Morte, em 28 de janeiro de 1800, interrompia uma trajetória de grandes estudos sobre a história santista
Se a cidade de Santos e também toda a Baixada Santista podem se dar ao luxo de possuírem centenas de registros históricos do seu mais longinquo passado, muito, ou a maior parte se deveu ao ímpeto de Gaspar Teixeira de Azevedo, conhecido como Frei Gaspar da Madre de Deus.
Nascido em São Vicente, numa fazenda de nome Sannta´Ana, era filho do coronel do Regimento de Ordenanças de Santos e São Vicente, provedor da Real Casa de Fundição de Paranaguá, Domingos Teixeira de Azevedo; e neto do antigo capitão-mor da Capitania de São Vicente (1697-1699), Gaspar Teixeira de Azevedo (de quem herdou o nome), e de Amador Bueno de Ribeira, chamado de “O Aclamado” (1584 — 1649), personagem importante do Brasil Colonial ao ser aclamado rei em São Paulo em 1641 pela população pró-castelhana como reação ao fim da união dinástica entre Portugal e Espanha.
Como se percebe, Frei Gaspar, o segundo filho de seis irmãos, tinha sua origem no seio de uma das mais antigas famílias de povoadores vicentinos, proprietários de terras de cultivo de cana-de-açúcar e de arroz. Com a morte do pai, Gaspar foi criado por sua mãe, Ana de Siqueira e Mendonça, que o encaminhou para uma vida eclesiástica, assim como fizeram com outros dois de seus irmãos. Primeiramente, estudou no Colégio da Companhia de Deus, em Santos.
Em 1731, com 16 anos de idade, postulou uma vaga no noviciado da Ordem de São Bento, e passou a ser chamado de Gaspar da Madre de Deus. Foi noviço na Bahia, onde estudou Filosofia, História e Teologia. À época de sua ordenação (15 de agosto de 1732), já era considerado figura de destaque na própria Ordem. Transferiu-se para o Mosteiro de São Bento na cidade do Rio de Janeiro, onde continuou a ser discípulo do professor doutor frei Antônio de São Bernardo.
Em 1746 foi encarregado, pelo Provincial da Ordem, a defender os direitos do Mosteiro de Santos e a posse do Santuário de Nossa Senhora do Monte Serrat (padroeira de Santos), contestada pelos religiosos da Ordem do Carmo. Para tal fim redigiu a “Dissertação e Explicações”, nas quais revelou profundo conhecimento da história da Capitania.
Registrou as suas notas das aulas de Filosofia em um manuscrito em latim, em dois tomos, intitulado “Philosophia platonica seu rationalem, naturalem et transnaturalem philosophiam sive logicam, physicam et metaphysicam” (1748). No primeiro tomo faz referências a Duns Scot e a Francis Bacon, o que demonstra que o religioso estava a par das críticas à escolástica. No segundo tomo estuda a matéria e as causas consoante a concepção aristotélica do saber.
Em 18 de maio de 1749 defendeu teses de Teologia e História, recebendo o doutorado. Em 1751 foi eleito abade de São Paulo, pelo Capítulo-geral da Ordem, cargo que declinou uma vez que não desejava sair do Rio de Janeiro. Na Bahia foi eleito para a “Academia Brasílica dos Renascidos”, tornando-se o seu membro número 40 (1759).
Em 1762, tendo sido eleito Frei Antônio de São Bernardo para o lugar de abade do Rio de Janeiro, declinou da honra, em favor de Frei Gaspar da Madre de Deus, que então aceitou o encargo, assumindo em 2 de outubro de 1763. Já eram notáveis, nesse tempo, as suas qualidades de orador sacro, pois são citados os sermões que pregou por ocasião do casamento de Maria I de Portugal e do nascimento do príncipe da Beira. Até 1766, durante a sua permanência na Abadia do Rio de Janeiro, fez grandes melhoramentos materiais no edifício do Mosteiro, introduziu modificações no ritual e reorganizou a biblioteca e o arquivo do convento, enriquecendo-os com a magnífica livraria do abade Pena e com preciosos códices e manuscritos.
A 9 de fevereiro de 1766, tomou posse do cargo de abade provincial da Ordem no Brasil, que exerceu até 1769. Em 1769 recusou várias honrarias, tendo se recolhido ao Mosteiro de Santos, encerrando, assim, a sua carreira na administração monástica, para se dedicar com tranquilidade, aos estudos de sua predileção. Ali assumiu o cargo de Comissário Geral Visitador dos Mosteiros da Capitania. Nesse período declinou do convite para assumir a Mitra Madeirense. Em 1780 retornou ao Rio de Janeiro como mestre de noviços. Depois de algum tempo voltou para Santos, onde veio a falecer em 28 de janeiro de 1800.
Seus estudos
Durante a sua permanência no mosteiro de Santos dedicou-se às investigações históricas, gastando o dia “em visitar os arquivos, a coordenar a enorme mésse de documentos trazidos do Rio de Janeiro e da Baía, a traduzilos e comenta-los”. Pesquisou ainda os arquivos e cartórios de São Sebastião, Itanhaém, Iguape, Cananéia e São Paulo, a fim de compor as suas obras históricas.
Nos anos finais de sua vida, Frei Gaspar trabalhou ativamente na composição de sua obra histórica. Em julho de 1784 concluiu a sua “Notícia dos anos em que se descobriu o Brasil”, com referência ao testamento de João Ramalho. Em 1793 já havia concluído os três volumes das “Memórias para a História da Capitania de São Vicente”, que viriam a público em 1797 pela Academia Real das Ciências de Lisboa, da qual era sócio correspondente, e os seus escritos sobre as minas de São Paulo e a expulsão dos jesuitas do colégio de Piratininga. Nessa obra analisa criticamente e se apoia nos escritos de Charlevoix (“História do Paraguai”), Frei Francisco de Santa Maria (“Ano Histórico”), Pero de Magalhães Gandavo (“História da Província Santa Cruz”), Frei Jaboatão (“Crônica da Província de Santo Antônio do Brasil”), Pedro Taques (“Nobiliarquia…”), Rocha Pita (“História da América Portuguesa”), Simão de Vasconcelos, entre outros.