O lugar testemunhou a glória e a decadência da família Aranha Rezende, uma das mais prejudicadas em Santos pela quebra do Bolsa de Nova Iorque, em 1929.
Santos, sábado, 16 de novembro de 1889. Tudo estava pronto para a grande inauguração do imenso palacete residencial pertencente a Pedro de Sousa Aranha e sua esposa, Maria Isabel de Carvalho Aranha (irmã de Vicente de Carvalho), construído no aprazível e próspero bairro do Paquetá. O empresário do ramo de café, natural de Campinas, a “Princesa do Oeste Paulista”, onde estavam localizadas as fazendas de sua família, havia planejado cada detalhe daquele momento especial, e até já havia enviado convites para amigos e parentes. No entanto, no final da tarde daquele sábado, ele adentrava na sala principal de sua nova casa esbravejando para todos os cantos, mandando suspender o evento. Irritado com as notícias que davam conta do fim da monarquia no Brasil, ratificado com a Proclamação da República verificada no dia anterior, Pedro Aranha, fiel ao regime e ao imperador D. Pedro II, não via mais motivo para festa. Assim, a imensa “Casa das Palmeiras”, como viria a ser conhecida a edificação de Sousa Aranha nas décadas seguintes, acabou inaugurada sem nenhuma pompa ou circunstância.
Localizada na esquina da Rua Conselheiro Nébias (hoje, avenida) e Rua General Câmara, a majestosa residência se impunha como a mais bela da cidade, sobressaindo-se em meio ao casario do entorno, alguns também pertencentes ao comissário de café. Sua casa logo se tornaria ponto de referência obrigatório, balizando um modo de dizer como indicação a outros endereços no bairro: “antes ou depois do Palacete Pedro Aranha?”.
A construção do edifício se dera em um momento em que a cidade santista começava a expandir-se e crescer para além dos limites da velha vila (entre o Valongo e o Outeiro de Santa Catarina), estimulado pela riqueza geradas por meio do comércio de café. Na década de 1880, os santistas ainda não consideravam os lados da atual orla praiana como uma região conveniente para erguer residências. Ainda era um arrabalde pobre e desinteressante, tido apenas como um espaço balneário, para, no máximo, a promoção de passeios dominicais.
O projeto da nova residência de Pedro Aranha, o primeiro palacete da cidade santense, ficou a cargo de seu irmão mais novo, Urbano de Sousa Aranha, hábil engenheiro arquiteto diplomado na Bélgica. Aliás, a concepção do projeto foi toda criada desde o país europeu e remetida ao Brasil por navio.
De alicerce sólido e estilo clássico de apurado gosto, o palacete chamava a atenção por conta da enormidade de seu terreno, dotado de jardins com esplêndidas palmeiras imperiais e, aos fundos, um pomar com goiabeiras, pitangueiras e pés de laranja. Na estrutura da casa, vários terraços e um mirante de onde podia se ver o porto e os navios que lá atracavam. No palacete cresceram as duas filhas do casal, Georgina de Sousa Aranha (30/04/1885) e Adélia Carvalho de Sousa Aranha (31/08/1894).
Adélia nunca se casou, ao contrário de Georgina, que fora desposada por Leôncio de Azevedo Rezende, no dia 2 de junho de 1904. O rapaz, que chegar a Santos ainda moço, vindo da cidade de São João da Boa Vista, era empregado no comércio. Não demorou muito para ele se encantar com a jovem que se debruçava na sacada de seu quarto, frontal à Conselheiro Nébias, sempre no final da tarde. Georgina observava com interesse o movimento das pessoas que transitavam de casa para o trabalho e vice-versa, e Leôncio, sempre que percebia a presença da moça, olhava na sua direção de maneira apaixonada. Os amigos do rapaz, quando testemunhavam a cena, sempre comentavam de forma provocativa: – La está Julieta no balcão. Vai, Romeu, com a tua guitarra para junto das roseiras do jardim!
Mas, é claro, Leôncio não tinha coragem de enfrentar o ambiente sisudo do pai da jovem. Assim, ele contentava-se com o devaneio à distância, que normalmente acabava interrompido pela transição dos minutos. Mas um dia chegou-lhe a oportunidade, aquela que tanto sonhara. Foi durante um dos bailes promovidos pelo Clube Éden, que era vizinho da Casa das Palmeiras. O jovem de São João da Boa Vista finalmente tomou coragem e enlevadamente valsou com sua amada, que, enfim, acabaria por se tornar sua noiva e esposa.
Leôncio e Georgina logo foram convidados por Pedro Aranha a residir no Palacete do Paquetá. Eles aceitaram de bom grado. E foi naquele belo edifício que nasceram todos os sete filhos do casal: Sara (1905); Leôncio Jr (1906); Augusta (1909); Maria José (1911); Maria Isabel (1914); Maércio (1916) e Andrea (1918). Pedro Aranha demonstrava estar feliz, com a casa cheia de netos. E era isso que o confortava após a morte da esposa, Maria Isabel de Carvalho, em 1912, aos 55 anos de idade, quando visitavam familiares em Campinas. Aquele fora um ano duro, também marcado pela morte de Urbano, o irmão querido de Pedro Aranha e arquiteto de sua casa.
No final da década de 1910, o patriarca da família praticamente passou todos os negócios para as mãos do único genro. A cidade se transformava a olhos vistos e a expansão urbana já ultrapassava os bairros da Vila Nova, Vila Mathias e Macuco. Muitos dos abastados comerciantes de café começavam a migrar para os lados da orla da praia. A família Aranha Rezende, por outro lado, optou em manter-se no velho e bom Paquetá.
A quebra da Bolsa de Nova Iorque e o triste destino da família
Quando Pedro completou 70 anos de idade, uma catástrofe econômica chacoalhou o mundo. As manchetes dos jornais davam conta da drástica notícia da quebra da Bolsa de Nova Iorque, Estados Unidos, que ficou marcada como o ápice de uma crise global que se abatera sobre todos os mercados financeiros. A recessão que viria na sequência pegou em cheio os Aranha de Rezende, uma vez que Leôncio, então condutor dos negócios da família, havia depositado todas as suas economias, e as do sogro, em atividades e ações relacionadas ao café.
Literalmente falidos, sem recurso algum, Leôncio e Georgina não tiveram outra saída que não fosse vender o Palacete das Palmeiras para saldar as dívidas que se acumulavam. A casa construída por Pedro Aranha, assim, acabou repassada para o empresário José Barbosa Leite, que para lá se mudou ainda nos anos 1930. Leite era um respeitado agente fiscal da Alfândega de Santos e fundador da Loja Maçônica Estrela de Santos (1937). Mas Leite não ficou muito tempo na casa e a repassou para que fosse abrigar o Centro de Saúde de Santos.
Extremamente abatido pela situação, Leôncio adoeceu e acabou vindo a morrer em 27 de dezembro de 1931, contando com 51 anos de idade. Georgina, viúva, pegou os filhos ainda solteiros (Leôncio Filho, Augusta, Maércio, Maria José e Andrea), a irmã e o velho pai, e foi morar de aluguel em um sobrado situado na esquina da avenida Conselheiro Nébias com a atual Rua Lobo Viana, onde ficaram até cerca de 1940. Pedro Aranha, triste pelo destino de sua família e da bela Casa das Palmeiras, ainda viveria por mais alguns anos, até que faleceu em 18 de junho de 1939, no ano em que a cidade de Santos comemorava seu primeiro. Em 1941, alguns amigos da família, liderados por Luís Suplicy, um conhecido corretor de café, e Carlos Vieira da Cunha, promoveram uma arrecadação e adquiriram uma casa na Rua Oswaldo Cochrane, doando-a para Georgina morar com os filhos, um belo gesto.
O fim do Palacete das Palmeiras
Ao mesmo tempo em que os Aranha Rezende davam um rumo na vida lá pelos lados da orla, o bairro do Paquetá, cada vez mais transformado em área expandida do Porto de Santos, testemunhava a derrocada do velho e imponente Palacete das Palmeiras. O Centro de Saúde de Santos vendera a propriedade para a Companhia Açucareira Santista, que também comprara outros lotes ao redor do casarão. A empresa mandaria construir no local um imenso armazém para a estocagem de açúcar. A demolição do precioso imóvel foi autorizada em 1941 e, em 1942, só restava no local o gradil de ferro que cercava o primeiro e mais belo Palacete residencial da história santense.