Rua João Pessoa: 200 anos de histórias

No ano de 1817, Santos era apenas uma pacata vila portuária que não ostentava a mesma importância dos seus primeiros momentos da colonização. As maiores atividades econômicas e produtivas do Brasil de então se concentravam no Nordeste (cana-de-açúcar) e nas Minas Gerais (extração de pedras preciosas). À área da antiga Capitania de São Vicente cabia tão somente uma pequena atividade agrícola, de reduzida exportação, e uma modesta parcela na extração de minérios preciosos. O café, que viria a se tornar o divisor de águas na história paulista, e consequentemente de Santos e seu porto, ainda era timidamente produzido na serra fluminense e só chegaria ao Vale do Paraíba em 1825.

Primeira fotografia da atual Rua João Pessoa, quando ainda era chamada de Rua do Rosário, em 1865.
Primeira fotografia da atual Rua João Pessoa, quando ainda era chamada de Rua do Rosário, em 1865. Foto de Militão Augusto de Azevedo.

Neste cenário, de uma cidade ainda considerada estratégica para a navegação no Atlântico Sul, Santos ostentava cerca de cinco mil habitantes. Segundo o Censo de 1816, eram 1.236 homens, 1.591 mulheres (total 2.827 habitantes livres) e 2.053 escravos (de ambos os sexos). A maior parte desta massa populacional se concentrava entre o Valongo (Rua São Bento) e a Rua Josefina (atual Rua da Constituição), no sentido leste-oeste; e entre as ruas da Praia e dos Quarteis (lado do estuário) e as ruas Áurea (atual General Câmara) e do Campo (atual Praça Mauá), no sentido norte-sul. Mas era preciso avançar. E à época, decidiu-se em fazê-lo na direção do Monte Serrat, com a criação da Rua 28.

 
Cubatãozinho e a Igreja do Rosário
Nos primeiros anos do novo caminho santista, a população deixou de lado a sua numeração cadastral (28) e passou a chama-la extraoficialmente de “Cubatãozinho”. O motivo era de que o visual do lugar fazia lembrar o Porto Geral de Cubatão, onde também havia um morro nas cercanias (parecido com o Monte Serrat) e algumas casinhas muito semelhantes com a daquela localidade. Porém, em razão da presença marcante da Igreja do Rosário dos Homens Pretos (cuja obra ainda estava inacabada, apesar de ter sido iniciada em 1757) no final da via, a mesma passou a ser chamada de Rua do Rosário, nome este que acabou se consolidando por bastante tempo. 
Por volta de 1820, a Rua do Rosário abrigava 33 casas, de ambos os lados da via e se tornava uma passagem praticamente obrigatória para que transitava da região da Barra (atual orla de Santos) para o Valongo e Saboó. 
 
O primeiro alargamento
Em cerca de 1880, a via já conseguia atingir sua extensão máxima, com 1,6 km, tornado-se a maior da cidade santista, ao lado da Rua das Flores (atual Amador Bueno). Porém, ao contrário desta, a Rua do Rosário se revelou mais estratégica para a fluidez do trânsito na velha cidade e, assim, alguns anos mais tarde decidiu-se iniciar nela um processo de alargamento, o que iria proporcionar um fluxo mais amplo para o tráfego de carroças, coches e bondes puxados a burro.
Em 1904, a municipalidade deu início, então, à demolição de velhos quarteirões na região do Largo do Rosário e do Beco do Inferno (trecho da atual rua Frei Gaspar), transformando radicalmente a paisagem daquele trecho da cidade e apontando o futuro da Rua do Rosário. Eram, definitivamente, tempos de mudanças. A cidade de Santos, de fato, ostentava entusiasticamente a riqueza resultante do comércio do café. 
 
Duque de Caxias, a proposta que não vingou
Em 1919, o então vereador Benedito de Moura Ribeiro lançou na Câmara Municipal uma proposta que deu o que falar. Ele sugeriu que se trocasse o tradicional nome da Rua do Rosário pelo do famoso militar brasileiro, Luis Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, heroi da Guerra do Paraguai. Mas a proposição não encontrou coro entre seus pares. A homenagem seria transferida para uma nova rua no bairro do Campo Grande, em 1923.
 
Trabalhadores portuários definem mudança do nome
Se o vereador não logrou êxito na tentativa de rebatizar a mais importante via do Centro da cidade, o mesmo não se aplicou em relação à força popular.  Em julho de 1930, centenas de trabalhadores portuários, na sua maioria de origem nordestina, promoveram uma enorme passeata cívica, exigindo que se desse o nome do governador da Paraíba e ex-candidato a vice presidência da República na chapa de Getúlio Vargas, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque (que havia sido assassinado poucos dias antes), à tradicional rua santista. O movimento dos trabalhadores foi tão intenso que já em 23 de dezembro acontecia a alteração, por força do decreto 6, baixado pelo prefeito municipal engenheiro Elias Machado de Almeida.
 

 

Alargamento da Rua João Pessoa, nos anos 1970. Imagem tirada a partir do prédio do Jornal A Tribuna.
Alargamento da Rua João Pessoa, nos anos 1970. Imagem tirada a partir do prédio do Jornal A Tribuna.

O alargamento definitivo e a troca de mão

Por quatro décadas, após o rebatismo da via, a Rua João Pessoa mantinha seu fluxo de trânsito invertido ao atual, ou seja, da Praça dos Andradas para o Paquetá. Além disso conservava sua característica original, estreita, com duas pistas de rolamento. Foi então que a Prefeitura deu início a um amplo projeto de alargamento, duplicando de 10 para 20 metros, a largura da via. As obras se arrastaram por alguns anos na década de 1970, finalmente concluída em dezembro de 1978. Algum tempo mais tarde, a municipalidade decidiu inverter a mão de tráfego de algumas ruas do Centro, como a Amador Bueno e a João Pessoa, para facilitar o fluxo do trânsito de quem vinha da região da orla para o Centro e à saída da cidade.
Nos dias de hoje, a João Pessoa ocupa um papel fundamental na fluidez do tráfego do Centro Histórico. Para o futuro, aventa-se a possibilidade de abrigar o traçado do VLT (Veículo Leve sobre Trilho), o que poderá lhe conferir um ar futurista, bastante justo perante sua importânia histórica.
 
Curiosidades da Rua

Berço do Peixe
Foi na Rua do Rosário, nº 18, que, em 14 de abril de 1912, três esportistas da cidade, Francisco Raymundo Marques, Mário Ferraz de Campos e Argemiro de Souza Júnior, fundaram um time de futebol que se tornaria um dos maiores do mundo, o Santos Futebol Clube. O local abrigava a sede do Clube Concórdia, no andar superior, e a padaria Suissa, no térreo.
 
Lado antigo e lado novo
Por conta do alargamento dos anos 1970, quem olha para o lado direito da rua (no sentido Praça dos Andradas-Porto) vai notar fachadas antigas, e do lado esquerdo apenas fachadas modernas. Isso porque foi do lado esquerdo que ocorreram as desapropriações de demolições.
 
Rua do Rosário nos anos 1920.
Rua do Rosário nos anos 1920.
Rua João Pessoa nos anos 1990.
Rua João Pessoa nos anos 1990.
Rua João Pessoa nos anos 1960, nas proximidades do Paquetá.
Rua João Pessoa nos anos 1960, nas proximidades do Paquetá.
João Pessoa: Sua morte foi um dos argumentos que os revolucionários de 1930 utilizaram para justificar o Golpe de Estado, que depôs o então presidente Washington Luiz em favor da posse de Getúlio Vargas.
João Pessoa: Sua morte foi um dos argumentos que os revolucionários de 1930 utilizaram para justificar o Golpe de Estado, que depôs o então presidente Washington Luiz em favor da posse de Getúlio Vargas.
 

 

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