O dia em que Santos ganhou seu ponto zero 

Em 12 de outubro de 1940, o interventor Adhemar de Barros inaugurou na Praça Mauá o primeiro marco distrital do Estado de São Paulo 

Santos, 12 de outubro de 1940. A Praça Mauá amanheceu naquele sábado  com um movimento diferente. Técnicos, soldados, engenheiros e curiosos se distribuíam ao redor do novo monumento que se erguia no centro do espaço público. Às quatro da tarde,  trem especial que trazia o interventor federal de São Paulo, Adhemar de Barros, chegou à estação, e pouco depois, o cortejo oficial deslocou-se até o evento. Foi naquele instante que Santos conhecia o seu primeiro marco distrital — o ponto zero, feito em granito e bronze, que fixaria para sempre as coordenadas geográficas da cidade. A solenidade, presidida pelo próprio chefe do governo paulista, reunira autoridades civis, militares e religiosas, numa atmosfera que misturava ciência, política e orgulho local.

O engenheiro João Berrinbacher, representante da Comissão Executiva do Serviço de Levantamento Aéreo-Fotogramétrico do Estado, abriu a cerimônia, explicando a importância daquele símbolo técnico-administrativo. O marco, disse ele, seria o ponto de referência fundamental para todos os levantamentos topográficos do distrito de Santos — o primeiro do gênero em todo o Estado. Em seguida, o secretário da Justiça, Moura Rezende, tomou a palavra em nome do interventor. Declarou oficialmente inaugurado o monumento, destacando que aquele ato representava o início de uma nova etapa na organização territorial de São Paulo. “É o cadastro jurídico, topográfico e econômico do Estado que se firma aqui”, proclamou, entregando a guarda do marco ao prefeito municipal, Cyro de Athayde Carneiro.

O monumento do chão e da medida

A peça, de granito preto polido proveniente de Piracaia (SP), fora moldada em forma de tronco de pirâmide, com um metro de altura e faces quadradas. No topo, uma calota de bronze marcava, com dois sulcos cruzados, o ponto geográfico exato de Santos: 46°19’43” de longitude oeste, 23°56’03” de latitude sul e 4,4 metros acima do nível do mar. A precisão encantava tanto quanto a solidez da estrutura, composta por camadas de concreto armado, manilhas subterrâneas e uma laje de sustentação. Dentro dele, o marco padrão permanecia invisível aos olhos do povo, mas dali irradiavam todas as medidas da cidade. O monumento, ligado à triangulação estadual e ao vértice do Monte Serrat, unia o solo santista à vasta rede nacional de referências geográficas.

Um gesto simbólico e político

Encerrada a cerimônia, Adhemar de Barros e sua comitiva retornaram ao Paço Municipal, onde seriam inaugurados os retratos oficiais do Presidente Getúlio Vargas e do próprio interventor. No gabinete, o prefeito Cyro Carneiro discursou com eloquência, exaltando o equilíbrio político conquistado após anos de instabilidade e destacando o papel de Getúlio e Adhemar na reorganização administrativa do país. Falou também dos benefícios trazidos a Santos — o ramal de Mayrink, a futura Via Anchieta, os novos hospitais e escolas — como provas concretas de um governo que unia ação e planejamento. “Santos não esquece seus benfeitores”, disse o orador, antes de convidar as autoridades a descerrar os retratos que passariam a adornar o salão nobre do Paço.

Adhemar respondeu de improviso, com voz firme e tom popular. Agradeceu a homenagem e lembrou que o mesmo dia ficaria marcado pela assinatura do contrato de eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana — um passo decisivo para o progresso paulista. Citou a usina de chumbo de Apiaí, o avanço da siderurgia no Vale do Paraíba e a renovação das forças armadas, afirmando que o Brasil “começava a andar a passos retos para o seu destino industrial”. Encerrou saudando Santos como “a terra de Brás Cubas, que o governo jamais descuidará”.

Uma cidade medida e celebrada

A visita prosseguiu pela Associação Comercial, onde Adhemar conversou com representantes do comércio cafeeiro, e depois pela Santa Casa da Misericórdia (a antiga, situada nas fraldas do morro do Fontana), que percorreu com interesse visível, acompanhado de médicos e religiosos. Detendo-se diante do pavilhão “Dr. Soter de Araújo”, o interventor ouviu relatos sobre as carências do hospital e prometeu auxílio. Já à noite, no salão nobre do Paço, as autoridades reunidas brindaram com um elegante serviço de buffet. O contra-almirante Azevedo Milanez encerrou as falas, exaltando o gesto do governo e chamando Santos de “porto da grandeza paulista”.

Aquele 12 de outubro terminara com o mesmo silêncio respeitoso com que começara. O marco de granito permanecia na Praça Mauá e, sob o peso discreto de sua calota de bronze, repousavam números e coordenadas — mas também um símbolo de pertencimento: a certeza de que, a partir dali, cada rua, esquina e morro de Santos possuía um ponto de partida exato e uma história gravada na pedra.