Medalhas doadas pelo Clube de Regatas Vasco da Gama para a Campanha do Ouro Para a Vitória
Só de ouro, em um mês e meio, foram cerca de 60 quilos arrecadados, um montante que hoje valeria R$ 25 milhões.
Santos, 12 de agosto de 1932. O salão da Associação Comercial de Santos estava repleto de cidadãos santistas empenhados em fazer a Campanha do Ouro dar certo na cidade. Lançada na capital dias antes, a meta era arrecadar donativos e peças de ouro e prata para apoiar a causa revolucionária paulista. Às 10 horas, o prefeito de Santos, Aristides Bastos Machado, junto com outras autoridades, inaugurou oficialmente o Departamento do “Ouro da Vitória”.
Em breves palavras, o presidente da comissão executiva, padre João Baptista de Carvalho, declarou aberta a nova seção de trabalhos na Associação Comercial, destinada a receber donativos em ouro e outros metais preciosos. Em seguida, dirigindo-se ao povo reunido em frente à sede, explicou a importância patriótica da campanha, que começava com grandes expectativas.
O padre destacou a importância de participação na campanha “Ouro para a Vitória”, de pessoas de todas as classes sociais, para que doassem joias e objetos preciosos em apoio à causa revolucionária paulista. Carvalho elogiou os gestos de desprendimento e patriotismo até então demonstrados pelos cidadãos, ressaltando o valor moral dessas contribuições.
Seu discurso também fez uma comparação histórica com a resistência de países como Bélgica e França durante a Primeira Guerra Mundial, destacando a importância da resistência moral e material para alcançar a vitória. Ele lembrou que a guerra não se resumia apenas aos soldados na trincheira, mas também envolvia o esforço contínuo das populações, da administração do Estado, do comércio e da indústria.
O padre conclamou os santistas a manterem a moral elevada, a resistirem e a persistirem, utilizando todos os recursos disponíveis, tanto materiais quanto morais, e sublinhou que a luta pela liberdade e pela justiça exigia dedicação e sacrifício de todos, destacando o papel vital das mulheres e das famílias no apoio à causa.
Sua fala calorosa e eloquente foi muito aplaudida. O evento foi ainda abrilhantado pelas bandas de música do Corpo de Bombeiros e dos alunos do Instituto Dona Escolástica Rosa. O grupo dos Escoteiros Católicos também participou, realizando uma passeata pela cidade e retornando em frente à Associação.
Clubes doam medalhas e troféus
Nos dias que se seguiram, quilos de ouro, prata, bronze e outros metais eram doados ao esforço de guerra, sendo recolhidos na Associação Comercial de Santos. Os clubes esportivos, culturais e sociais de Santos e região eram os maiores contribuintes à causa.
O Clube de Regatas Vasco da Gama, por exemplo, fez uma doação notável ao oferecer todos os troféus e medalhas que o clube havia conquistado até aquele momento. O valioso conjunto incluía medalhas de ouro de 24 quilates, medalhas de prata com bordas em ouro, medalhas de prata e bronze, além de 39 troféus e 17 peças de bronze.
O Internacional de Regatas se desfez de 338 medalhas, sendo 26 de ouro, 131 de prata e 80 de bronze. Entre as de ouro, destacavam-se 1 com 3 brilhantes, conquistada em 1911 e doada nelo “Café Paulista, 7 do Campeonato de Remo do Estado de São Paulo e 3 da Taça Câmara Municipal de Santos.
A lista dos clubes era grandes, incluindo agremiações de todos os portes, desde o Santos Futebol Clube, Saldanha da Gama, Tumiarú de São Vicente, Portuguesa, Hespanha (Jabaquara), Regatas Santista, Atlético Santista, até os menores, como o Clube da Esquina, dos Armazens Gerais, Águia Futebol Clube, Esporte Clube Senador Feijó, E.C. São Bento, Itapema F.C., entre outros. Grupos Carnavalescos, como o Tricanas de Coimbra, Bloco das MIsses e Sapeca Choro, também participaram.
Artistas e atletas também oferecem seus prêmios
O número de atletas, de diversas modalidades esportivas, e artistas de vários segmentos culturais que aderiram à campanha foi grande. Todos doaram suas medalhas e troféus conquistados ao longo de suas carreiras. Para o registro oficial, eram montados cenários com bandeiras, fotos dos doadores e outros objetos, tornando o gesto conhecido pelo público. Quase todos os remadores dos clubes de regatas participaram da missão, assim como atletas do futebol. No campo cultural, poetas e músicos também deram sua contribuição. Muitos artistas plásticos doaram quadros e outras peças artísticas, que foram leiloadas para arrecadar fundos para o esforço de guerra.
Um exemplo de “amor à causa paulista” foi o do atleta Fernando Barroso Ratto, do Clube de Regatas Saldanha da Gama, que entregou à Campanha “Ouro para a Vitória” todas as suas medalhas de ouro, prata e bronze, conquistada em diversas modalidades.
Metade da meta batida
Ao término da arrecadação, em setembro de 1932, Santos já havia registrado mais de 7 mil contribuintes, resultando em aproximadamente 60 quilos de ouro, equivalente a meia grama por pessoa (naquele período, a cidade tinha cerca de 120 mil residentes). A meta inicial era de um quilograma por pessoa, mas a metade alcançada foi considerada um grande sucesso. Convertendo para o valor atual do ouro (R$ 423,55 em julho de 2024), o montante arrecadado em 1932 seria equivalente a R$ 25 milhões. Uma baita contribuição de Santos à causa.
Santa Casa herda remanescente
Nem todo o ouro arrecadado foi utilizado no esforço de guerra. Com a rendição de São Paulo em 1º de outubro de 1932, parte do ouro coletado em Santos foi destinada à Santa Casa. Esses recursos foram usados para construir um pavilhão para tuberculosos em Campos do Jordão, concluído em 1935. Nesse caso, o ouro, fruto do sacrifício e da colaboração da comunidade, serviu a uma causa de paz e esperança. Nada mais justo na terra da caridade e da liberdade.
Venda para compra de armas, capacetes, comida, remédio e roupa
Todas as peças de ouro, prata e bronze eram derretidas e vendidas. Com o dinheiro obtido, os paulistas compraram capacetes, armas, balas de canhão, alimentos, medicamentos e roupas. O doador recebia um anel gravado com o símbolo da revolução ou um diploma que atestava seu compromisso com a causa.