Personagem dos livros europeus, heroi das crianças, foi introduzido por membros da colônia alemã com ajuda dos jornais da cidade, em especial de A Tribuna, para alegrar o coração das crianças mais pobres.
Santos, sexta-feira, 24 de dezembro de 1909. A noite de Natal em Santos desenrolava-se como tantas outras, marcada por uma melancolia serena. Nas igrejas da cidade, o som grave dos sinos anunciava a Missa do Galo, em um concerto de vozes levemente tristes, quase que em lamento. Nas ruas, raros eram os que ousavam enfrentar as agruras do tempo: aqui e ali, um transeunte encapuzado, cabisbaixo, com passos abafados pelas galochas de borracha; acolá, o som seco de tamancos simples quebrando o silêncio úmido das calçadas. A chuva fina vinha e ia, pontuando a noite com breves tréguas, enquanto a cidade mergulhava na quietude.
Quando o relógio marcou meia-noite, o céu não trazia mais o brilho das estrelas, que poderiam pendurar-se como ornamentos em uma árvore de Natal celestial. Nem mesmo a lua cheia prateava a paisagem. Em vez disso, uma chuva insistente transformava a noite numa réplica pálida e desbotada de um Natal europeu, mas sem o charme que a neve poderia trazer.
E foi nesse cenário de umidade e resignação que o nascimento de Cristo foi celebrado em Santos, naquele ano de 1909. Tudo indicava um Natal “morno”, não fosse por uma novidade que encantaria as crianças e traria calor aos corações santistas.
Apresentamos-lhes Papá Noel.
Figura saída das páginas dos contos e livros do Velho Mundo, Papá Noel era já conhecido entre as famílias de origem germânica da cidade, especialmente entre as crianças que cresciam ouvindo histórias do bondoso velho que cruzava paisagens nevadas com seu saco de brinquedos. Inspirados por essa tradição, os membros da colônia alemã de Santos sugeriram introduzi-lo ao Natal santista, com o apoio da imprensa local, em especial do jornal A Tribuna. Assim, nasceu uma campanha solidária para levar alegria às crianças pobres da comunidade.
Nas histórias europeias, Papai Noel, chamado carinhosamente de “Papá” em um tom lusófono, era uma figura que simbolizava generosidade e encanto. Ele atravessava as noites nevadas, carregado de presentes, para distribuir entre os pequenos que o veneravam como um segundo pai. Mas seu coração pertencia, sobretudo, aos mais necessitados e ele inspirava famílias abastadas a partilhar brinquedos e doces com os que nada tinham. Era, para os olhos infantis, um herói.
Em Santos, a proposta era simples e inédita: vestir um cidadão como Papá Noel (infelizmente não ficou registrado para a posteridade o nome do voluntário) e utilizá-lo como um elo entre os corações generosos e os pequenos sonhadores da cidade. Pela primeira vez, o “Bom Velhinho” surgiria pelas ruas santistas, primeiramente nas igrejas durante a Missa do Galo, distribuindo os presentes arrecadados com a ajuda da comunidade. No dia seguinte, continuaria sua missão, visitando casas e vielas para entregar brinquedos e mantimentos.
A Tribuna estampou, na edição de 25 de dezembro de 1909, um sábado, o espírito do momento: “Hoje, com grande alegria, anunciamos às crianças pobres de Santos que seu velho e querido amigo está aqui para lhes trazer presentes, graças à generosidade dos santistas! Ele está entre nós, sorridente e cheio de alegria, atendendo ao nosso convite e enviado pelos corações bondosos da cidade. Desta forma, ele traz o espírito natalino para substituir a tristeza deste tempo chuvoso com a felicidade das crianças. Essa alegria é o consolo de nossas almas, mesmo neste triste Natal úmido, que ofusca a mágica do luar. Nosso consolo é, também, a gratidão àqueles que atenderam ao nosso apelo.”
Naquela noite e no dia que se seguiu, o primeiro Papai Noel santista distribuiu presentes e plantou esperanças. E por quase uma década, o Natal em Santos manteve viva a tradição do “Bom Velhinho”, que se tornou um símbolo de alegria e conforto para as crianças pobres, especialmente as órfãs. Foi somente ao final da década de 1910 que o comércio local começou a explorar a figura do personagem europeu, incorporando-a ao imaginário natalino com pessoas vestidas de Noel, distribuindo bombons e outras guloseimas. E assim, a partir daí, outras histórias começaram a ser escritas. Ho Ho Ho! Feliz Natal!