferido era a comédia. Rejane estreou no Theatre du Vaudeville, em 1875, e a partir dali desfilou pelos principais palcos europeus e do mundo. Entre suas mais inspiradas e importantes criações destacaram-se: M Cousine (1890), de Henri Meilhac; Amoureuse (1891), de Porto-Riche; Madame Sans-Gene (1893), de Sardou, e Zaza (1898), de Berton e Simon, esta a peça que apresentou aos santistas em 1902.
Imensamente admirada por artistas como Marcel Proust, Réjane abriu em 1906 seu próprio teatro em Paris, o qual batizou orgulhosamente com seu próprio nome, assim como Sarah Bernhardt. Em 1909, Réjane retornou ao Brasil, apresentando-se em São Paulo e no Theatro Municipal do Rio de Janeiro (entre 15 de julho e 22 de agosto). O teatro, inaugurado na véspera e construído graças ao estímulo do escritor Arthur Azevedo, com sua campanha na imprensa carioca de incentivo as artes nacionais, teve suas instalações ocupadas pela primeira vez pela grande companhia francesa. Nesta segunda passagem ela não veio a Santos.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Réjane engajou-se admiravelmente, auxiliando as vítimas de combate com parte de sua fortuna pessoal. No dia 14 de junho de 1920, Gabrielle Réjane faleceu na capital francesa, oito dias após completar 64 anos.