Santos, véspera de Ano Novo, 1952. A pequena Maria Amália era levada pelas mãos seguras de seu pai, Seu Antônio, através das alamedas verdejantes da Praça dos Andradas, no agitado centro de Santos. A menina, de seis anos de idade, divertia-se com o movimento das outras crianças, que corriam de um lado para o outro, assim como o de vários casais, que faziam questão de registrar seus momentos de paixão em fotos produzidas pelos lambe-lambes que se espalhavam ao largo da antiga Casa de Câmara e Cadeia, edificação que ainda abrigava presos, além da delegacia e o fórum da cidade. De repente, Seu Antônio abaixou-se para ficar à altura de sua filha e apontou na direção da copa da maior árvore da praça. A menina, então, arregalou os olhos e abriu um grande sorriso. O pai lhe apresentava, naquele gesto, os “donos” do pedaço, um bando de animais peludos, e de unhas enormes, típicos da região da mata atlântica, cujos nomes refletiam o jeito descompromissado com que se movimentavam de galho em galho: eram os bichos-preguiça.
O momento vivido por Maria Amália foi igual ao de quase todas as crianças santistas de sua época e de algumas outras gerações anteriores e posteriores à dela. Embora não existam registros precisos sobre a origem das preguiças que habitavam a Praça dos Andradas, é provável que isso tenha se dado entre o final do século 19 e o 20, quando o considerado “primeiro jardim público de Santos”, se consolidava como um espaço de lazer para a população, ostentando belas alamedas, lagos com pontes e até um coreto, onde as bandas de música da cidade, em especial a do Corpo de Bombeiros, se apresentavam nos finais de semana. À noite, o parque era iluminado por vistosos postes dotados de lampiões a gás.
Os animais resistiram como uma das principais atrações da cidade até meados dos anos 1980. Muitos haviam sido levados à Praça dos Andradas por pessoas que os capturavam das matas do litoral paulista, numa época em que essa prática ainda não era proibida por lei. Depois de inseridos no ambiente do jardim, os bichos forasteiros interagiam com os locais de sua espécie e acabavam formando belas famílias. Era bonito de se ver os bebês preguiças surgindo por entre as folhagens. Houve tempo em que a população de preguiças chegou a alcançar a marca de trinta espécimes.
Acidentes e alerta
Mas nem tudo era alegria no cotidiano dos bichos-preguiça da Praça dos Andradas. Com o passar das décadas e o avanço do “progresso”, os animais começaram a sofrer algumas consequências, incluindo acidentes fatais. Não era raro observar a queda dos animais, em especial os mais jovens, no chão de pedra ou sobre o gradil de ferro da praça. Algumas morreram atropeladas por caírem no leito carroçável e outras, eletrocutadas, por terem se agarrado aos fios de alta tensão.
Babá das Preguiças
Em 1966, chegou à Praça dos Andradas um cidadão que decidiu assumir o posto de “babá das preguiças”. Daquele ano até a permanência do último espécime do gênero no local, o que aconteceu por volta de 1985, João Gabana, um modesto zelador do prédio onde funcionava a Agência Marítima Dickinson (Rua XV de Novembro, 161), cumpria todos os sábados, domingos e feriados a tarefa que mais lhe aprazia: cuidar dos bichos-preguiça. Gabana pegava no pé de quem ousasse maltratá-las e todas as vezes que alguma caia dos galhos, ele dava um jeito para que o animal se recuperasse e voltasse ao seu “habitat”. Nos casos mais sérios, o zelador não pensava duas vezes antes de chamar o Corpo de Bombeiros, como na ocasião em que um enxame de abelhas se instalou na praça e passou a atacar não só os peludos animais, mas como todos os passantes.
No final dos anos 1970, o “babá das preguiças” iniciou uma luta para que os bichos fossem transferidos de lugar, fosse o Horto ou o Orquidário Municipal. Gabana dizia que a Praça dos Andradas havia se tornado um lugar perigoso para os tranquilos animais silvestres. Para ele, uma das causas que motivaram o desaparecimento dos bichos foi quando a Sucam (Superintendência de Campanhas de Saúde Pública, órgão do governo federal) aplicou veneno em toda a cidade durante o combate à febre amarela, em 1978. Algumas morreram em decorrência do produto.
A ampliação da rede elétrica no entorno da Praça dos Andradas também foi um determinante fator de mortalidade para os animais. Não era difícil vê-los agarrados à fiação com o claro objetivo de trocar de árvore. Nos anos 1970, três delas morreram eletrocutadas e, quando isso acontecia, virava manchete de jornal, para a tristeza dos santistas.
Novo Lar
Em meados dos anos 1980, a Prefeitura, enfim, tomou a decisão definitiva no sentido de “despejar” os bichos-preguiça da Praça dos Andradas, transferindo os animais sobreviventes para o Orquidário Municipal. E ali, outras Marias Amálias e tantas outras crianças puderam conhecer de perto este incrível personagem que um dia reinou no primeiro espaço ajardinado público da história de Santos e encantou diversas gerações.
Animal comum na região de mata atlântica, o bicho-preguiça (nome científico: Bradypus variegatus), é uma espécie da ordem Pilosa, subordem Folivora e família Bradypodidae. O animal mede em torno de 50 centímetros de comprimento, mas podem atingir até um metro. São em geral de cor cinza com riscos branco ou marrom, com manchas claras ou pretas. Ás vezes apresentam coloração verde por conta dos musgos dos troncos das árvores que ficam fixados em seu corpo. Tal mecanismo auxilia na capacidade de sobrevivência do animal, pois o camufla por entre a vegetação. A alimentação desses animais é puramente herbívora. Alimentam-se das folhas de embaúba, figueira e ingazeira, sendo que desta última também são aproveitados os frutos.