Santos, 29 de novembro de 1920. Os santistas já estavam aguardando a chegada, havia dias anunciada, de dois importantes cruzadores da marinha de guerra japonesa, o “Iwate” e o “Asama”, que andavam em viagem de instrução pelas águas da América do Sul com 223 marinheiros aspirantes a oficiais. Os dois navios chegaram na boca da Barra cerca de 8 horas da manhã e já às 10 fundeavam no largo do estuário santista, defronte à Alfândega.
Ao encontro da divisão nipônica partiram do cais da Companhia Docas de Santos várias lanchas, uma delas conduzindo o cônsul japonês em São Paulo, Toshiro Fugita, além de membros da municipalidade santista, autoridades civis e militares, representantes da imprensa e membros da Escola Japonesa de São Paulo.
Todos foram para bordo do “Iwate”, sendo recebidos pelo comandante geral da pequena esquadra, o vice-almirante Kajishiro Funakoshi. Os dois navios pertenciam à mesma classe, cada qual medindo 130 metros de comprimento por 20 de largura. O “Iwate” fora construído na Inglaterra em 1898, sendo lançado ao mar no ano de 1900. Já o “Asama” era um pouco mais velho, construído também na Inglaterra, em 1896. Este navio foi um dos primeiros do mundo a testar a tecnologia de comunicação por rádio.
A diferença entre os dois cruzadores era sua quantidade de chaminés. Enquanto o “Iwate” trazia três, o “Asama” ostentava apenas duas. Ambos os navios eram capazes de deslocar 9.850 toneladas e imprimir uma velocidade de 32,7 nós por hora. O armamento deles era robusto, constituído por quatro canhões de tiro rápido, de 203 mm (montados em casamatas); 12 canhões de 76 mm, além de outros dois de 47 mm, que serviam apenas para dar “salvas” em eventos específicos. Ambos os cruzadores ainda mantinham quatro tubos, cada um, para o lançamento de torpedos.
Os dois navios haviam partido do porto militar de Yokossuka em agosto, fazendo escalas em Kobe, Keeling, Makun, Hong Kong, Singapura, Colombo (Sri Lanka), Durban e Cidade do Cabo (África do Sul), antes de chegar ao Rio de Janeiro, dias antes de aportar em Santos.
Música e baile
A bordo do “Iwate”, os convidados brasileiros tiveram a oportunidade de apreciar a música oriental conduzida pela fanfarra de bordo. Esta mesma banda, nos dias seguintes, brindaria o povo santista, em apresentações pela cidade. Uma delas aconteceria Jardim Público da Praça dos Andradas, à noite, com grande número de pessoas na plateia. A comunidade japonesa de Santos também promoveu alguns eventos em acolhida aos compatriotas. Nos dias 29 e 30, realizou duas matinês no Cassino Miramar, no Boqueirão, a primeira para a marujada e a segunda para os oficiais e aspirantes.
Compromissos em São Paulo e interior
O vice-almirante Kajishiro Funakoshi, seu ajudante de ordens, tenente Freizo Yagashira; o comandante do “Asama”; capitão Shigozo Oymada; o comandante do “Iwate”, capitão Yasago Torisaki, e o chefe das máquinas da Divisão Naval, comandante Zengo Yoshida, subiram a Serra do Mar no trem da São Paulo Railway para cumprir uma série de compromissos junto ao governo do Estado. Tendo como cicerone o cônsul japonês, o grupo visitou o presidente paulista, Washington Luís, participou de diversas atividades de caráter militar no Quartel da Luz, visitou o Instituto Butantã e foi recebido em recepções diversas, como o Clube Trianon, onde ocorreu um elegante jantar, com a participação de diversos secretários de governo. No dia seguinte, os militares nipônicos pegaram um trem com destino a Ribeirão Preto, onde visitaram uma colônia agrícola com vistas a oferecer a colonos japoneses. Na volta à capital, os componentes da banda japonesa já estavam se apresentando para o público paulistano. No parque do Anhangabaú aconteceria um grandioso espetáculo, bastante concorrido.
A despedida
Depois de mais alguns dias de estada em Santos, os dois navios de guerra do Japão partiram na direção sul, onde passariam por Montevideo (Uruguai), Bahia Blanca (Argentina), Ilhas Falkland (Malvinas), Punta Arenas, Talcahuano, Valparaíso e Iquique (Chile) e Callao (Peru), antes de atravessar o Pacífico até chegar ao porto de destino, Yokosuka, em 21 de abril de 1921.
No centenário da Independência do Brasil, os japoneses regressam
A pequena esquadra nipônica voltaria ao porto de Santos em 16 de setembro de 1922, para as comemorações do Centenário da Independência do Brasil. Desta vez, o “Iwate” e o “Asama” ganhariam mais um companheiro, o cruzador “Idzumo”, construído nos estaleiros Armstrong, Elswick, Inglaterra, junto com o “Iwate”, em 1898. Media 121 metros de comprimento e 20,85 de largura, deslocando 9.750 toneladas. E assim como seu “irmão”, tinha três chaminés.
Naquela ocasião, o comando havia sido passado de Kajishiro Funakoshi para o vice-almirante Naomi Tanigushi, que cumprir, igualmente, uma série de compromissos oficiais junto à colônia japonesa no Brasil e autoridades do Estado de São Paulo. No porto de Santos, os três navios ocuparam o costado dos armazéns 2, 3 e 5, tendo sido visitado por muitas pessoas, que para lá correram com o propósito. Da mesma forma que a primeira visita de 1920, os santistas prepararam vários eventos em homenagem aos visitantes do Sol Nascente.
Uma curiosidade desta segunda visita é que os japoneses dividiram a atenção do povo santista com os marinheiros da Força Naval da Grã-Bretanha, que também passavam por São Paulo para as celebrações do Centenário da Independência. Sob o comando do almirante W. Cowan, os couraçados “Hood” e “Repulse” também atraiam a atenção do povo.
Postais com data equivocada
Ponto de inspiração para este artigo, a visita da esquadra japonesa ao porto de Santos foi retratada em três cartões postais editados nos anos 1920 pela Union Postale Universelle, aqui usados como ilustração. Ocorre que no enunciado destas publicações, a informação está equivocada, dando conta de que a visita teria ocorrida no ano de 1921, o que não corresponde aos fatos observados.
O Memória Santista rastreou todas as visitas de navios de guerra japoneses ao porto de Santos no referido ano, e nada encontrou. Deduz-se, assim, que as três imagens retratem a passagem nipônica ocorrida no final de 1920. O navio visto no postal que mostra o largo do estuário e o cais da Alfândega, nas proximidades das barcas de transporte Santos-Guarujá, é o “Iwate”, com suas três chaminés. Já os outros dois postais mostram o navio de duas chaminés, o “Asama”, em dois planos distintos na entrada do canal da barra, na Ponta da Praia.