Luiz e Franco Bezzi, duas lendas do motociclismo santista

Fotografia de Franco Bezzi Neto, levada por uma moradora da Praia Grande até a Fundação Arquivo e Memória de Santos.

Dias desses, duas fotos chegaram-me às mãos, levadas por uma moradora da Praia Grande. Elas estavam no meio de uma pilha enorme de outras imagens que a mulher desejava doar para a Fundação Arquivo e Memória de Santos. Ambas as fotografias estavam parcialmente rasgadas mas, ainda assim, foram as que mais me chamaram a atenção, mesmo diante de outras imagens intactas.

Dois detalhes me entusiasmaram naquele momento: o fato de as fotos terem sido produzidas pelo renomado fotógrafo santista dos anos 30/40/50, Pedro Peressin, o “Barbado”, identificadas pela assinatura do mesmo na borda; e pelo personagem retratado: Franco Bezzi Neto, santista bicampeão brasileiro de motociclismo (51 e 52) e recordista da Subida da Serra do Mar. Franco era filho de Luiz Bezzi, uma lenda do esporte no país, campeão brasileiro por sete vezes (37, 39, 52, 54, 56 e 59), e detentor de outros diversos títulos, muitos deles disputados contra o próprio filho (Franco).

Entusiasmado com o achado fotográfico, decidi, então, pesquisar um pouco sobre Franco Bezzi Neto e me deparei a um estudo sensacional sobre o tema, contendo várias fotos, no site Motostory (www.motostory.com.br), projeto comandado pelo hábil pesquisador do motociclismo nacional Carlãozinho Coachman, cujo texto serviu de inspiração para este artigo.

Origem dos Bezzi, pai e filho

O maior nome da história do motociclismo santista, Luiz Bezzi, nasceu em 1º de março de 1907, filho de Terezinha e Franco Bezzi. O pai era dono de uma oficina de bicicletas situada à R. Martim Afonso, no Centro de Santos. Luiz, ainda pequeno, ganhou do pai um velocípede. Desde então se estabeleu uma relação de amor entre o menino e o ciclismo. Na adolescência, o jovem Bezzi deu seus primeiros passos na vida competitiva e chegou a conquistar o Campeonato Santista de Velocidade e a Travessia Santos-Mongaguá.

Luiz Bezzi (Moto 1) e seu filho, Franco (Moto 2). Parceiros e adversários, os dois fizeram parte da história do motociclismo nacional. Foto Acervo Familia Bezzi / Motostory

Em 1926, contando com 19 anos de idade, Bezzi debutou no motociclismo, esporte que o arrebataria para sempre. Usando uma Harley-Davidson de 1200 cc, participou de uma prova ao lado de Antonio Lage, considerado o primeiro grande nome do esporte no Brasil; e Constante Ceccarelli, outra lenda entre os pioneiros do motociclismo. Foram necessários nove anos de aprendizados e experiências para moldar o campeão Bezzi, que venceu sua primeira prova em 1935, no circuito do Alto da Lapa, capital paulista. O santista venceria outras vezes esta mesma prova, o que lhe conferiu a posse do troféu Real Cônsul da Itália, em 1947.

Depois de ter vencido em 1935, Bezzi não parou mais e passou a colecionar títulos, tornando-se um piloto temido, o homem a ser batido. Foi campeão brasileiro em 1937, 39, 52, 54, 56 e 59;  paulista em 1939, 40 e 47, e de diversos outros estaduais, como  em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná. Ao todo, em três décadas dedicadas ao esporte de maneira competitiva, levou pra casa nada menos do que 140 troféus.

Por conta das inúmeras vitórias no campeonato nacional, Santos ficou conhecida como a “Capital do Motociclismo Brasileiro”.

Santos Moto Clube

Antes mesmo de iniciar sua vitoriosa caminhada pelos circuitos nacionais, Luiz Bezzi fundara, em 29 de dezembro de 1933,o Santos Moto Clube, que seria uma peça de importância fundamental para o desenvolvimento do esporte entre os santistas. A história do motociclismo no Brasil ainda era relativamente nova. O esporte se organizara no país nos primeiros anos do século 20, e a formação de clubes se tornou essencial para a difusão da prática.

Carteirinha de Luiz Bezzi do Moto Club do Brasil, em 1936 – Foto Motostory / Reprodução

Franco, o filho prodígio

Foi em meio a um grupo de entusiastas que surgia para o motociclismo nacional o segundo dos Bezzi, Franco, filho de Luiz.

Franco Bezzi Neto nasceu em Santos, no dia 8 de maio de 1927. 

Tal qual o pai, também começou cedo no ciclismo, em 1936, aos 9 anos. E, à exemplo do patriarca da família, forjou-se um verdadeiro vencedor, em todas as classes infantis, até chegar à principal categoria ainda com 15 anos.

Em 1943, o pequeno Franco migra para o motociclismo, para orgulho do pai. Estreiou dois anos depois, aos 18 de idade, ainda mais jovem do que Luiz. A prova que o debutou para o esporte motorizado aconteceu em Santos, numa competição que homenageava as Forças Expedicionárias Brasileiras, recém retornadas da II Guerra Mundial (1945).

Porém, um grave acidente o afastou das pistas ainda neste início de carreira. Franco ficou um ano de molho em função das fraturas que sofrera (crânio, braço e nas pernas). Foi com o apoio do Santos Moto Clube e de alguns médicos amigos que conseguiu se recuperar e voltar às competições, amealhando algumas conquistas importantes, como um bicameponato brasileiro (51 e 52) e um vice em 53. Mas fora nas provas de subida da Serra do Mar que se notabilizou, como bicampeão do circuito e o recorde da prova, nunca batido por qualquer adversário. Venceu, ao longo da carreira, outras provas importantes, como a Taça Brasil, Circuito do Maracanã – Rio de Janeiro; 24 Horas de Interlagos Cat 500 cc Internacional; Prêmio Cidade de Joinville (Bi-Campeão) e Prêmio Cidade de Blumenau. 

Legado de uma família campeã

Luiz e Franco Bezzi foram duas personalidades importantes do mundo do motociclismo nacional.  Ambos influenciaram várias gerações de pilotos e até mesmo de comerciantes do ramo (importante dizer que Luiz Bezzi foi um dos primeiros revendedores Yamaha no Brasil, com grande representatividade para o negócio de motocicleta, uma referencia nacional).

Nomes como os dos irmãos Gualtiero e de Paolo Tognocchi são exemplos da influencia dos motociclistas santistas.

O grande Luiz Bezzi faleceu em Santos num dia de Natal, 25 de dezembro de 1991, aos 84 anos de idade.

Homenagem Motostory realizada em dezembro de 2017 a Franco Bezzi Neto, no LM09. A moto da imagem, uma Norton Manx, foi gentilmente emprestada pela colecionadora Renata Oliva. – Foto Wel Calândria / CRB / Motostory

Motostory

No final de 2017, o produtor do canal Motostory (referência na história deste esporte), Carlãozinho Coachman, iniciou uma produção audiovisual com o objetivo de contar a vida da família Bezzi. Franco, então com 90 anos de idade chegou a ser homenageado e entrevistado pelo programa. Na época, o espaço de eventos LM09, de São Paulo, foi utilizado como palco para uma grande mostra em homenagem a Franco e seu pai. 

A idade, 90 anos, estava cobrando seu preço, mas uma disposição de ferro, uma memória implacável e uma vontade de rever amigos o trouxe de Santos junto com a esposa e seus familiares. Mais uma noite daquelas para se guardar na memória. Franco pode nos contar suas lembranças, falar de suas conquistas e das do pai, e reencontrar sua Norton Manx da década de 50, moto com a qual venceu competições no Brasil e no exterior, e bateu recordes. Ainda é seu o recorde da Subida da Serra de Santos… subida aquela, que hoje virou um parque fechado e que muitos que a conheceram chamam de Serra Velha’, escreveu Carlãozinho em seu blog Motostory (www.motostory.com.br).

No ano seguinte, em fevereiro, a produtora celebrou parceria com a  Oi Nêga Content e a Pix Haus, para gravar um documentário sobre a história dos Bezzi, mas todos foram tomados de surpresa. Franco falecer alguns dias antes. A frustração que ficou foi enorme. “Não podeiamos deixar de ir Santos mais uma vez para gravar os Bezzi, na mesma oficina em que “Seu Luiz” e o filho Franco fizeram história, onde os ainda crianças e amigos Luiz Bezzi Pasquareli e Reinaldo Campos (hoje chefe da equipe Honda de Motovelocidade) colocaram as mãos na graxa pela primeira vez”, diria Carlãzinho. “Uma pena e uma perda enorme para o Motostory e para todo o motociclismo brasileiro”, lamentou.

A segunda foto doada à Fundação Arquivo e Memória de Santos, mostra Franco Bezzi ovacionado pelo público, em mais uma prova. 
Franco Bezzi Neto durante uma prova da subida da Serra do Mar, com sua Norton Manx. Seu recorde de tempo nunca foi batido. – Foto Acervo Familia Bezzi / Motostory
O pequeno Franco Bezzi com sua bicicleta, com cerca de sete anos de idade. Foto acervo Familia Bezzi / Motostory
Franco Bezzi Neto fotografado nas ruas de Santos na década de 1950 com sua belíssima e vitoriosa Norton Manx (14) – Foto Acervo Familia Bezzi / Motostory
Luiz Bezzi no período em que se dedicava ao ciclismo – Foto Acervo Familia Bezzi / Motostory