Segundo monumento mais antigo da história santista, foi totalmente produzido na Itália. Hoje é praticamente um “ilustre desconhecido” no meio da paisagem urbana de Santos
Santos, 11 de janeiro de 1914. A cidade estava em festa, ou melhor dizendo, quase toda a cidade. Na tarde daquele domingo de sol, os santistas finalmente contemplariam a obra de arte que perpetuaria a imagem do grande tribuno e mavioso poeta santense, Joaquim Xavier da Silveira, inaugurada solenemente no centro do novo Largo do Rosário. Justíssima homenagem para uns, injusta pelo prisma de outros, não pela importância e significância do grande santista, que tantos bons exemplos deixou para a posteridade, como fora o caso de Xavier da Silveira. Mas, pelo fato de que, sendo a segunda estátua da história da cidade (a de Brás Cubas, fundador de Santos, havia sido, de forma justíssima, a primeira a ser erigida, em 1908, na Praça da República), outros vultos de maior “envergadura” poderiam gozar deste privilégio, como os ilustres santistas José Bonifácio de Andrada e Silva e o padre Bartolomeu Lourenço de Gusmão, cujo monumento já estava em produção, mas ainda longe de ser concluído. Tal discurso estava bastante presente nos editoriais e artigos publicados na imprensa durante a semana, mas nada apagou o brilho da festa que se fez no Largo do Rosário.
O monumento havia sido encomendado pela Câmara Municipal junto ao artista italiano Lorenzo Massa, o mesmo escultor que fizera o magnífico trabalho de Braz Cubas seis anos antes (a obra foi produzida no atelier de Massa, em Gênova, e veio pra Santos de navio). Só que, ao contrário da obra em homenagem ao fundador da vila santense, uma estátua de corpo inteiro feita em mármore, a de Xavier da Silveira era tão somente uma herma de bronze, disposta em cima de um pedestal de granito polido, finamente trabalhado. Para completar a peça artística, Massa adornou a obra com uma estátua da Deusa Greta “Erato”, musa da poesia lírica, que era, afinal, a especialidade literária do ilustre santista. Na coluna central, feita de mármore, estavam inscritas em pequenas letras de bronze, as informações: “Orador, poeta, jornalista e advogado. Amou denodadamente a terra do seu berço, que serviu e honrou” – “7-x-1840 30-VII-1874 Voou pelas alturas do infinito onde passa ridente o Rei da Luz” – “À memória do filho amado, Santos mandou erguer este monumento – 1913”.
A opção pelo Largo do Rosário se deu pelo momento da cidade e pela importância do endereço, um dos mais movimentados de Santos, ponto de várias linhas de transporte de bondes e onde estavam situadas a agência central dos Correios e a igreja Matriz provisória (Igreja do Rosário, uma vez que a antiga Matriz havia sido demolida e a nova estavam em lento processo de construção, na Praça José Bonifácio). Durante a festa de inauguração, iniciada às 15 horas, parentes do homenageado se fizeram presentes. O orador oficial fora Arthur Porchat de Assis, líder da Associação Pró-Monumento a Xavier da Silveira, criado para esta finalidade, que assim pontuou em seu discurso: “A alma do povo santista é grande demais para saber pagar toda a gratidão que deve a seus homens ilustres”. Tocaram na festa as bandas do Escholástica Rosa e do Corpo de Bombeiros. O Largo estava totalmente iluminado por obra da The City of Santos (concessionária de iluminação pública e energia elétrica).
O representante da municipalidade, Delphin Stockler de Lima, fez uso da palavra em seguida. Já em nome da família, discursou Ricardo Xavier da Silveira. Foram montados coretos para as bandas e uma arquibancada para abrigar os convidados. O Largo do Rosário, em toda a sua extensão, encontrava-se repleto de pessoas do povo. A festa durou para além das 21 horas, animada com as apresentações das bandas de música. Aquele foi um acontecimento marcante na história da cidade.
Monumento troca de casa e vai morar na Praça Mauá
O monumento de Joaquim Xavier da Silveira se manteve no local, entretanto, por menos de dez anos. Em 1921, a municipalidade decidiu dar uma satisfação aos críticos que continuavam a clamar pela produção de obras urbana dedicadas ao padre Bartolomeu de Gusmão e a José Bonifácio. Com a aproximação do Centenário da Independência do Brasil, o Patriarca seria contemplado com um majestoso monumento que viria a ser instalado no praiano bairro do Gonzaga (no local que batizariam como Praça da Independência). Já o “padre voador”, cuja estátua estava sendo produzida desde 1909, também pelo italiano Lorenzo Massa, a ideia era colocá-lo no lugar escolhido quando da contratação do escultor pelo comendador Alfaya Rodrigues. O problema é que este local era justamente o centro do Largo do Rosário, onde foi instalada a herma de Xavier da Silveira.
Para muitos, a comissão que planejou a homenagem ao tribuno e poeta não foi ética ao escolher o espaço público para sua instalação. Diversos vereadores cobraram uma posição da Mesa Diretora da Câmara e do próprio prefeito. Quando finalmente o imbróglio envolvendo a obra de Gusmão foi resolvido, todos os implicados no projeto defendiam que fosse levado a cabo a proposta original. Assim, quem deveria ficar no Largo do Rosário era o padre Bartolomeu. Xavier deveria ser “despejado”.
A municipalidade se viu numa “saia justa” com a situação. Era preciso encontrar, enfim, um lugar à altura do ilustre homenageado em outra praça ou local de grande visibilidade. Foi então que o comendador Alfaya Rodrigues, sempre ele, sugeriu a Praça Mauá como o novo lar para Xavier da Silveira. Ninguém resistiu à ideia. Decisão tomada, em julho de 1922, a Prefeitura empreendeu à tarefa da retirada cuidadosa da herma e da base do monumento, transportando-o para seu novo lar.
Nova mudança, para bem longe, na Praça Fernandes Pacheco
Xavier da Silveira bem que estava tranquilo em seu novo pedaço, mas o aconchego não durou muito tempo. Dezesseis anos depois de transferir-se do Largo do Rosário para a Praça Mauá, a Prefeitura precisou expedir mais uma vez uma “carta de despejo” ao poeta santense, uma vez que o espaço que a obra ocupava sofreria uma transformação radical, para abrigar a futura sede da municipalidade. O projeto era transformar toda a praça numa espécie de réplica dos Jardins de Versailles. Desta forma, o monumento dedicado a Silveira, ainda que forjado em oficina europeia pelas hábeis mãos de Lorenzo Massa, não reunia qualidade estética suficiente para harmonizar com os novos sonhos.
Mas, para onde enviar Xavier? Foi quando pensaram em mandá-lo para o Gonzaga, para embelezar a já bela Praça Fernandes Pacheco, lugar criado em 1927 no ângulo da rua Manoel Vitorino com avenida Marechal Deodoro. E assim foi. O monumento ao poeta santista do século 19, além do segundo mais antigo, se tornava um “andarilho”, com uma experiência que outras obras só teriam muitos anos depois.
No meio da escola infantil e partida para o lar definitivo
Estava lá novamente tranquilo o monumento a Xavier da Silveira quando, em 1940, a Prefeitura resolve utilizar a área para a construção do primeiro Parque Infantil da cidade, que viria a ser inaugurada dois anos depois, no dia 15 de outubro, com o nome do presidente Getúlio Vargas. Em 30 de junho de 1947, o equipamento mudaria de nome, tornando-se o Parque Infantil Dona Leonor Mendes de Barros (que se mantém até os dias de hoje). Por alguns anos, as crianças conviveram com o segundo monumento mais antigo da cidade. Era uma espécie de ornamento privilegiado para a garotada do Gonzaga. Em alguns momentos, a obra fazia até parte das brincadeiras, principalmente servindo de abrigo para os jogos de esconde-esconde.
Porém, mais uma vez, o monumento do velho poeta santense estaria para fazer as malas e caminhar mais um pouco pelas ruas da cidade. Ainda não conseguimos apurar em que momento sua herma migrou para a Praça Nenê Ferreira Martins, ali na fronteira do bairro do Gonzaga com a Encruzilhada. O que apuramos é que, em 1974, a Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes de Santos, promoveu já naquele local um ato em celebração ao centenário da morte de Xavier da Silveira, em 30 de agosto.
De lá até os dias de hoje, a obra sossegou (ou deixaram ela sossegada), embelezando uma área modernizada, vizinha do VLT e grandes edifícios comerciais. E, desapercebida dos passantes, que mal conhecem sua história e tampouco supõem que seja a segunda mais antiga da cidade, contando com quase 110 anos de existência. E, menos ainda, que foi esculpida na Itália, em Gênova, em seus mínimos detalhes, desde a herma, como as letras (já desaparecidas) e a figura alegórica da Deusa “Erato”, musa da poesia lírica. Certamente a maioria ainda desconhece o homem ali retratado e, por isso, não se importam com seu destino. Mas, a velha Santos ainda celebra a figura deste grande personagem que, segundo Luiz Gama, grande abolicionista, era responsável pela “luz que ainda vinha de Santos”.
Quem foi Xavier da Silveira?
Nascido em Santos em 07 de outubro de 1840, foi considerado um dos maiores oradores da história. Foi também um dos mais aguerridos abolicionistas, celebrado por nomes como Luiz Gama e José do Patrocínio. Formado em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco em 1865, era de origem humilde, tendo trabalhado como empregado do comércio da cidade santista. Além das lutas pela liberdade, tinha como bandeira a moralidade política e as causas sociais. Lutou para que o Porto de Santos se desenvolvesse e gerasse empregos. Chamado carinhosamente de “Silveirinha”, era figura requisitadíssima em reuniões culturais, onde sempre declamava suas poesias únicas. Em 1874, ele acabou sendo uma das centenas de vítimas contaminadas pela epidemia de varíola que assolou a cidade de Santos, aos 34 anos de idade. Seu maior livro, “Poesias”, foi publicado após sua morte. Xavier da Silveira inspirou outros jovens da cidade, que acabaram criando a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, em 1879, a partir de um grêmio cultural que levava seu nome.