A hoje chamada Zona Leste de Santos, que compreende todos os bairros e localidades desde a Vila Mathias até o José Menino e, de lá, até a Ponta da Praia, já pertenceu, por escritura, a uma só pessoa, o capitão Francisco Cardoso de Menezes e Souza que, em 1760, adquiriu a gigantesca gleba num leilão público, compra esta, aliás, que o tornou o maior latifundiário da história santista.
Em meio às suas posses, compostas por pequenos morros, rios, várzeas, charcos e praias, havia uma pequena ilha, a qual chamavam Urubuqueçaba, ou o “Pouso dos Urubus”, traduzido da língua tupi. O lugar nada mais era do que um mero “calombo” coberto de vegetação atlântica que pouca gente dava importância. Francisco era um deles.
Filho do então capitão-mor Luis Cardoso de Menezes e Souza, Francisco não era muito afeito a investir em suas terras. Por outro lado, era um exímio produtor de herdeiros. Apesar de aleijado de ambas as mãos, chegou a ser pai por doze vezes, todos em comunhão com dona Ana Maria das Neves, que era filha de Gaspar da Rocha Pereira, um dos juízes de fora da Vila de Santos.
ILHA É COMPRADA POR JOSÉ MENINO
Quando Francisco faleceu, em 1799, aos 76 anos de idade, dona Ana e parte de sua prole resolveram passar as terras à frente, divindindo-as em lotes. A parte onde estava a Ilha Urubuqueçaba, que ficou no pedaço que ia da atual avenida Conselheiro Nébias até a divisa com São Vicente, acabou adquirida por José Honório Bueno, um sujeito grande e forte que, ironicamente, era chamado de “José Menino” pelos amigos gozadores. Mas Honório gostou tanto do apelido, que acabou batizando o sítio que dominava a banda leste das antigas terras do capitão Francisco Souza, como Sítio do José Menino.
O novo proprietário daquelas terras vivia numa “casa velha, coberta de palha, rodeada de laranjeiras, limoeiros e limeiras”, como descreveu o historiador santista Costa e Silva Sobrinho, a respeito do sitiante, que também criava gado da raça vacum e comercializava seu leite na vila. De perfil tranquilo e bastante tímido, José Menino demorou muito a casar e, quando o fez, arrumou a maior encrenca com a própria família. Sua noiva, Gertrudes Maria Madalena, não reputava de boa fama na vila santista, o que obrigou Honório a casar-se às escondidas, em 1817, na Igreja da Penha, em São Paulo. O casamento, porém, e para deleite dos contrários, não durou muito. Em 1827, Gertrudes e Honório brigaram e se separaram. Cada um foi tocar a sua própria vida, mas a moça não saiu com as mãos abanando. Na partilha de bens, Gertrudres ficou com parte das terras do ex-marido, justamente a que englobava a Ilha Urubuqueçaba.
Porém, em 1844, por ironia do destino, Gestrudes veio a falecer. Sem herdeiros, as áreas obtidas no processo de separação voltariam, em 1853, ao dono original, José Menino, que naquela altura já havia se casado novamente, desta vez com uma mulher cinquenta anos mais nova do que ele.
Após curtir bastante a vida, José Honório faleceu, aos 88 anos de idade, deixando suas propriedades aos três filhos gerados no segundo matrimônio. Mas, estes contraíram muitas dívidas, principalmente em taxas públicas. Por conta disso, as terras de José Menino acabaram dadas a inventário e leiloadas, em 1855.
URUBUQUEÇABA VIRARIA PONTE PARA ATRACAÇÃO DE EMBARCAÇÕES
Arremataram-nas os senhores Manuel Lourenço da Rocha e Joaquim Gaspar Ladeira. A ilha acabou ficando sob a posse do primeiro, que mal pode comemorar a aquisição, já que, algum tempo depois, foi declarado falido na cidade de Santos e teve seus bens arrecadados.
Em 24 de abril de 1888, o empresário do ramo portuário, Rodolfo Wanschaffe, adquiriu a massa falida de Manuel Rocha e, com ela, a posse da ilha Urubuqueçaba. Wanschaffe, que explorava uma ponte de embarque defronte ao Largo 11 de Junho (atual Praça Azevedo Júnior – na direção da Bolsa do Café), foi o mentor de uma ideia mirabolante para a ilha. Queria ele mandar construir duas pontes no local: uma para embarque de passageiros e outra ligando a ilha com a praia.
JULIO CONCEIÇÃO E O SANATÓRIO
Apesar de bem intencionado, o plano encontrou inúmeras dificuldades de natureza jurídica, o que levou Wanschaffe a desistir do projeto. Desanimado com a situação, resolveu vender a ilha, juntamente com uma chácara que tinha nas proximidades da Conselheiro Nébias com a praia, em 7 de janeiro de 1891, para o ilustre santista Júlio Conceição, o último presidente da Câmara de Santos no período imperial (1889).
O jovem político, também comerciante do café, industrial e grande proprietário de terras produtivas, preocupado com a situação de Santos em relação às epidemias, em especial da tuberculose, resolveu oferecer à municipalidade um projeto para a construção, na ilha, de um sanatório para o tratamento de tuberculosos, mas o projeto, que chegou a ser desenhado, também não vingou.
A empresa que Júlio Conceição criou para administrar suas terras quebrou ainda no final do século XIX e toda a sua massa falida foi adquirida pela “Economizadora Santista”. Em 1922 a propriedade foi novamente negociada, desta vez para o empresário Armando Arruda Pereira que, por sua vez, vendeu-a para José Avelino da Silva, em 1927.
PROJETO OUSADO PARA A ILHA
José Avelino era um conceituado elemento da sociedade paulista, além de fazendeiro e investidor. Apesar de residir em São Paulo, mantinha diversos negócios em Santos. Quando obteve o aforamento (posse plena) da ilha e de algumas áreas do entorno, o empresário pediu e foi atendido com a isenção de impostos, por parte da Câmara Municipal, desde que investisse em obras de embelezamento e manutenção daquele trecho de praia. E foi o que fez, ou melhor, tentou fazer. No início da década de 1940, José Avelino apresentou à sociedade santista um projeto pra lá de ousado. Um imenso complexo balneário que, fosse feito, daria um aspecto de primeiro mundo à praia do José Menino. As obras estavam estimadas em Cr$ 250 milhões (de Cruzeiros), algo em torno hoje de R$ 300 milhões (Reais).
Porém, mais uma vez, o projeto não decolou. José Avelino faleceu e seus herdeiros, sem interesse pelas propriedades de Santos, negociaram a ilha com o empresário Claudio Peres Castanho Doneux.
URUBUQUEÇABA E A CONCHA ACÚSTICA GIGANTE
Da mesma forma que seu antecessor, Doneux, experiente profissional do setor de construção, também colocou à mesa um megaprojeto para a ocupação da Urubuqueçaba. Porém, sua proposta incluía tão somente a ilha, já que os terrenos da faixa de praia do José Menino já começavam a ser ocupados pelos prédios que até hoje lá estão.
O projeto de Doneux, executado nos anos 60, fazia da ilha Urubuqueçaba uma base para a sustentação de seis edifícios, com mais de 15 andares cada um. Era um verdadeiro condomínio sobre as ondas. No centro da ilha haveria ainda um hotel. O acesso se daria por uma ponte com 150 metros de vão livre. O complexo ainda teria, na parte da praia, um imenso boulevard onde seria construída uma concha acústica ultramoderna, para mais de 7 mil pessoas e outros equipamentos de lazer, dentro de uma praça arborizada.
Apesar deste projeto, também, naufragar, Doneux manteve a ilha no seu patrimônio pessoal, situação sustentada até os dias de hoje. O empresário santista faleceu nos anos 70. Por muito tempo a ilha continuou como alvo de especulações, mas ninguém conseguiu despejar os urubus de sua morada e a natureza segue viva na orla santista. Sorte a de todos os santistas.