Ao longo de sua história, Santos foi berço e terra de talentosos artistas das artes plásticas, como Frei Jesuíno do Monte Carmelo (1764-1819), considerado um dos expoentes do barroco colonial; Benedito Calixto (1853-1927), a maior referência em iconografia histórica da região; Mimi Alfaya (1879-1913); Guiomar Fagundes (1896-1975); Gentil Garcez (1903-1992); Mário Gruber (1927-2011) e Armando Sendin (1928/2020). Entretanto, diga-se de passagem, a relação é bem mais longa (o Memória Santista ainda pretende produzir um artigo mais completo sobre esse assunto). Os citados desta lista, especificamente, dimensionaram suas carreiras para a atividade da pintura, fossem nas igrejas (tetos, retábulos, paredes), em telas a óleo, aquarelas, azulejos, madeira ou cerâmicas.
Por outro lado, há um time de artistas que optou trocar o pincel e a paleta de tintas por outros tipos de instrumentos (lápis, crayon, canetas, sprays e até o meio digital) focando suas carreiras no segmento da ilustração. E, entre esse outro grupo de craques, figuram profissionais de alto gabarito como J.C.Lobo (José Carlos Lobo), Dino (Accindino Souza Andrade), Rica (Ricardo Campos Mota), Seri (Sergio Ribeiro Lemos), Da Costa (Osvaldo Da Costa), Padron (Marcelo Padron) e Ponciano (Alex Ponciano). Entre ele queremos, neste artigo, destacar a figura de Lauro Ribeiro da Silva, que ficou conhecido como Ribs, mantendo assim sua assinatura.
Considerado um dos mais talentosos profissionais da técnica “Bico de Pena”, Ribs teve uma vida turbulenta, de altos e baixos, como tantos outros artistas ao longo da história da humanidade. No final de sua trajetória, passou por maus bocados, chegando a viver “de favor” no prédio do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, antes de morrer esquecido na Santa Casa e ser quase enterrado como indigente, aos 72 anos de idade, no dia 2 de setembro de 1984.
Lauro nasceu em Santos, em 20 de junho de 1912, e deu seus primeiros passos no mundo das artes aos seis anos de idade, impressionando professores por conta de sua habilidade com os lápis. Na juventude foi esportista. Conforme narrado pelo Almanaque Esportivo de Santos, de Gilmar Domingos de Oliveira, Ribs destacou-se na natação, fazendo parte do time principal de polo aquático do Clube Internacional de Regatas, competindo ao lado de grandes nome da modalidade, como Álvaro Rocha, Licurgo Toledo, Aboré Lisboa, René Almeida e Cassiano Netto, pioneiros do polo quando o clube era considerado o “Gigante do Itapema” e os jogos e treinos eram praticados no mar.
Apesar da atividade esportiva, Lauro jamais deixou de praticar sua arte do coração, especializando-se na técnica do Bico de Pena, largamente utilizada pela imprensa desde meados do Século 19, por ser a forma mais eficiente para ilustrar artigos e reportagens. Dominar tal técnica era a estratégia que Ribs concebeu para obter boas propostas de trabalhos nos jornais e revistas da cidade, bem como em todo o setor gráfico.
No início dos anos 1940, Lauro obteve algumas oportunidades no jornal A Tribuna, onde acabou estabelecendo vínculo com alguns jornalistas que viriam a se tornar amigos e parceiros de projetos, como Olao Rodrigues e seus famosos Almanaques de Santos, editados a partir dos anos 1960. Ribs era basicamente o que chamamos de “freelance” e se virava como podia em trabalhos que se alternavam entre o setor editorial e o mercado publicitário, onde produzia peças para revistas, folhetos e jornais. Vários de seus trabalhos chegaram a estampar as capas de A Tribuna e do “O Diário”.
Em 1953, Ribs encarou um de seus maiores desafios. Ilustrar o livro “Santos Noutros Tempos”, do historiador Costa e Silva Sobrinho. Das 47 ilustrações da obra, 44 foram executadas por Lauro, em bico de pena. O artista era definitivamente um exímio caçador de imagens antigas, as quais transformava em arte. Sua maior fonte era ao acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, entidade presidida pelo amigo Costa e Silva. Fora lá que ele tivera acesso aos negativos de vidro da coleção do fotógrafo José Marques Pereira, fonte de inspiração para muitas de suas obras. Outra referência importante para Ribs eram os quadros de Benedicto Calixto, chegando a reproduzir vários deles para compor obras literárias de Costa e Silva Sobrinho e Olao Rodrigues, inclusive de suas colunas no jornal A Tribuna – “Santos Noutros Tempos” e “Nos Tempos de Nossos Avós”.
Ribs era tido como uma pessoa reclusa, um “sinônimo de talento e modéstia”, como escreveram sobre ele na revista comemorativa aos 80 anos da Sociedade Humanitária (1959). Em tal publicação, além da capa, Ribs emplacou outras nove obras com a sua assinatura.
Sem esposa, filhos ou parentes próximos, Lauro Ribeiro envelheceu sozinho e, não tendo constituído patrimônio, apesar da qualidade de sua arte, enfrentou dificuldades para se manter. No início dos anos 1980, ele pediu para morar nas dependências do último andar do prédio do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, uma das suas casas de pesquisa mais queridas. Em 2 de setembro de 1984, após um curto período de internação, ele veio a falecer na Santa Casa de Misericórdia, após ter sofrido um infarto do miocárdio, aos 72 anos de idade.
Sua morte não foi noticiada nos jornais que tanto ajudou a ilustrar e acabou passando desapercebida por quase todo mundo. Nem os poucos amigos que manteve foram avisados e, por pouco, não fora enterrado como indigente.
Seis anos depois, em 1990, a então prefeita Telma de Souza promulgou um decreto em que perpetuava a “carneira” para onde os restos mortais do emérito ilustrador santista foram transferidos, e estão até hoje, totalmente esquecidos.
Suas obras originais, que deveriam ter sido doadas ao Instituto Histórico e Geográfico, desejo manifestado por ele diversas vezes, nunca foram encontradas. Os seus rastros, assim, tinham tudo para sumirem do mapa, mas permaneceram para a posteridade e sempre serão lembrados por iniciativas como a do Memória Santista e tantas outras, que valorizam a competência dessas grandes figuras do nosso passado.