O santista mais influente da história da economia nacional

Valentim Fernandes Bouças transformou uma crise em uma oportunidade para se tornar o homem forte dos governos a partir de Getúlio Vargas

Rio de Janeiro, 4 de novembro de 1930. O ministro da Justiça, Osvaldo Aranha, a mando do então chefe do governo provisório, Getúlio Vargas (que tomara o poder do país em 3 de outubro depondo, num Golpe de Estado, o presidente Washington Luís), recebia em seu gabinete o santista Valentim Fernandes Bouças, um dos mais importantes prestadores de serviço do governo federal, que se mostrava visivelmente apreensivo por ter tido todos os seus contratos suspensos, sem razão alguma. Sua empresa, a Serviços Hollerith, havia recebido um comunicado para que retirasse, em 48 horas, todas as máquinas que se encontravam instaladas em inúmeros departamentos federais. Bouças precisava evitar a hecatombe que a medida representaria para o negócio que construíra a partir do zero em 1917, quando, de maneira brilhante, conseguira trazer para o Brasil toda a tecnologia das máquinas “perfuradoras de cartão”, precursoras dos computadores, como representante da norte-americana CTR (Computing Tabulation Recording) que, em 1924 se tornaria a renomada International Business Machines (IBM).  Sua empresa colaborava com o governo em todas as questões contábeis e estatísticas, atuando em todos os ministérios.

Aranha estava firme no propósito de levar a cabo a ordem do chefe, mas o santista, hábil negociante, convenceu-lhe a falar com Vargas, obtendo ainda a autorização para prosseguir com os serviços, sem garantia de verba, mas com a promessa de abertura de crédito especial se o seu serviço demonstrasse a devida importância para o país.

Um ano depois, Bouças escreveria um artigo sobre a dívida externa brasileira no Jornal do Comércio. O texto ganhou enorme repercussão, chamando a atenção do presidente e de sua equipe econômica. Ele foi, então, convidado para atuar como coordenador da questão dentro do ministério da Fazenda, órgão que, aliás, passou a ter sua contabilidade totalmente mecanizada pela empresa de Bouças, já em 1932.

Entre janeiro e junho de 1933, o santista participou das negociações da dívida externa com o governo norte-americano e fez parte da delegação brasileira à Conferência Mundial Monetária e Econômica, realizada em Londres. Naquele mesmo ano, representou o governo brasileiro e o Banco do Brasil no acordo comercial e financeiro celebrado com o Conselho Nacional de Comércio Exterior dos Estados Unidos. Em 1934, voltou aos Estados Unidos para negociar o aumento das exportações de café para a América do Norte. De passo em passo, Bouças se tornava o homem forte do governo nacional. A partir de 1935, o santista passou a fazer parte de um círculo de representantes da área econômica, industrial e comercial ligados diretamente a Vargas, de quem se tornou orientador financeiro pessoal.

Anúncio da empresa de Valentim Bouças em sua própria revista econômica.

Revista “O Observador Econômico”

Em 1936, Bouças fundava a revista O Observador Econômico e Financeiro. Em seu primeiro número, que circulou em fevereiro, a publicação preconizava uma reforma monetária e bancária, uma nova política com relação à dívida externa e um desempenho mais intenso do Estado no desenvolvimento industrial.

No ano seguinte, como consultor técnico do Conselho Federal de Comércio Exterior, criado para centralizar a política de comércio externo, ele já cuidava de toda política comercial do Brasil. Elaborou diversos acordos e participava de negociações em vários países. Em paralelo, ainda tratava dos negócios da IBM no Brasil e em alguns outros países. Em 1943 Bouças tornou-se membro da Comissão de Controle dos Acordos de Washington, da qual mais tarde seria diretor-executivo.

Em 1947, integrou a Comissão de Investimento de Capitais Estrangeiros no Brasil, além de ter sido presidente do Comitê Brasileiro da Câmara Internacional de Comércio. Entre setembro de 1948 e fevereiro de 1949, Bouças foi membro da Comissão Mista Brasileiro-Americana de Estudos Econômicos, que ficou conhecida como Missão Abbink. Em agosto de 1949, foi presidente da III Conferência de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários.

O santista participou, em 1951, da IV Reunião de Consulta dos Chanceleres das Repúblicas Americanas. Aos 60 anos de idade, Valentim Bouças acumulava os cargos de presidente da Companhia Nacional de Máquinas Comerciais, Adressograph-Multigraph do Brasil S.A. e da Companhia Imobiliária Santa Cruz, além dos postos de diretor da Companhia Goodyear do Brasil, da Ferro Enamel S.A., da Companhia Swift do Brasil, da Panair do Brasil e da Companhia Brasileira de Material Ferroviário. Era ainda representante da American Bank Note Co. e consultor técnico da Armco Industrial e Comercial S.A. Nesta época, era um dos economistas mais requisitados do país.

Em 1957, lançou o livro Finanças do Brasil (1932-1957)

Morte

Sofrendo com uma doença cardíaca, Valentim Bouças faleceu em sua própria casa, no Rio de Janeiro, às 7 horas do dia 2 de dezembro de 1964, aos 73 anos de idade. Ao seu sepultamento compareceram muitas autoridades, incluindo o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda e o ministro Otávio Gouveia de Bulhões. Encerrava-se ali a história do homem que, de provável expulso do governo Vargas, se tornara um dos homens mais poderosos na área econômica do Brasil.

Curiosidade

Valentim Bouças foi o primeiro contador formado na história de Santos, estudante do pioneiro curso da Academia de Comércio José Bonifácio, diplomando-se em 1909.

Valentim Fernandes Bouças, em foto do acervo da família.