Alguns dias antes de proclamar a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, num plano engendrado minuciosamente pelo santista José Bonifácio de Andrada e Silva, o então príncipe regente, Pedro de Alcântara (futuro D. Pedro I), havia conhecido, numa audiência em São Paulo, a mulher que transformaria sua vida num turbilhão de paixão e escândalos.
Domitila de Castro Canto e Melo, a Titila (como D. Pedro a chamaria em correspondências), era uma jovem de 25 anos de idade quando deparou-se frente à frente com o príncipe. Ao lado do pai, o coronel João de Castro Canto e Melo, a moça suplicou pela intervenção real na anulação do conturbado casamento que mantinha, desde 1813, com o alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça (oficial do 2º Esquadrão do Corpo de Dragões de Vila Rica-MG). Considerado um homem violento, Felício espancava a esposa de forma recorrente, chegando, inclusive, a esfaquea-la em 1819.
Assim, D. Pedro não só ajudou a bela moça de olhos negros a se livrar do marido, como a colocou no topo da lista de suas amantes, a ponto de leva-la para o Rio de Janeiro e inseri-la na Corte, ato que constrangeu amigos, servidores e sua própria esposa, a imperatriz D. Maria Leopoldina (Carolina Josefa Leopoldina de Habsburgo-Lorena).
O santista José Bonifácio, amigo próximo da consorte de D. Pedro, a quem considerava uma dama de rara sabedoria, tomou as dores da arquiduquesa da Áustria (título original de Leopoldina) e passou a atacar Domitila nos bastidores do poder. Porém não obteve sucesso. Pior, o tiro saiu pela culatra.
Dono de ideias progressistas e antiescravagistas, o santista colecionava, a cada dia, mais e mais desafetos entre os nobres, principalmente os que dependiam da mão de obra escrava. Quase todos reclamavam do “poder exacerbado” que José Bonifácio e seus irmãos exerciam no governo imperial. Os nobres, em especial os fazendeiros, “exigiam as cabeças” dos irmãos Andradas. Pressionado, D. Pedro desgastou a relação com seu ministro, até que o demitiu em 15 de julho de 1823.
Após a saída do desafeto, Domitila inseriu-se de vez na Corte, a ponto de ser nomeada dama camarista da imperatriz em 1824, para tristeza de D. Leopoldina. E, para “pinicar” o ex-amigo e ministro, D. Pedro tornou Domitila “Viscondessa de Santos”, em 12 de outubro de 1825. No ano seguinte, na mesma data, a amante ascendeu ao título de “Marquesa de Santos”. Sobre essas titulações, José Bonifácio comentaria do seu exílio na França: “Quem sonharia que a michela (prostituta) seria viscondessa da pátria dos Andradas? Que insulto desmiolado!”
Nunca pisou na cidade santista
De fato, os títulos dados à Domitila não lhe imputariam obrigações para com a terra a qual era representante nobiliárquica. A Marquesa de Santos nunca pôs os pés…. em Santos. Talvez ela desconfiasse que jamais seria bem quista pelos conterrâneos de José Bonifácio. Assim, ao longo dos anos em que ostentou o título, até a sua morte, em 3 de novembro de 1867, a amante preferida do imperador só se relacionou com a cidade santista uma única vez, em 1845, por conta do Chafariz da Coroação, importante equipamento público que ajudou a viabilizar encaminhando a vultosa contribuição de 400 mil Réis.
As Casas da Marquesa que nunca existiram em Santos
Apesar de comprovado o fato de Domitila nunca ter pisado em Santos, no passado algumas lendas procuravam contradizer esta afirmação. Uma delas, muito popular nos anos 1940, falava de um casarão existente na Avenida Conselheiro Nébias, entre as ruas Sete de Setembro e Bittencourt. Diziam os populares que pertencia à Marquesa de Santos. Outra história, do início dos anos 1950, é a de que havia uma espécie de castelo na rua Júlio de Mesquita, entre as ruas Senador Feijó e Comendador Martins, e que seria a moradia da Marquesa de Santos, um local para seus encontros furtivos com D. Pedro I.
Mais absurdo impossível, uma vez que estes dois endereços nem existiam na Santos da época em que Domitila estava viva. Uma outra atribuição de casa à Marquesa era na Serra do Mar, onde está o Pouso Paranapiacaba, na Estrada Velha de Santos.
Descendência e novo casamento
Domitila teve cinco filhos com D. Pedro, sendo que três morreram antes de completarem um ano de idade. As sobreviventes foram Isabel Maria de Alcântara Brasileira (duquesa de Goiás – 1824 – 1898) e Maria Isabel II de Alcântara Brasileira (condessa consorte de Iguaçu – 1830 – 1896). A Marquesa de Santos casou-se novamente em 1842 com o brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, que conhecera desde 1833. Desta união, nasceram seis filhos. Domitila morreu em 3 de novembro de 1867, em São Paulo, aos 70 anos de idade.