Santos celebra reinauguração histórica do Theatro Colysey em grande estilo

O Coliseu, no dia da reinauguração

Há 100 anos, a cidade parou para prestigiar a repaginação do mais luxuoso teatro da cidade. No palco, a “Bela Adormecida”

Santos, sábado, 21 de junho de 1924. A cidade vibrava em festa absoluta. O mundo cultural santista ressoava intensamente com a reinauguração, ou melhor dizendo, a repaginação completa de um dos mais simbólicos espaços de arte da terra santense: o Theatro Colysey (aqui na sua bela e charmosa grafia de época). O acontecimento se consolidara como um marco na história cultural de Santos, reunindo a elite da sociedade local e importantes figuras políticas, confirmando o status da cidade como um centro progressista e amante das artes.

Os que chegavam aos poucos, lotando as imediações da encantadora Praça José Bonifácio, ficaram encantados com o belo prédio. Era impossível não ficar extasiado diante de tão graciosa construção. A majestosa sala de espetáculos do Colyseu, com sua luxuosa decoração, então, era um espetáculo completamente à parte. Suntuosamente elegante, o lugar mostrou um requinte e uma sobriedade que rivalizam com as melhores casas de espetáculos das grandes capitais. Santos, conhecida por seu comércio vibrante e espírito progressista, demonstrou, mais uma vez, sua capacidade de valorizar e promover a cultura artística.

Diversas autoridades estiveram presentes na inauguração, assim como boa parte da elite santista

Presença do Governador do Estado de SP

A cerimônia de inauguração contou inclusive com a presença ilustre de Carlos de Campos, presidente do Estado (nome do cargo à época – equivalente ao de governador), que chegou à cidade acompanhado de sua comitiva oficial às 17h30. Recebido com honras na estação ferroviária do Valongo, ele foi primeiramente conduzido ao Hotel Parque Balneário, onde a Empresa Cine-Theatro (proprietária do Colyseu) lhe ofereceu um banquete em homenagem ao evento.

Após o laudo jantar, às 21 horas, Campos e sua comitiva dirigiram-se ao Colyseu Santista. E chegaram em grande estilo, recepcionados ao som do hino nacional, executado pela banda dos Bombeiros no “foyer” do teatro. A entrada triunfal no teatro foi saudada ainda com estrepitosos aplausos pela seleta assistência.

Dentro do teatro, sob a regência hábil do maestro Felippo Alessio, a orquestra da cidade executou o hino nacional, que foi ouvido com respeito e emoção por todos os presentes. A seguir, o ilustre tribuno da noite, João Carvalhal Filho, proferiu um discurso brilhante, agradecendo ao presidente em nome da Empresa Cine-Theatro Colyseu por sua presença e destacando a importância cultural do novo teatro para a cidade de Santos.

A peça de estreia da reinauguração foi “A Bela Adormecida”

No palco, a “Bela Adormecida”

A noite prosseguiu com a aguardada apresentação da ópera “Bella Adormecida”, que começou com um prólogo emocionante, seguido pelo corpo coral composto por alunos do Conservatório de São Paulo. A excelência musical da obra, combinada com um cenário suntuoso e figurinos elegantíssimos, transportou a plateia para uma outra época.

A protagonista, Herminia Russo, encantou a todos com sua voz cristalina e interpretação impecável, enquanto o tenor João Girardelli, no papel do príncipe, foi igualmente aclamado por sua performance. Os outros intérpretes, mesmo enfrentando ajustes de última hora, mostraram-se dignos de aplausos, consolidando o sucesso da noite.

Homenagens

No final da apresentação, o commendador Fins Freixo, proprietário da Empresa Cine-Theatro Colyseu, subiu ao palco para entregar ao presidente de São Paulo, Carlos de Campos, uma estatueta de marfim e bronze, como lembrança da noite inesquecível. O maestro Felippo Alessio também foi homenageado com uma medalha de ouro, em reconhecimento à sua contribuição artística.

Após a cerimônia, o presidente e sua comitiva dirigiram-se ao salão nobre, onde um grande baile se prolongou até as primeiras horas da madrugada, reunindo a elite santista em um ambiente de celebração e alegria.

Às 2 horas da manhã, Campos e sua comitiva retornaram à capital, levando consigo a lembrança de uma noite que ficaria para sempre na história cultural de Santos, fazendo com que a inauguração do Theatro Colyseu Santista, ocorrida há 100 anos, se consolidasse como um  compromisso da cidade com a arte e a cultura.

A casa ficou cheia na noite de reinauguração

ANTES E DEPOIS

ANTES (1897/1924)

O Coliseu foi o espaço cultural que mais sofreu modificações estruturais ao longo de sua história. Inaugurado em 1897 como um velódromo com arquibancada e área de lanches, era propriedade dos empresários José Luiz de Almeida Nogueira, Heitor Peixoto, Ricardo Travessedo e Henrique Porchat de Assis. Em 1905, o empresário espanhol Francisco Serrador Carbonell adquiriu a empresa, transformando o local em um espaço robusto voltado às atividades culturais, com cinema ao ar livre e palco para encenações teatrais. Este novo Colyseu Santista, inaugurado em 1909, logo se tornou um sucesso entre os santistas, abrigando grandes encenações e eventos.

Em 1923, o empresário Manuel Fins Freixo, já proprietário do Cine Polytheama Rio Branco, adquiriu o Coliseu. Visando aproveitar o crescente sucesso do cinema, Freixo decidiu reformar completamente o espaço, insatisfeito com o antigo cinema ao ar livre. Assim, o Coliseu passou por mais uma transformação, consolidando-se como um importante ponto de encontro cultural, atraindo renomados artistas nacionais e internacionais, além de ser palco de bailes de Carnaval e festas infantis.

DEPOIS (1925-2024)

Posteriormente à sua reabertura, o Coliseu se tornou a principal casa de espetáculos da cidade e foi até palco da estreia do cinema falado em Santos em 28 de setembro de 1929, marcando o início de uma nova era em suas atrações, com os filmes dominando a programação a partir da década de 1950. Com o fortalecimento do lazer na área da orla praiana, o Coliseu começou a entrar em decadência, principalmente a partir dos anos 1960, quando a ala posterior do prédio foi demolida para a construção de um posto de gasolina, e o hall de entrada transformado em lojas comerciais. Na década seguinte, o Coliseu passou a exibir filmes e shows pornográficos, refletindo a queda em sua importância cultural.

Nos anos seguintes, a família Freixo tentou demolir o prédio para construir um mini-shopping, mas foi impedida pelo tombamento do patrimônio em 1989. Após um processo de desapropriação, o Coliseu foi declarado de Utilidade Pública em 1992 e iniciou obras de restauração em 1994. As obras, que revelaram as belezas originais do teatro, se estenderam por mais de uma década. A partir daí, o Coliseu se viu em torno de uma verdadeira novela com roteiros de tragicomédia, sendo aberto e fechado pelo poder publico de tempos em tempos. Hoje está fechado, aguardando mais uma vez ter a oportunidade de reviver os tempos áureos de cem anos atrás.