Era 17 de janeiro de 1993, quando o golfinho Flipper, principal atração do Oceanário de São Vicente, partia para a liberdade. Apesar desta ser uma história baseada em solo vicentino, a mesma esteve intimamente ligada a uma geração inteira de santistas, durante os nove anos em que a atração permaneceu no equipamento localizado nas areias da praia do Itararé, próximo à Pedra da Feiticeira.
Em julho de 1967, a cidade de São Vicente permitiu a construção de um equipamento de turismo inusitado nas areias da praia do Itararé, que seria explorado pela iniciativa privada. Com concessão expedida para o empresário Roland Mac Degret, o local passou a exibir ao público alguns animais marinhos que geravam grande curiosidade, sobretudo às crianças: os golfinhos. Com o tempo, o Oceanário, como foi batizado o equipamento, passou a ter também focas e leões marinhos em seu cativeiro, que também eram amestrados e exibidos à criançada. Durante os anos 1970, o local foi a principal atração vicentina, atraindo milhares de pessoas de todo o Brasil e até do exterior. No início, Roland conseguiu manter quatro golfinhos como atração: Tony, Brigit, Suzi e Tojo, mantidos num enorme tanque de água salgada, de 5 metros de altura. A água era constantemente filtrada e temperada, para manter as condições de vida dos animais.
Mesmo sendo uma atração de grande movimento e visibilidade, o Oceanário sofreu diversas denúncias de maus tratos contra os animais que mantinham, sobretudo acerca da metodologia para seu adestramento. Mesmo tendo enfrentado diversos inquéritos, a atração se manteve firme nas areias da praia e era cada ano mais visitada.
A história de Flipper no Oceanário iniciou em 1984, quando o animal foi capturado em Laguna (numa época em que este tipo de atividade ainda não era proibida). Então com dois anos de idade, Flipper, segundo os especialistas, iniciou seu rigoroso treinamento com vistas a entreter os visitantes, fazendo piruetas, saltos ornamentais fora d´água e truques com bolas de borracha. Com o tempo, ficou craque, chegando a saltar até seis metros de altura. Nas suas performances, Flipper jogava futebol com o focinho, passeava de óculos e fingia que salvava uma bonequinha de plástico.
O nome da estrela do Oceanário havia sido inspirado no golfinho que protagonizada uma série famosa da TV norte-americana (veja link para vídeo), sucesso absoluto entre os jovens dos anos 1980.
Assim, em seis anos, Flipper se tornou a maior atração do Oceanário, que mudara de dono, sendo conduzido a partir de junho de 1990 pelo empresário Vicente Mário Castilho. Em 1991, uma ação pública movida pelo químico Márcio Augelli do Tucuxi, do Grupo de Proteção ao Boto, com base na primeira lei de proteção animal do País (a 24.645, de 1934), procurou embargar a atração, exigindo, inclusive a devolução do animal ao mar. O juiz do Tribunal Regional Federal (TRF), Silveira Bueno, no entanto, concedeu liminar ao proprietário de Flipper, mantendo o animal sob a sua guarda, porém decretando o impedimento do mesmo voltar a se apresentar ao público.
O caso ganhou repercussão internacional, a ponto de, em 1992, a organização “World Society for the Protection of Animals” (WSPA), também ingressar na Justiça brasileira para exigir a soltura de Flipper ao mar. Assumindo perante o juiz a incumbência de cuidar do processo de reabilitação do animal, a entidade recebeu o sinal verde do TRF. Um de seus membros, Richard Barry O’Feldman (Ric O´Barry), ex-treinador de golfinhos (foi ele quem treinou todos os animais que participaram do seriado “Flipper” na TV norte-americana), ficou encarregado da tarefa. A ideia era ficar um mês no Oceanário, até que fosse preparada a área, no município de Laguna SC (no local onde fora capturado em 1984), onde se daria a readaptação.
A despedida de Flipper em 17 de janeiro de 1993
Quase quatro mil pessoas se aglomeravam na areia da praia do Itararé, junto ao Oceanário de São Vicente, para a despedida de um de seus maiores personagens. Um helicóptero Sikorski pousou ao lado do equipamento, com o material necessário para o transporte de Flipper para o litoral de Santa Catarina. O embarque foi tumultuado. A caixa especial utilizada para transportar o golfinho teve que ser serrada para poder passar pela porta da aeronave. O animal, no entanto, não sofreu. Estava sedado e nada sentiu durante o processo. Mais de 20 pessoas trabalharam na operação, que durou mais de duas horas. Às 13h40, o helicóptero levantou voo, partindo com o xodó das crianças santistas, que choravam num misto de saudade e alegria, por saber que o grande amigo voltava para sua verdadeira casa.
Readaptado, retorno e desaparecimento
Flipper passou três meses em uma área cercada no mar de Laguna, até que foi libertado em março de 1993, em espetáculo televisionado por emissoras estrangeiras, como a Fox e National Geographic. Depois de nadar ao lado de seu treinador por cerca de meia hora, Flipper ganhou o mar.
Porém, como muitos especialistas defendiam, a volta do golfinho de São Vicente ao mar, não foi tão boa assim. Depois de poucos dias, Flipper, que era monitorado pelos biólogos da WSPA, migrou lentamente e solitário (contra a natureza de sua espécie) para o norte, até que atingiu as águas da Praia Grande. Foi avistado muito machucado, exibindo cicatrizes formadas, muito provavelmente, pelos membros de sua própria espécie, que recusaram-no no bando. A última vez que foi avistado foi em 1995. Talvez não tenha mais resistido a tanta rejeição.
A partir da história de Flipper, o Brasil nunca mais permitiu a realização de shows com golfinhos.