Uma das personalidades históricas mais importantes do país, o baiano Ruy Barbosa, escolheu em Santos um cantinho especial para recarregar as energias
Santos, 9 de julho de 1912. O célebre homem observava atentamente o movimento gracioso de várias, e belas, gaivotas no amplo terreno verdejante do aprazível Parque Indígena, enquanto gozava seus últimos minutos no cantinho que adotou durante sua permanência na bucólica chácara do comendador Júlio Conceição, uma imponente área com mais de 22 mil metros quadrados situada à testa da Baia de Santos, no final da avenida Conselheiro Nébias. Recuperado de uma forte indisposição que o acometera em razão de um ritmo intenso de trabalho imprimido nos meses anteriores, ele já se considerava apto para voltar a encarar a acidez dos debates políticos no Senado, sua casa desde 1890. Em meio a infindos pensamentos e já com saudades do seu “cantinho”, Ruy Barbosa de Oliveira, um dos mais importantes e celebrados estadistas brasileiros de todos os tempos, foi arrancado do estado de contemplação por um de seus assessores. Era hora de agradecer o anfitrião e dizer um “até breve” à cidade de Santos, que o acolheu tão soberba e festivamente durante quase um mês (ele havia desembarcado na cidade no dia 7 de junho).
Aquela não era a primeira visita do “Águia de Haia” à terra santista. O debute acontecera em fevereiro de 1890, quando Ruy Barbosa ainda ocupava o cargo de Ministro da Fazenda, aliás o primeiro da então recém-nascida República. Uma segunda passagem pela Terra dos Andradas ocorrera em dezembro de 1909, ocasião de sua campanha à presidência do Brasil, na condição de principal candidato da oposição, pleito este em que acabou ficando na segunda posição, obtendo 222.822 votos (ele perdera para o Marechal Hermes da Fonseca, que conquistou 403.867 votos). Aquela, enfim, era sua terceira vez, e a mais prazerosa, tanto que mal esboçava vontade de ir embora.
Porém, ao alcançar o alpendre da casa principal, o ilustre hóspede sentiu que os proveitosos dias de ócio haviam, de fato, terminado, pois lá já o esperavam, devidamente arrumados, todas as pessoas que lhe fizeram companhia nesta viagem: sua esposa, Maria Augusta; a filha, Maria Adélia, o genro e as duas netas, além de assessores e alguns amigos que fizera em Santos, entre eles o próprio comendador Júlio Conceição e seu filho Oswaldo. Antes da partida, o anfitrião decidiu registrar o momento, mandando tirar uma foto para a posteridade, pedindo aos presentes que ocupassem os degraus da escadaria de entrada do palacete central do Parque Indígena.
Tão logo estourou o pó de magnésio (o flash fotográfico da época) da rústica máquina fotográfica, os acompanhantes de Ruy Barbosa se despediram dos santistas e passaram a ocupar os veículos com destino à Estação do Valongo, onde tomariam um trem com destino a São Paulo. O ilustre visitante ainda olhou mais uma vez na direção de seu cantinho especial, suspirou e confessou ao amigo Júlio Conceição que sentiria muita saudade daquele lugar mágico incrustrado na cidade de Santos. “O Parque Indígena é uma maravilha”, teria dito ao companheiro santista.
Um paraíso exótico
Não foi à toa o encantamento do grande polímata brasileiro pelo Parque Indígena, que era, de fato, um verdadeiro paraíso na orla santista, vizinho de outra grande atração da cidade: o Recreio Miramar, tido como o “Maior Centro de Diversões da América do Sul”. Inaugurado para o público em 1909, o lugar abrigava uma das maiores coleções de orquídeas do país, fruto da paixão do comendador Júlio Conceição pela fascinante planta exótica. O santista possuía nada menos do que 90 mil mudas originárias de vários cantos do mundo. Foi a partir deste conjunto inestimável que, na década de 1940, após a morte de Conceição, em 1938, a Prefeitura resolveu criar o Orquidário Municipal, no bairro do José Menino.
O espaço ainda abrigava um grande número de espécimes vegetais nativas do Brasil (cacaueiros, cafeeiros, ervas-mates, mamoeiros, mamoneiras e tamareiras). Isso sem falar de vários pequenos animais, como tartarugas da terra e muitos tipos de aves, como as gaivotas que tanto encantaram Ruy Barbosa, à vista de seu recanto. Havia também tanques com peixes lebistes (Guppy) e um reservatório com peixes-elétricos do Amazonas. Além da vegetação e dos animais, o parque reunia adornos curiosos, como alguns bancos feitos com ossos de baleia.
O Parque Indígena estava situado em um quadrilátero que compreendia as atuais quadras existentes entre a avenida Conselheiro Nébias e a Vicente de Carvalho (até o nº 14 – Edifício Igaratá), com profundidade até a atual rua Embaixador Pedro de Toledo (incluindo a Rua Ângelo Guerra e parte da Porchat de Assis). A propriedade abrigava uma residência, um pavilhão para exposição de flores (chamado de Mira-Flores), três pomares, além de jardins e um amplo gramado. Na parte mais próxima da orla havia cabines de banho para os visitantes e hóspedes que quisessem curtir a praia.
A entrada principal ficava na Avenida Conselheiro Nébias, onde um imponente portão de ferro, antecipando duas fileiras de palmeiras imperiais, oferecia ao visitante uma visão semelhante ao do Jardim Botânico do Rio de Janeiro. No muro de entrada, ainda, estavam dispostos dois leões de cimento, conferindo um ar de imponência ao lugar (um desses leões ainda existe sobre um dos portões do Estádio Hespanha, do Jabaquara AC, no bairro da Caneleira).
Águia de Haia
Em junho de 1907, Ruy Barbosa foi o escolhido do governo brasileiro para representar o país na Conferência da Haia (Holanda). Lá, ele enfrentou os defensores da proposta para a criação de uma corte de justiça internacional permanente comandada apenas pelas grandes potências – Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, com a ideia de criar um Tribunal de Arbitramento. Indignado, foi à tribuna de Haia e defendeu a tese de que, ante a ordem jurídica internacional, todas as nações eram iguais e soberanas. Sua atitude corajosa rendeu manchetes por todo o mundo, como o “homem franzino, de pouco mais de um metro e meio de altura”, que derrubou o argumento dos grandes países. Voltou para casa como um herói, um gigante, uma verdadeira Águia. E, foi em Santos, que a águia encontrou um ninho à sua altura.
Ruy Barbosa, que também foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras (1897), morreu com 73 anos de idade, em 1º de março de 1923. Na cidade santista, seu amigo Júlio Conceição, em sua memória, acabou batizando, em 22 de janeiro de 1932, o famoso cantinho da águia com o nome “Retiro de Ruy Barbosa”.