Joaquim Xavier da Silveira Júnior, ilustre desconhecido em sua terra natal, conquistou uma honra obtida apenas por personalidades de grande destaque da história nacional
Londres, Inglaterra, Primavera de 1936. As máquinas de impressão da Waterlow and Sons Limited, uma das mais importantes gravadoras de dinheiro do mundo, rodavam freneticamente um lote de cédulas de 50 mil réis, contratado pelo Tesouro Nacional do Brasil. Era a primeira vez (e seria também a única) que a respeitada empresa britânica vencia a concorrência perante uma de suas maiores rivais, a American Bank Note Co., dos Estados Unidos, fabricante de cédulas monetárias quase exclusiva do governo brasileiro desde 1869 (o país começou a fazer uso de papel moeda na primeira metade do Século 19, sendo que as primeiras cédulas, ainda do tempo do Império, foram produzidas pela inglesa Perkins, Bacon & Petch. Outras empresas, como a britânica Bradbury Wilkinson & Co. Ltd e a italiana Catiere Pietro Miliani, também chegaram a rodar dinheiro para o Brasil, mas em lotes pequenos). As notas impressas pela Waterlow carregavam outros aspectos curiosos, como a cor arroxeada, diferente dos tons de verde, azul e laranja das várias circulantes no país; e, principalmente, pelo fato de trazer a efígie de uma personalidade praticamente oculta dos livros básicos da história nacional: o santista Joaquim Xavier da Silveira Júnior.
Até a metade da década de 1930, pelo menos quatorze figuras emblemáticas da história nacional haviam sido homenageadas com seus retratos em notas que variavam de 1.000 a 1:000.000 (um conto) de réis. Personalidades como os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II, o regente do Império Diogo Feijó, os nobres e políticos Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos Júnior) e Marquês de Olinda (Pedro Araújo de Lima), os presidentes da República, Marechal Deodoro (1889/1891), Prudente de Morais (1894/1898), Campos Salles (1898/1902), Rodrigues Alves (1902/1906), Afonso Pena (1906/1909) e Artur Bernardes (1922/1926), sem falar do ilustre santista José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência do Brasil (hoje, Patrono da Independência), estamparam o papel-moeda brasileiro. Todos eles exerceram papeis de altíssima relevância na trajetória nacional, tanto que foram reverenciados por meio de outras inúmeras homenagens públicas, batizando nomes de logradouros importantes, edificações e de instituições públicas e privadas em várias partes do país. Mas o que dizer do santense Joaquim Xavier da Silveira Júnior, que, afinal, não era tão conhecido nem mesmo em sua própria cidade natal?
Certamente quando as cédulas de 50 mil réis foram lançadas, após desembarcarem da Inglaterra, ainda em 1936, os santistas da época deveriam possuir um pouco mais de conhecimento sobre a carreira de Joaquim Xavier da Silveira Junior, certamente pelos que liam em pequenas notícias dos jornais que chegavam do Rio de Janeiro, onde fez carreira. Ao contrário do pai, o poeta Joaquim Xavier da Silveira, jornalista, líder abolicionista e advogado de primeira grandeza, que acabou morto precocemente, em agosto de 1874, aos 34 anos de idade, vítima de varíola, em uma das epidemias que assolaram a cidade santista na segunda metade do Século 19. Xavier, o pai, era uma espécie de celebridade em Santos e foi, por exemplo, a fonte inspiradora para a criação da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio, em 1879 (quando jovem, ele era um pobre caixeiro – vendedor – de um armazém que ficava no Largo do Carmo), e também o primeiro santista a ser homenageado com um monumento público, inaugurado em 1914 no Largo do Rosário – atual Praça Ruy Barbosa (o primeiro monumento erguido na cidade foi dedicado ao fundador de Santos, o português Braz Cubas, inaugurado em janeiro de 1908). Enfim, o pai daquele homem estampado na nota de 50 réis era, de fato, um personagem idolatrado na terra santense.
O filho
Apesar de colocar-se como discípulo do pai, Joaquim Xavier da Silveira Júnior não era um poeta celebrado. Por outro lado, e sem sombra de dúvida, era um tido como um homem dotado de grandes ideais, um político habilidoso e um empresário sagaz. A exemplo do progenitor, Silveira Júnior foi abolicionista. Mas toda fama e notoriedade que ganhou foi na capital do Brasil (Rio de Janeiro), onde assumiu um papel de grande liderança civil da causa republicana, o que lhe valeu ter sido convidado a assumir o comando da polícia carioca no dia da Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. No ano seguinte foi nomeado governador do Rio Grande do Norte, onde ficou por pouco tempo, regressando ao Rio de Janeiro onde tornou a chefiar a polícia do Distrito Federal. Xavier Júnior foi um dos fundadores do jornal “A República”, e escrevia para o “Paiz”. Também tornou-se ministro da Justiça e Negócios Interiores em 1897, mesmo ano em que foi eleito deputado. Em 1901, foi indicado para ocupar o cargo de prefeito do Rio de Janeiro, permanecendo um ano no posto. Realizou grandes obras em sua gestão, como a construção do Cais Pharoux, na praça 15 de Novembro, da avenida Beira-Mar e da iluminação elétrica em Ipanema
Entre as suas atribuições na vida pública e privada, chegou a ser eleito presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (criado em 1843) entre 1910 e 1912, ano em que faleceu, aos 48 anos de idade, vítima de uma infecção intestinal. Deixou esposa e quatro filhos.
Por que Xavier da Silveira Júnior virou dinheiro?
Esta foi a grande pergunta que nos fizemos ao deparar-nos à descoberta deste fato curioso. E a resposta, infelizmente, é totalmente ignorada. Segundo a Sociedade Brasileira de Numismática, entidade privada fundada em janeiro de 1924 com o propósito de reunir aficionados e estudiosos de cédulas e moedas produzidas no país, a decisão sobre os desenhos que ilustram o dinheiro brasileiro era, até 1994, do Tesouro Nacional. Dali em diante passou a ser prerrogativa de um departamento vinculado ao Banco Central do Brasil chamado MECIR – Meio Circulante. A escolha dos personagens e símbolos não perpassa por autoridades como, por exemplo, o ministro da Fazenda ou até mesmo o presidente da República (embora que, de alguma forma, eles poderiam exercer forte influência, se assim desejassem). As decisões sobre essas homenagens acabam sendo construídas internamente, hoje no Banco Central. Assim, a decisão de estampar a nota de 50 mil réis com a efígie de Joaquim Xavier da Silveira Júnior, pode ter sido tomada por qualquer alto funcionário do Tesouro Nacional, ou mesmo do Ministério da Fazenda.
Outras curiosidades sobre a nota do santista
- Na nota de 50 mil réis de Joaquim Xavier da Silveira Júnior o desenho do chamado reverso (o outro lado do papel-moeda) é o do Monumento da Independência, erguido no Ipiranga, em São Paulo. Segundo a Sociedade Brasileira de Numismática, até os anos 1940, as notas não apresentavam desenhos de reverso com identidade visual relativa ao homenageado, como no caso do santista, que não possuía relação com o processo de Independência e tampouco com o Museu do Ipiranga.
- A nota de Silveira Júnior foi a única impressa pela Waterlow and Sons Limited, que rodou a primeira série em 1936 (01 a 86). Como a empresa londrina possuía a matriz de impressão, ela foi contratada novamente em 1942, para rodar um novo lote (séries 79 a 86), que circulou de 1942 a 1952. Só que as notas novas, quando chegaram ao Brasil, tiveram que receber um carimbo, em forma de rosácea, com a inscrição “CASA DA MOEDA – 50 CRUZEIROS”, justamente porque o padrão monetário brasileiro havia sido mudado pelo Estado Novo de Getúlio Vargas naquele ano.
- As dimensões da cédula de 50 mil réis eram 139×73 mm.