É praticamente impossível passar pela avenida Bartolomeu de Gusmão, na orla de Santos, e não reparar o imponente prédio, de número 111, construído no início do século 20, em estilo neocolonial, idealizado pelo renomado arquiteto paulistano Ramos de Azevedo, da mesma forma que também é quase impossível deixar de constatar que, mais de 110 anos depois de abrir suas portas para uma missão social de alcance gigantesco, o lugar acabou se transformando num “prédio fantasma”, cujas sombras e desmazelos assombram todos os que, de forma absolutamente incompetente, permitiram a deterioração física e “espiritual” do legado de um homem que lutou uma vida inteira para diminuir as diferenças sociais entre as pessoas.
João Octávio dos Santos (1830-1900), que nasceu fruto de um relacionamento entre uma escrava (Escholástica Rosa) e seu senhor (João Octávio Nébias), foi obrigado a aprender com as agruras da vida desde cedo. No entanto, contra todos os prognósticos, venceu, e com louvor. Fez riqueza no segmento de negócios agrícolas (exportava banana e importava trigo da Argentina) e tornou-se figura influente na cidade santista, a ponto de obter cargos de destaque, como, por exemplo, o de provedor da Santa Casa de Misericórdia. Em 1898, após descobrir que estava muito doente, com arteriosclerose e, já no leito de morte, teve a altivez de legar sua fortuna para a condução de uma grande missão social: educar jovens desvalidos, em especial os órfãos, oferecendo-lhes oportunidade para consolidar uma formação profissional. Assim, confiou ao companheiro e compadre Júlio Conceição, a tarefa de erguer no terreno da chácara onde morava, na Ponta da Praia, uma instituição, que deveria ser nominada “Escholástica Rosa”, como homenagem à mãe negra (que falecera quando ainda era jovem e pobre). Ele deixou tudo ajeitado: dinheiro para a construção, para os projetos e inúmeros imóveis no centro de Santos, cujos aluguéis serviriam para sustentar a nova instituição (o pagamento dos salários dos professores, diretores, funcionários, além de todos os equipamentos e materiais necessários para a formação dos jovens).
Por muitos anos, o Escholástica Rosa foi um modelo de ensino, tanto que o Governo Federal, nos anos 1930, optou em assumir o papel gestor da instituição, ao invés de criar uma nova, como era o plano original do então presidente Getúlio Vargas. Foi aí que se consolidou o ponto nevrálgico da origem dos problemas que culminaram no estado atual do colégio. Dirigido pelo Estado, com parcos recursos públicos, a instituição só manteve sua essência graças ao esforço da comunidade e de professores e funcionários dedicados. A função social desenvolvida no Escholástica Rosa sempre foi um orgulho da cidade. Alí, jovens de 7 a 18 anos, meninos e meninas, aprendiam funções que os propiciariam um futuro sólido, profissional. As oficinas do complexo educacional eram de encher os olhos . Mas tudo isso foi se degradando por conta do desmazelo e da falta de visão dos gestores do Estado e seus subordinados do setor de educação pública. O resultado, que acompanha a passagem dos anos neste século 21, é um prédio abandonado, devolvido ao seu dono original, a Santa Casa, e uma demanda enorme de jovens que necessitam das mesmas oportunidades que os órfãos santistas tiveram a sorte de ter no começo do século 20.
Como forma de provocar a reflexão sobre momentos tão antagônicos, o Memória Santista publica abaixo as imagens de um álbum da escola editado em 1935, justamente num ano em que a transição do privado para o público estava em pleno processo. É chocante imaginar que tanta coisa boa se perdeu com o tempo.
Diante dessas imagens, e afinal, nos perguntamos: Nos dias de hoje, com tantas dessas profissões praticamente extintas, será mesmo que nossa juventude não poderia fazer uso de um espaço tão glorioso, que nasceu com a missão de nortear caminhos para uma vida auto-sustentável? Sabemos que outras necessidades se fazem presentes neste século 21, mas até mesmo as que eram importantes há 100 anos, ainda hoje são necessárias, principalmente porque Santos é uma cidade histórica, repleta de prédios que precisam de recuperação.
Que o Escholástica Rosa possa voltar a ser um espaço que propicie oportunidades aos jovens. Pelo menos isso era o que João Octávio dos Santos desejou com muita vontade, antes de partir e deixar sua enorme contribuição à sociedade.