Todo mundo sabe da íntima relação que a cidade de Santos tem com seus bondes, desde a inauguração do serviço, ainda com tração animal, em 1871. A partir deste ano foram muitos os empresários e concessionários do serviço de transporte público urbano sobre trilhos, como Mathias Costa (que deu o nome para a Vila Mathias), João Éboli (o dono do castelinho do Outeiro de Santa Catarina) e até mesmo os irmãos Emmerich, mantenedores de uma linha de trem entre Santos e São Vicente, que passava pelo traçado da atual Avenida Nossa Senhora de Fátima.
Mas, foi na mão de uma empresa estrangeira, a The City of Santos Improvments Ltd, constituída em Londres, em 1880, para administrar alguns serviços públicos na cidade santista, que os bondes viveram seu período mais garboso e desenvolvimentista. Foi sob a direção da “City” que Santos virou referência nacional em transporte urbano sob trilhos, chegando a possuir a maior quilometragem per capita de trilhos de bondes da América do Sul. Também sob a batuta dos ingleses, Santos testemunhou a criação da primeira fábrica de bondes da América Latina, de onde saiu a primeira locomotiva elétrica fabricada no país.
A “City”, como os santistas gostavam de chamar, foi a detentora de quase todos os serviços públicos da cidade a partir do início do século XX, até meados dos anos 1960: distribuição de água, distribuição de energia elétrica, produção e distribuição de gás de rua e, finalmente, o sistema de transporte de bonde, que logo virou elétrico nas mãos dos ingleses.
Essas relações com a cidade santista, no entanto, tinham datas marcadas para acabar. A dos bondes era 14 de janeiro de 1951. Nesta época, o sistema de transporte urbano por trilhos já sofria forte concorrência dos ônibus movidos a combustível fóssil (óleo diesel) e vinha dando prejuízo. A “City” de então, já mudada de país sede (Nos anos 1940, por conta da Grande Guerra, a empresa transferiu sua sede para o Canadá), decidiu que não iria pedir a prorrogação da concessão, abandonando qualquer chance de continuar explorando o serviço de bondes, que deveria passar para a Prefeitura.
Assim, em 14 de janeiro de 1951, a cidade recebeu com pesar o anúncio do fim da concessão. Afinal, foram anos de parceria com a “City”, marcados por bons e gloriosos momentos, que cessavam ali, de forma melancólica. Mas a firma canadense, agora filiada ao Grupo Light, honraria o passado e resolveu não deixar os santistas na mão. Por iniciativa própria, resolveram tomar conta do transporte por mais um pouco de tempo, até que a municipalidade pudesse, de fato, assumir o controle do sistema.
“Termina hoje o prazo do contrato entre a Cia. City e a Prefeitura Municipal de Santos, para a execução do serviço de transporte de passageiros em carros elétricos”. Era essa a manchete dos principais veículos de comunicação da cidade.
No mês de dezembro do ano anterior, a Câmara havia promulgado a Lei 1.167, sancionada pelo prefeito Sócrates Aranha de Menezes, que determinava soluções para o transporte coletivo, que seria encampada pelo Serviço Municipal de Transporte Coletivo (SMTC), autarquia criada pela Lei nº 1.297, de 20 de dezembro de 1951. A empresa pública viria pegar o “bastão” quando o concessionário entregasse o serviço e todos os equipamentos a ele vinculados (garagem, oficinas, bondes e todo o passivo de recursos humanos).
Mas a coisa era mais complexa do que muitos supunham. E, assim, a “City”, mesmo finalizando seu contrato, não finalizou sua participação na vida do transporte urbano santista, em respeito à população. Mesmo assim, fez questão de que fosse expedido um comunicado público, informando que a iniciativa não fazia parte de nenhum contrato. Desta feita, a direção da empresa encaminhou um ofício ao prefeito municipal, no seguinte termo:
“Exmo. Sr. Sócrates Aranha de Menezes – D. D. Prefeito Municipal de Santos – Saudações cordiais. – Vimos pela presente comunicar a V. Exa. que, apesar da terminação, em 14 de janeiro do corrente ano, do prazo estabelecido pelo contrato unificado de serviço de bondes, datado de 14 de janeiro de 1911, resolveu esta Companhia, a título precário, manter, da melhor maneira possível, o transporte de passageiros em bondes, enquanto aguarda a solução do problema nas condições estabelecidas na Lei Municipal 1.167, de 21 de dezembro de 1950.
Salientamos que essa nossa atitude, inspirada em propósitos de inteira colaboração com essa M. D. Prefeitura, não importa no reconhecimento de qualquer obrigação de continuar a prestar o serviço, além do termo final expressamente fixado no contrato, isto é, 14 do corrente.
Em consequência, comunicamos ainda a V. Exa. que, a partir de 15 do mês em curso, passaremos a escriturar, em separado, todos os elementos relacionados com o serviço acima referido, a fim de que, em tempo oportuno, tenha essa Prefeitura os dados necessários para ressarcir esta Companhia dos prejuízos que venha a sofrer, em virtude da manutenção do serviço já mencionado.
Aproveitamos a oportunidade para apresentar nossos protestos de elevada estima e distinta consideração.- H. T. W. Pilbeam – Representante”.
A “City” cumpriu seu papel e, em 1º de janeiro de 1952, passava, finalmente, seu legado para a SMTC.