“Não se reprima”: Menudo provoca verdadeira histeria coletiva em Santos

Os rapazes de Porto Rico mostraram na Vila Belmiro o porquê de tanto sucesso. Casa lotada, as fãs dos Menudos não pararam por um só minuto de cantar os sucessos da BoyBand. Foto: Araquém Alcântara.


As águas de março honravam sua tradição e caíam impiedosamente sobre a cidade santista naquele final de tarde de domingo, dia 17, em 1985. Qualquer pessoa com bom senso estaria certamente em casa naquele momento, protegida da chuva, mas não foi o que cerca de 30 mil adolescentes fizeram, movidos, obviamente, não pela sensatez, mas pela intensa paixão nutrida pelos integrantes de um dos maiores fenômenos do show business mundial nos anos 1980: o grupo Menudo.

A Boy Band latina, com base em Porto Rico, havia sido criada em 1977, pelo produtor Edgardo Dias. Sua estratégia de sucesso era simples, inspirada nos fenômenos musicais das décadas anteriores, como os Beatles. A diferença é que na fórmula de Dias, assim como na de Johnny Kitagawa (o precursor da montagem de grupos de rapazes para a indústria do entretenimento), o segredo era recrutar jovens que sabiam apenas dançar e cantar (tocar instrumentos era dispensável) para formar grupos de alcance de massa, e que estimulasse o imaginário do público adolescente, notadamente o feminino. Com um adendo: cada integrante do grupo, ao atingir a idade da transição vocal (entre 17 e 18 anos), era substituído, para que fosse mantida a juventude da Boy Band. Por tal motivo, os Menudos também eram rotulados como os “Peter Pans” Pop.

O grupo porto-riquenho representou um marco neste segmento e alcançou um sucesso inimaginável ao longo dos anos 1980, principalmente nos países da América Latina, e o Brasil, é claro, não escapou da rota histérica provocada pelo “Furacão de Porto Rico”. Depois de uma longa espera, finalmente em 1984, o Menudo desembarcava pela primeira vez no único país de língua portuguesa das Américas, onde teve de adaptar parte de suas músicas, cujas letras eram originalmente em espanhol ou inglês, para a fala “tupiniquim”.

A composição do Menudo que se apresentou em Santos: Charlie Massó e Ray Reyes (em cima); Ricky Martin, Roy Rosselo e Robby Rosa (embaixo)

A estratégia foi certeira, a ponto de algumas canções adaptadas, como “Não se Reprima” (No Te Reprimas), “Se você não está aqui” (If You’re Not Here) e “Quero Ser” (Quiero Ser), virarem coqueluche nas estações de rádio pelo país afora. Os garotos de 1984, Robby Rosa, Charlie Massó, Roy Rosselo, Ray Reyes e Ricky Melendez, rapidamente se transformaram em ídolos de milhares de adolescentes brasileiras, fazendo com que a febre Menudos fervesse por todos os cantos, gerando faturamentos assombrosos com a vendagem de discos (LPs), camisetas, bottons, álbuns, pôsteres e toda sorte de bugigangas que carregavam a marca da Boy Band. Para se ter uma ideia do fenômeno, cada integrante do grupo possuía fãs clubes individuais e, entre eles, havia muita rixa.

Os santistas não tiveram o privilégio de testemunhar a primeira passagem do Menudo pelo Brasil, em 1984, mas a cidade foi devidamente inserida na turnê formada para o ano seguinte. A novidade animou as adolescentes santistas e causou uma ciumeira coletiva nos rapazes. Santos acabou encaixada na turnê como a última escala da segunda passagem do Menudo pelo Brasil, marcada para 17 de março.

Foram previstas doze apresentações pelo Brasil, com estreia em Belém do Pará, dia 26 de fevereiro. A novidade daquele ano foi a troca do Menudo Ricky Melendez por outro Ricky, de sobrenome Martin (Ricky Martin faria uma carreira solo brilhante alguns anos depois). A excursão desceu o país e causou um verdadeiro furor por onde passava. No entanto, junto com a histeria coletiva, a cada apresentação os problemas foram se acumulando. Alguns deles bem graves, como o que aconteceu no Estádio do Vasco da Gama, no Rio de Janeiro (São Januário), em 10 de março, quando foram vendidos cerca de 130 mil ingressos para um espaço onde cabiam pouco mais de 80 mil. O resultado da falta de organização culminou em revolta e confusão. Mais de 30 mil pessoas ficaram fora do estádio e houve correria. Uma mulher e uma menina acabaram pisoteadas e morreram. O fato abalou a todos, em especial os Menudos, mas a agenda precisava ser cumprida.

Nos dois dias que antecederam o show em Santos, os Menudos passariam pela capital paulista, onde fariam dois espetáculos, sendo que o de sábado, 16, foi o de maior público da história do estádio do Morumbi (150 mil pessoas). Por conta das chuvas, o gramado do campo são-paulino ficou uma lástima, o que acarretou muitas críticas da imprensa e da opinião pública.

Ingresso do show em Santos. Acervo Luis Colela.

Em Santos

Da mesma forma que no dia anterior a chuva também não deu trégua para os santistas. Porém, nada que surpreendesse quem já se acostumara com o alto índice pluviométrico típico do final das temporadas de Verão. Ainda assim, não fora ela elemento suficiente para reprimir os milhares de fãs do quinteto porto-riquenho irem até o estádio Urbano Caldeira, do Santos Futebol Clube. Desde a véspera daquele domingo, dia 17 de março de 1985, o bairro da Vila Belmiro testemunhava a presença de uma multidão no entorno do local do espetáculo. Afinal, quem não queria estar colado ao palco para ver bem de pertinho as grandes estrelas da música jovem? Teve gente que chegou às 21 horas do dia anterior só para garantir um lugar entre os primeiros na enorme fila que se construiu durante a madrugada.

Os portões foram abertos para o público às 9 horas da manhã, três antes do previsto (12 horas), para não causar mais tumulto. O espetáculo estava marcado para as 17 horas, mas só começou às 21 horas por conta dos atrasos dos shows em Sorocaba (que era para ter ocorrido às 9 horas e só aconteceu ao meio-dia – também por conta das chuvas) e em Santo André (marcado para as 15 horas, mas só começou às 18).

“Boa noite, Santos! Estamos muito contentos de estar aqui!”. A espera de mais de cinco horas não desanimou o público, que lotou as arquibancadas e o gramado da Vila Belmiro.Foto: Araquém Alcântara.

Lista de problemas

Enquanto os problemas se acumulavam nos espetáculos das outras cidades, em Santos a garotada aguardava os Menudos com uma disposição incomum, enfrentando chuva forte, frio, fome e cansaço. No meio desse caldo todo, outros problemas quase provocaram o cancelamento do show. O primeiro deles foi incitado pelo ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição – entidade privada de repasse dos valores de direitos autorais de música). O órgão chegou a ingressar com uma liminar contra o produtor do show em Santos exigindo o pagamento dos direitos sobre as músicas tocadas (15% do faturamento). As urnas com os ingressos foram lacradas assim que a apresentação terminou e foram levadas ao Fórum de Santos para que no dia seguinte fossem confrontadas com o borderô.

Ainda no meio da tarde, o produtor do show em Santos, Luís Eduardo Serrano Colela, recebeu um telefonema da empresa que trouxera o Menudo ao Brasil, com a ameaça de cancelamento por falta de condições técnicas (na verdade, os problemas em Sorocaba – onde os artistas chegaram a tomar choque nos microfones, e em Santo André, com muitas confusões na plateia, colocaram em alerta a produção da turnê). No entanto, o empresário santista deu garantias de que tudo estava pronto e nos conformes, e contornou a crise. Isso, sem falar de que, durante a semana, um grupo desconhecido espalhara pela cidade que jogaria bombas na Vila Belmiro, o que assustou muitos pais a ponto de eles desistirem de levarem seus filhos ao espetáculo. Porém, contrariando as ameaças “terroristas”, tranquilidade foi o que mais houve.

Mar de Lama

A exemplo de outros estádios utilizados como palco para a “febre” Menudo, o campo do Santos Futebol Clube foi praticamente destruído na apresentação musical. O gramado, sem proteção, deixou de existir. Quem pagou, na época, Cr$ 80 mil (Oitenta Mil Cruzeiros (equivalente a R$ 400 nos dias de hoje), para ficar no campo, praticamente se afundou na lama, junto com policiais, seguranças e repórteres.

Às 20h40, finalmente o portão dos fundos do estádio foram abertos, iniciando uma histeria coletiva. Os Menudos haviam, enfim, chegado e entraram pela lateral passando por um corredor humano formado por um pelotão de choque composto por mais de 200 homens.

A partir dali, o quadro se tornou típico das paixões cegas. Delírio e excitação, milhares de garotinhas chorando, soluçando, gritando frases de amor, apaixonadíssimas. Era o retrato copiado de todos os lugares por onde a Boy Band caribenha passara pelo Brasil.

Exatamente às 21 horas, o Menudo entrava em cena, provocando a reação imediata dos mais de 30 mil expectadores que foram à Vila Belmiro.   

Apesar da chuva que caia insistentemente em Santos, o show foi um sucesso. Fotos: Araquém Alcântara.

Não se reprima

“Boa noite, Santos! Estamos muito contentos de estar aqui”, foram as primeiras palavras ditas, num “portunhol” que cativou o público. O nome de cada um dos integrantes do grupo era gritado pelas meninas da plateia, que também cantaram, em perfeita harmonia, junto com os seus ídolos, Menudos, as músicas tocadas em “playback” (a parte instrumental era gravada), fosse em inglês, português ou espanhol.

A música final do espetáculo, que durou quase uma hora, não poderia ser outra que não o hit “Não se reprima”, que agitou arquibancadas e o gramado enlameado. Ninguém mais se importava com a água e a lama “naquela altura do campeonato”. Até mesmo os adultos presentes pareciam gostar do que assistiam. Afinal de contas, os Menudos, ao contrário do estereótipo dos roqueiros e outros tipos de artistas musicais, eram meninos comportados e dóceis, fórmula de absoluto de sucesso no showbusiness que, normalmente, consolida legiões de fãs.

Assim, quem ficou em casa naquele dia, escondido das águas de março, não teve a oportunidade de não se reprimir e curtir um momento único na história de Santos, lembrado até os dias de hoje na cidade santense.