Patrono do bairro praiano, José Honório Bueno casou-se duas vezes, com mulheres categoricamente distintas
Santos, 10 de maio de 1817. A charrete trafegava lentamente através do velho caminho de terra batida às margens do morro do Embaré. Mas isso não era um problema para o apaixonado casal José Honório Bueno e Gertrudes Maria Madalena. Ambos acabavam de escrever novas linhas nas suas histórias de amor proibido. Ele, cinquentão, ourives de habilidades invejáveis (era conhecido em Santos por produzir, com imensa perfeição, rosários de ouro, medalhas, relicários e outros artefatos de pedras preciosas) e ela, uma “senhorita” com pouco mais de quarenta e cinco primaveras passadas, e, à boca miúda, vividas de forma pouco ortodoxas para os conceitos da retrógrada sociedade santense da época, haviam se casado às escondidas na capital bandeirante, bem distante dos olhares repreensivos da tradicional família do noivo. Os pombinhos rumaram para o seu paraíso particular, situado às bordas da praia da Barra, onde passariam a viver, e onde pretendiam envelhecer juntos, numa pequena casa feita de paredes de massa de taipa e telhado de palha, devidamente rodeada por laranjeiras, limoeiros e limeiras, as quais exploravam como ganha-pão, juntamente com o leite extraído de algumas cabeças de gado vacum, que era vendido na vila por bom preço.
Aquele era o enredo, e cenário, perfeito para a vida planejada pelo homenzarrão que todos conheciam como José Menino, alcunha satírica que divergia de sua verdadeira imagem. Honório Bueno era dono de estatura e corpo que de longe lembravam a figura de um menino. Mas o povo santense, trocista que era, o apelidara de tal forma, e ele, o José Menino, bem que gostava.
A história do homem que daria seu nome a uma das regiões mais icônicas da terra santista começou no longínquo ano de 1766, nascido filho de Bernardo Bueno de Araújo e Ana Francisco Fernandes, ambos naturais da terra santense. Aprendera ainda na juventude, com o pai, a lida da ourivesaria, se destacando na vila com a produção de peças para as igrejas e às famílias abastadas. Viveu por bastante tempo na vetusta área urbana, que ocupava o pedaço de chão entre o Valongo e a região dos Quartéis, próximo ao Outeiro de Santa Catarina. Com o dinheiro que amealhou durante anos de trabalho, resolveu emancipar-se de vez, adquirindo parte das terras do capitão Francisco Cardoso de Menezes e Souza, um dos maiores latifundiários da história de Santos (ele era dono de praticamente toda a área hoje chamada Zona Leste, da atual Vila Nova até a Ponta da Praia e, de lá, até o José Menino, margeando todos os morros da cidade). Essa compra fora realizada por volta de 1800, junto à viúva de Souza, Ana Maria das Neves.
Honório Bueno tomou posse, assim, de uma enorme gleba de terra, que compreendia o chão entre a atual avenida Conselheiro Nébias até a divisa com São Vicente e, na direção da Vila, até as proximidades do Jabaquara. A esta enorme propriedade, em referência ao apelido que ganhara dos santistas, ele chamou de “Sítio do José Menino”.
Foi ali que começou a plantar os mais variados tipos de frutas, em especial as cítricas, como laranjas e limões, dos mais variados tipos. Também investia em gado de leite, possuindo várias cabeças de vacum que produziam o precioso alimento consumido pela população. José Menino era um empreendedor nato e isso começou a chamar a atenção das donzelas da vila, desejosas por um bom casamento. De perfil tranquilo e bastante tímido, não era frequentador contumaz das festas e outras reuniões sociais e religiosas promovidas na vila santista. Essa vida isolada dificultava o estabelecimento de relações sólidas com as mulheres de “boa estirpe”. Tal condição fora um prato cheio para as investidas de Gertrudes Maria Madalena (n. 1771), uma solteirona que não gozava de boa fama, tal qual à personagem bíblica cujo nome carregava. O seu relacionamento era criticado pelas cinco irmãs de Bueno (ele era o único homem de uma prole de seis), que viviam alertando José Menino ao perigo que levava para casa. Porém, a paixão era tanta que ele decidiu encarar a situação e se casar bem longe dos olhares reprovadores da família. Uniu laços na Igreja da Penha, em São Paulo, perante o vigário José Rodrigues Coelho, tendo como testemunhas o padre Joaquim Monteiro da Silva Buri e André Alves Borges.
Mas quis o destino, ao final, provar que as irmãs de Bueno não estavam tão equivocadas. Dez anos depois, em 18 de dezembro de 1827, José Menino e Gertrudes romperiam o matrimônio diante de um escândalo abafado. No diz-que-diz pelas ruas da vila, o que corria era que o casal fora amaldiçoado pela família do noivo, a ponto de eles não poderem gerar herdeiros (de fato, Maria Madalena faleceria em 1844, sem ter tido nenhum filho) e que isso teria arrefecido o amor de ambos, a ponto da esposa procurar nos braços de outro homem o alento diante de uma vida amargurada.
Assim, cada qual foi tocar sua própria vida, mas Gertrudes não saíra de mãos abanando, conseguindo tomar do ex-marido uma boa parte das terras de seu sítio, incluindo a parte que agregava a famosa Ilha Urubuqueçaba. Porém, essa gleba voltaria para as mãos de Honório Bueno justamente pela falta de herdeiros da antiga esposa.
José Menino ficou irrequieto depois da separação e passou a frequentar alguns eventos na vila, onde, em 1830, acabaria por conhecer uma jovem cinquenta anos mais nova do que ele (ela tinha 16 anos de idade). Mais uma vez “flechado pelo Cupido”, Bueno decidiu se unir a Porcina Maria dos Anjos, com quem tivera três filhos, todos homens (José Honório Bueno – que foi despachante na Alfândega de Santos – João José Bueno e Carlos Honório Bueno).
Já bem idoso, e decrépito, como escreveria o memorialista Costa e Silva Sobrinho, no dia 9 de outubro de 1854, aos 88 anos de idade, o nosso José Menino, de tantos amores inusitados, se despedia da vida terrena, deixando como legado a sua divertida alcunha a um dos bairros mais tradicionais e belos da terra santense.