Entre velhos livros e registros centenários do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, não faz muito tempo, surgiram diante deste dedicado memorialista imagens de um passado distante, de uma Santos que, assim como hoje, se reinventava a cada dia, com os olhos voltados ao futuro. Para os desavisados, não fosse a inscrição “Santos – Brazil” (ainda com “z”), grafada no rodapé de cada uma das reproduções, tais cenas poderiam facilmente pertencer a qualquer outra localidade charmosa que vivia seu próprio processo de modernização. Mas, para um olhar mais atento, os retratos revelaram-se fragmentos preciosos da história santense, provocando em mim, mais uma vez, a emoção de quem descobre um tesouro oculto. E este tipo de tesouro deve ser compartilhado.
Assim, aproveito a oportunidade de, por meio desta coluna, não apenas partilhar o conhecimento sobre a memória santista, mas também a doce e vibrante alegria das descobertas. Hoje, dou início a uma jornada em três páginas, onde trago à luz 18 fotografias de uma Santos do início do século passado, mais precisamente de 1908, revelando as curiosidades e histórias escondidas em cada imagem, como quem abre um baú repleto de segredos do tempo. E convido você, querido leitor, a embarcar comigo nessa viagem ao passado.
Hoje, em seis imagens, veremos o velho centro, que na época era conhecido apenas como “cidade”.
Santos em metamorfose
Em 1908, Santos vivia um tempo de efervescência e transformação, onde as luzes do progresso começavam a iluminar cada canto da cidade. A eletricidade, recém-chegada, além de clarear as ruas com suas lâmpadas, também acendia sonhos e ambições em meio ao povo. Postes esguios delineavam o horizonte urbano (há imagens deles em várias fotografias, todos ainda sem a fiação), enquanto os bondes, ainda movidos pela força de aguerridos burros, testemunhavam a chegada de um novo tempo, em que o barulho das rodas sobre os trilhos estaria acompanhado pelo zumbido das correntes elétricas, um prenúncio do futuro que estava prestes a chegar com a eletrificação do transporte em abril daquele ano.
Primeiro ano do primeiro prefeito da história
Em 1908, Santos vivia o segundo ano sob a gestão de um prefeito eleito, uma novidade para a cidade. Até o ano anterior, quem governava era um vereador, elevado ao cargo de intendente, escolhido não pelo voto popular, mas por acordos entre seus pares. A população, enfim, não participava diretamente da escolha de seu líder executivo, ficando a escolha a cargo da Câmara Municipal, em meio a alianças e pactos. Mas quando esta máxima caiu, o coronel Vasconcellos Tavares, último intendente, acabou eleito diretamente pelos eleitores, assumindo o posto em janeiro de 1908, marcando o início de uma nova era em Santos.
Praça da República (1)
O Largo da Alfândega, em particular, testemunhava as maiores mudanças. De seu solo, brotou a Praça da República, com o primeiro monumento público da cidade, erguido em homenagem ao fundador Braz Cubas. Mas se isso foi um ganho, por outro lado houve uma perda, irreparável. A velha Matriz, joia do barroco, se esfarelava sob os golpes do progresso, transformando-se em pó que se dissipava na memória dos santistas, um lamento que ecoa até hoje.
Largo do Rosário (2 e 3)
No coração pulsante da cidade, o Largo do Rosário se destacava como ponto central de encontros e despedidas. Ali, o majestoso prédio dos Correios dividia espaço com a Igreja do Rosário dos Homens Pretos, que assumia o papel de Matriz provisória, enquanto a praça se enchia de vida. Era ali, naquele borbulhar de gente, que vendedores de jornais, engraxates e jovens cheios de sonhos se misturavam, compondo um painel vibrante da cidade. O som dos passos, das risadas e das conversas ecoavam pelos principais bares e pelas linhas de bonde que partiam e chegavam, tendo ali seu ponto inicial e final.
Rua Santo Antônio (do Comércio) (4)
Ao redor do Largo, a cidade revelava suas dualidades. Se por um lado havia a efervescência moderna no Rosário, no lado oposto, na Rua Santo Antônio, hoje Rua do Comércio, os vestígios de um passado glorioso se esvaíam. Velhos casarões e pensões decadentes, como o outrora Grande Hotel Europa, permaneciam como sombras do que um dia fora, testemunhas silenciosas de uma época que já havia passado.
Conselheiro Nébias (5)
Em uma das imagens, a crescente avenida Conselheiro Nébias, segundo caminho qualificado que unia Santos à região da orla da barra (nome como era conhecida a região das atuais praias). Em 1908, toda a sua extensão já vinha sendo ocupada, porém o trecho mais nobre daquela Santos se concentrava nas proximidades da Vila Nova, onde imponentes casarões, residências da elite santista, exibiam sua elegância. Na coleção, destaca-se o magnífico palacete de José Carneiro Bastos, um rico comerciante que presidiu a Câmara Municipal de Santos entre 1898 e 1901. Este edifício abrigou o Clube XV (1919-1934) e, posteriormente, a Capitania dos Portos (1935-1957). À esquerda, vê-se, mais modesto, o Palacete Antonio Carlos Gomes. A iluminação a gás, em postes de ferro ornamentados, clareava a via, mas logo seria substituída pela luz elétrica. Os céus ainda estavam livres da fiação, e a faixa de trilhos dos bondes cortava o centro da avenida, deixando as laterais para as carroças e os poucos automóveis que começavam a circular pela cidade.
Mercado Municipal (6)
Por fim, a imagem do Mercado Municipal, no Paquetá. Com apenas seis anos de existência, já se erguia como um verdadeiro orgulho de Santos. Seu estilo acastelado, com traços garbosos, fazia jus à sua importância. Ali a vida pulsava, com centenas de catraieiros cruzando o canal do porto transportando cargas e passageiros. O mercado era, enfim,` o ponto de encontro dos caiçaras que, em pequenos barcos, navegavam de todo o litoral para vender o que a terra e o mar lhes ofereciam. Nos boxes da edificação, uma abundância de frutas, verduras, legumes, peixes e carnes coloria o ambiente, refletindo a riqueza da produção local. Com o passar dos anos, o prédio passou por uma grande reforma em 1947, e suas características originais se perderam.