Inaugurado há 100 anos, em 7 de setembro de 1922, na ocasião do Centenário da Independência, com a presença do presidente do Estado de São Paulo, Washington Luís, a obra de arte, esculpida por dois renomados artistas franceses, simboliza a vida e obra de José Bonifácio e seus irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos.
Santos, 7 de setembro de 1922. Milhares de pessoas se amontoavam ao redor do imenso monumento erguido no coração do Gonzaga, bairro que moldava a nova face da cidade santista, com seus belos palacetes e hotéis luxuosos. Ali, no meio à multidão, sentia-se claramente, no olhar das pessoas, o orgulho por desfrutar daquele momento mágico, em que se exaltava o amor à Pátria e à terra natal dos grandes homens que, no passado, possibilitaram o nascimento de um país livre e independente. O “Monumento em Glorificação aos Irmãos Andradas” era, enfim, a “cereja do bolo”, o ponto mais alto nas comemorações pelo Centenário da Independência Brasileira, fato histórico forjado na brilhante mente do santista José Bonifácio de Andrada e Silva, e que contara com a coadjuvação de seus irmãos Martim Francisco e Antônio Carlos, onde cada qual exerceu um papel fundamental no processo que culminou no rompimento das amarras que prendiam o Brasil a Portugal.
Para alguns dos presentes na inesquecível festa, o sentimento ganhava contornos extras, de alívio e missão cumprida. Afinal, a homenagem ao maior dos santistas, José Bonifácio, era finalmente concluída quase 30 anos depois de ter sido pensada pela primeira vez, com a promulgação da Lei Municipal 173, de 10 de setembro de 1893. Mas não haveria ocasião mais apropriada para realizar o sonho. E essa era no 7 de setembro de 1922. Santos estava em seu melhor momento histórico. O porto batia recordes sucessivos, a cidade florescia de forma belíssima para os lados da praia da Barra e o que não faltava era dinheiro e luxo. Naquele mesmo dia, os santistas conheceriam o seu primeiro grande palácio, dedicado ao café (a Bolsa Oficial de Café) e ainda homenagearia outro grande filho da terra santense, Bartolomeu de Gusmão. Enfim, um dia inigualável, apesar do tempo encoberto e da fina chuva que começava a cair. O sol, enfim, não quis aparecer para não competir com o brilho do monumento da Praça da Independência.
A origem do monumento
Depois da Lei de 1893, os santistas discutiram por várias vezes a necessidade de se homenagear José Bonifácio na forma de um monumento. Mas, somente em 1915 é que finalmente se conseguiu formar uma comissão para tirar o sonho do papel e torná-lo, enfim, realidade. Ela seria formada por oito membros, entre destacados membros da sociedade academia e intelectual paulista. Entre eles estava Benedicto Calixto. A comissão, após várias reuniões, definiu que a obra seria escolhida por meio de concurso público de caráter internacional, cujo edital foi publicado em 19 de setembro 1919. Na instrução especial, salientava-se que o Monumento deveria ser erigido em homenagem aos três Andradas, mas de modo que a figura de José Bonifácio, o fator principal do movimento político que separou o Brasil de Portugal, dominasse, em destaque especial, o conjunto da obra.
Uma curiosidade do edital era sobre a localização pensada para a instalação da obra, na Praça José Bonifácio, quase defronte à Catedral. No entanto, o monumento acabou sendo erigido na antiga Praça Marechal Deodoro, que acabou sendo rebatizada como Praça da Independência em 1921, justamente por conta dele. A mudança foi provocada pela Companhia Construtora de Santos, vencedora do concurso. Roberto Simonsen, presidente da companhia santista, afirmava considerar que a Praça José Bonifácio não seria o local mais adequado para dar a visibilidade que um monumento daquela envergadura merecia, pois, sendo atingida tangencialmente pelas ruas que o circundam, não ofereceriam um campo natural de vista ao transeunte ou visitante da cidade. Já na Praça Marechal Deodoro, o Monumento seria visto por todos os que percorressem a grande via de comunicação que vem da praia e teria como remate a linha do horizonte em pleno oceano – realce calmo e grandioso – digno dos Andradas.
Exposição
Antes da vitória da Companhia Construtora de Santos, houve uma grande batalha de ideias artísticas, que envolveu nomes de peso da época, como Ettore Ximenes, Victor Brecheret, Giulio Starace, Nicola Rollo, Roberto Etzel e Luigi Contratti. Todos apresentaram, conforme determinação do concurso, suas maquetes com as propostas visuais da obra. Um total de doze peças foram apresentadas numa exposição pública aberta aos santistas e visitantes no dia 6 de setembro de 1920. Eram todas interessantes, mas nenhuma sobrepujou a apresentada pelo grupo que contava com os franceses Gaston Castel (arquiteto), Antoine Sartorio (escultor) e Affonso de Taunay (historiador). Público e crítica especializada declinaram sua preferência para a obra do trio contratado por Simonsen.
Detalhes da obra
A Companhia Construtora de Santos editou na época um memorial descritivo do projeto, que permitiu conhecer o Monumento aos Andradas em todos os seus detalhes. Escrito pelo mentor intelectual do empreendimento, Affonso d’Escragnolle Taunay, a obra visava, como previa o edital, perpetuar a memória dos irmãos santistas. Na epígrafe disposta na parte da frente do monumento, a homenagem histórica é clara: “Santos, em nome do Brasil, a seus filhos imortais, libertadores de um povo…”.
O conjunto é composto em um espaço elíptico, com o monumento se elevando em torno de uma escadaria rodeada de motivos decorativos. No corpo da obra estão inseridos, em placas de bronze, “cenas da história da Independência e da vida dos Andradas”. Na base, nos quatro cantos, ao nível do solo, destaca-se a face dos principais tipos raciais que foram o povo brasileiro: o branco, o índio, o negro e o mestiço, este representando o bandeirante, que fora responsável, segundo a historiografia paulista, pelo alargamento do Brasil em direção aos interiores desconhecidos.
No entorno do monumento há ainda quatro colunas ornamentais onde predominam elementos decorativos da flora brasileira, encimados por esferas onde estão gravadas as estrelas do Cruzeiro do Sul e símbolos que se relacionam com os Andradas, como o maçarico do mineralogista e o castelo dos engenheiros militares.
Enfim, trata-se de uma obra de arte que pode ser “lida” para que haja uma compreensão inequívoca da grandiosidade que fora a vida de José Bonifácio e seus irmãos, dignos do orgulho santista e nacional, transbordantes a cada 7 de setembro, como neste especial de 2022, em que celebramos o bicentenário da Independência e os 100 anos do próprio monumento.