O Memória Santista lhe convida a embarcar na segunda parte de uma fascinante viagem pelo ano de 1908, guiados por antigas fotografias do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Se na primeira etapa, revelada no último artigo, mergulhamos nas memórias do velho Centro Histórico, neste iremos avançar um pouco mais, rumo às áreas que começavam a ser moldadas pela crescente urbanidade santista — nos recantos do Macuco e na bucólica região da orla praiana. Tais paragens, outrora vazias, iam ganhando vida com o avanço do progresso, levado pelos trilhos dos bondes, pelas grandiosas obras da Companhia Docas e pelos elegantes canais traçados pela genialidade de Saturnino de Brito.
Prepare-se, então, para seguir conosco nesta jornada única!
A Avenida Taylor e a sede da Companhia Docas de Santos
A atual Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, situada no bairro do Macuco, que abriga no trecho final o complexo de oficinas e a sede administrativa da antiga Companhia Docas de Santos (posteriormente Codesp e atualmente Autoridade Portuária), foi conhecida até 1919 como Avenida Taylor. O nome homenageava o cidadão português Antonio Iglezias da Silva Taylor, natural da cidade do Porto, que doou uma faixa de terras para a abertura da via, além de um vasto terreno onde se estabeleceu a sede do antigo Asilo de Órfãos (atualmente Associação Casa da Criança). Na imagem de 1908, é possível ver o prédio principal da instituição criada para acolher meninos e meninas que perderam os pais durante as inúmeras epidemias que devastaram grande parte da população nas duas últimas décadas do século XIX. Um pouco mais adiante, destacam-se os imponentes casarões construídos pela Companhia Docas de Santos, destinados a abrigar os engenheiros responsáveis pelas obras do cais, além de receber os diretores da empresa vindos do Rio de Janeiro. Mais à frente, observa-se o antigo escritório central da Companhia Docas. Atualmente, o primeiro casarão visível na imagem abriga o Museu do Porto de Santos.
Outeirinho e Mortona
Ainda no bairro do Macuco, uma curiosa imagem revela parte de um dos antigos Outeirinhos — pequenos morros que existiam na região ao final da atual Avenida Rodrigues Alves. Naquele ponto, a Companhia Docas de Santos estava prestes a concluir o grandioso projeto de aterramento de uma área do canal do porto, que resultaria em um acréscimo de 2.526 metros de cais linear. Esse trecho abrigava oficinas de blocos de pedra e o estaleiro da empresa, conhecido como “Mortona”. As obras foram finalizadas em 1909. Um detalhe interessante é a inscrição “Trecho de entrada” na imagem, provavelmente indicando o ponto de acesso à Mortona e ao futuro cais das Docas. Hoje, essa área é ocupada pela Capitania dos Portos.
Canais de Saturnino
O primeiro canal da cidade de Santos, parte do emblemático projeto liderado pelo renomado engenheiro sanitarista Francisco Rodrigues Saturnino de Brito, foi inaugurado em 27 de agosto de 1907. A cidade, ainda em clima de celebração, experimentava um novo momento estético, visível ao longo da Vila Mathias e no José Menino, onde ficava a Estação de Pré-Condicionamento. Uma das marcas visuais mais impressionantes eram as elegantes pontes que cruzavam as principais vias ao longo do trajeto do Canal 1, como as da Avenida Conselheiro Nébias, Senador Feijó, Braz Cubas, Constituição e Dr. Cochrane. Na época, as calçadas que margeavam os canais eram emolduradas por um delicado toque de verde, com grama cuidadosamente plantada, acrescentando ainda mais charme à paisagem urbana.
Uma segunda foto revela o trecho mais moderno do canal, já além da Avenida Ana Costa, com a cadeia de morros ao fundo, destacando-se a Pedreira do Jabaquara ao centro. Essa pedreira desempenhava um papel importante no fornecimento de rochas para o projeto de aterramento do trecho de Outeirinhos, executado pela Companhia Docas de Santos. As pedras eram extraídas por canteiros, trabalhadores portugueses especializados, e transportadas até a faixa do cais em pequenas locomotivas que corriam de oeste a leste. À direita, o descampado mostrado na imagem corresponde à área onde hoje se encontram diversas edificações, incluindo o Teatro Municipal de Santos. Mais ao longe, em direção à pedreira, seria erguido o prédio da Santa Casa, cuja construção teve início no final da década de 1920.
Entrada da Anna Costa e Hotel Parque Balneário
Em 1908, época do início das operações do bonde elétrico, que marcaria um salto evolutivo para Santos, o bairro do Gonzaga começava a se preparar para se tornar a principal área santista fora do núcleo original da cidade (atual Centro Histórico). Nesse período, a Avenida Ana Costa, que mais tarde superaria a importância da Conselheiro Nébias (antigo “Caminho Novo da Barra”), era ainda em sua maioria de terra batida. No entanto, o calçamento de paralelepípedos de rocha começava a surgir, especialmente ao longo do leito dos trilhos dos bondes, com o objetivo de protegê-los do desgaste acentuado. Na imagem, é possível observar dois pares de trilhos, destinados aos bondes que faziam o percurso de ida e volta entre o Largo do Rosário (atual Praça Ruy Barbosa, no Centro), até o José Menino e a cidade vizinha de São Vicente.
A orla tambémbcomeçava a ser intensamente ocupada por imponentes palacetes e empreendimentos de hospedagem de médio luxo. Além do Hotel Internacional e do Palace (que estava em construção no José Menino), era no Gonzaga que se concentravam as principais casas, como o Parque Balneário. Em sua primeira versão, vista na imagem de 1908, o hotel era administrado por Mademoiselle Elisa Poli e Alberto Fomm, oferecendo na época todas as comodidades de hospedagem. Nesta época, ainda nem aventavam a construção do monumento da Praça da Independência e nem a plantação das palmeiras imperiais que tornariam a Ana Costa, a mais bela das avenidas da cidade santense.
Ponte sobre o Canal 1 na altura da avenida Anna Costa
Entrada do Porto de Santos
Trecho final da Avenida Anna Costa mostrando as primeiras edificações do bairro do Gonzaga