Manifestação, intitulada “Operação Válvula” se deu por conta do embate entre transportadoras e motoristas autônomos, por conta do valor dos repasses de fretes
Santos, fevereiro de 1959. Os acessos rodoviários ao porto de Santos estavam em ebulição. Mais de mil caminhoneiros autônomos protestavam contra o regime de repasse das contratações de fretes de carga que, na época, era estabelecido por empresas de transporte privadas. Sem encontrar uma solução plausível para a situação, foi deflagrada, por parte dos caminhoneiros autônomos, uma enorme paralização intitulada “Operação Válvula”, tida como a maior ação grevista de transportes rodoviários até então registrada no Brasil.
O início do movimento fora um tanto agressivo. Piquetes organizados esparramavam-se pela Via Anchieta, objetivando convencer outros motoristas pela adesão à greve. Por vários momentos houve a necessidade de acionar força policial para garantir os direitos de quem queria trabalhar, além de obrigar os caminhões carregados com gêneros perecíveis subirem a Serra e efetuarem suas entregas.
A greve havia sido deflagrada contra as empresas de transporte privadas que atuavam no porto de Santos. Desde 1949, o carregamento de mercadorias, do cais santista para São Paulo e interior, pela rodovia, se processava através de empresas que possuíam frotas consideráveis de caminhões. Com o passar dos anos, os negócios começaram a apontar prejuízos, obrigando tais empresas a venderem seus veículos e partirem para a alternativa de contratar autônomos, o que as tornava simplesmente “agenciadoras de transporte”. A medida fez surgir, então, a classe dos “carreteiros”, ou sejam, condutores autônomos que operam com veículos próprios, vivendo do que eles produzem.
Desde 1950, os ”pegas” entre carreteiros e empresas se sucediam. Para combater a concorrência as “agenciadoras” viviam reduzindo preços, obrigando os carreteiros a reduzirem também os seus. Praticamente todo o serviço dos condutores autônomos era contratado através dessas antigas empresas de transporte, que detinham a carteira de clientes. Dificilmente um autônomo conseguia fechar um frete diretamente com o importador. As agenciadoras mantinham pequenos escritórios, onde recebiam a demanda por telefone e contratavam os autônomos que quisessem, sem nenhum critério de ordem de chegada ou disponibilidade. Ficava assim estabelecida uma espécie de dependência, da qual as empresas abusavam de seu poder e contra a qual os carreteiros se rebelavam naquela greve de 1959. As agenciadoras recebiam, em média, uma comissão de 40 por cento sobre o valor do frete. Muitas vezes, a fim de enfrentar a concorrência, elas baixavam as tabelas usuais e obrigavam os carreteiros a reduzir seu ganho.
Naquele início de 1959, os carreteiros resolveram gritar. “Como poderemos viver sob tal regime?”, esbravejavam os líderes do movimento grevista. As empresas tabelaram, na época, em 600 cruzeiros (R$ 750,00 nos dias de hoje) o valor da tonelada de carga transportada de Santos para São Paulo, mas o valor repassado era de 250 cruzeiros por tonelada (R$ 312,50 nos dias de hoje). Porém, para não perder a clientela, as “agenciadoras” chegavam a baixar o valor para 380 cruzeiros (R$ 475,00 nos dias de hoje), repassando 158 cruzeiros (R$ 197,50 nos dias de hoje). Tal barganha só prejudicava o caminhoneiro autônomo, que alegava não conseguir nem pagar as despesas com tal valor reajustado pra baixo. Na época, um caminhão de 10 toneladas gastava, em cada viagem Santos-São Paulo, em média, dois mil cruzeiros (R$ 2.500,00 nos dias de hoje). Com o valor de repasse do frete, ganhava 2. 500 cruzeiros e até menos. A situação era ainda mais complicada considerando-se que 90 por cento dos carreteiros, naquela época, ainda pagavam prestações pela compra de seus veículos e que a manutenção dos veículos era cara, especialmente novos pneus.
Durante a briga, as empresas foram representadas pelo Sindicato das Companhias Rodoviárias, e os carreteiros pelo Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários. O presidente das agenciadoras, Fortunato Peres, numa reunião, chegou a dizer: “Com 250 cruzeiros por tonelada, de Santos a São Paulo (60 quilômetros), qualquer caminhão dá lucro. Tanto assim, que vou organizar uma frota“.
Os Condutores Autônomos não gostaram da declaração e, através dos membros da comissão da greve, Mário Vilela, Normando Gonçalves, Marcos Guarnieri e Carlos Antunes, responderam: “Das 46 empresas hoje existentes nas duas cidades – Santos e São Paulo -, apenas seis possuem caminhões próprios. Se o negócio desse lucro, realmente, nós não estaríamos nele. Ademais, cada viagem, embora de três horas, vale por um dia inteiro de trabalho, pois não transportamos carga de São Paulo para Santos, mas apenas no sentido inverso. Um caminhão novo custa mil e quinhentos contos, e os nossos, que compramos usados, custaram, em média 600 mil cruzeiros”.
Várias reuniões foram necessárias para que ocorresse o acordo com base na tabela que passou a entrar em vigor algum tempo depois, com repasse de 320 cruzeiros (R$ 400,00 nos dias de hoje) por tonelada. Enquanto isso, os prejuízos recaíam especialmente sobre os moradores de Santos e São Paulo, que ficaram pelo menos uma semana sofrendo as consequências da greve. Na época, os carreteiros transportavam 30% da carga do porto de Santos e constituíam o principal meio de escoamento dos pequenos produtores da cidade praiana para o mercado paulistano.