Santos, 28 de maio de 1866. A tarde descia tranquila sobre a Rua dos Quartéis — atual Xavier da Silveira (perimetral do porto no Centro Histórico) — quando a velha chácara da família Silva Gordo se encheu do burburinho festivo que anunciava um daqueles momentos familiares memoráveis. Já nas sombras longas do entardecer, Prudente de Morais Barros, ainda apenas um jovem advogado de trato fino e modos discretos, ajeitou o fraque escuro, as calças de listra e a gravata que lhe marcava o semblante sério. Não imaginava que o passo que daria naquela casa simples, com fundos para a antiga Rua Áurea (atual General Câmara), seria contado depois como o capítulo inaugural de uma vida pública destinada a mudar o país.
O então vigário da cidade de Santos, Serpião Ioulart Junqueira, abriu o livro, conferiu a provisão da Vigararia da Vara (em termos simples, era uma autorização oficial emitida pela autoridade eclesiástica responsável — o vigário da vara — para que determinado ato religioso pudesse ser realizado fora dos moldes ordinários da paróquia) e, seguindo as regras do Concílio de Trento*, declarou que ali, diante das testemunhas José Antônio da Silva Gordo e José Antônio de Faria, estavam prontos a se unir o doutor Prudente de Morais Barros e a jovem Adelaide Benvinda da Silva Gordo, filha legítima do dono da casa e da senhora Ana Brandina. Era pouco mais de seis e meia quando as palavras de presente selaram o matrimônio, e Santos, sem saber, assistiu ao enlace daquele que viria a ser o primeiro presidente civil da República, homem de caráter firme, tato político refinado e espírito culto, cuja trajetória ainda repousava adormecida, discreta como a luz daquele fim de tarde.
Como Morais se tornou presidente da República
Nascido em Itu em 4 de outubro de 1841, Prudente de Morais consolidou sua trajetória política nas estruturas iniciais da República recém-proclamada — 23 anos após ter se casado em Santos. Formado em Direito, integrou a junta governativa que assumiu o comando de São Paulo em 1889 e, na sequência, governou o estado entre 1889 e 1890. Sua atuação nesse período de transição institucional projetou seu nome para a política nacional.
Eleito senador por São Paulo, presidiu a Assembleia Nacional Constituinte responsável pela Constituição de 1891 e exerceu, no mesmo ano, a vice-presidência do Senado. Disputou a presidência da República na eleição indireta de 1891, sendo derrotado por pequena margem por Deodoro da Fonseca. Posteriormente, assumiu a presidência do Senado, substituindo Floriano Peixoto quando este ocupou a chefia do Executivo. Em 15 de novembro de 1894, foi eleito presidente da República pelo voto direto, tornando-se o primeiro civil a ocupar o cargo. Prudente de Morais faleceu em Piracicaba em 13 de dezembro de 1902.
Marcas de Morais em Santos
No Instituto Historico e Geográfico de Santos há uma escrivaninha que pertenceu ao primeiro presidente civil da história brasileira, doada nos anos 1960.
* As regras do Concílio de Trento, no caso do casamento de Prudente de Morais, diziam respeito ao conjunto de normas que exigiam: presença de autoridade eclesiástica; comprovação de estado livre; proclamas e rito público; e autorização formal quando tudo isso acontecia fora da paróquia. Como o casamento ocorreu numa chácara particular, só pôde ser realizado dessa forma porque a Vigararia da Vara expediu a provisão tridentina, permitindo a celebração excepcional.