Santos é tema de cartões estereoscópicos para uma marca de cigarro internacional, em 1927.

A imagem da Praça Ruy Barbosa e a estátua de Bartolomeu de Gusmão pela lente do inglês James Daerden Holmes, em 1927.
A imagem da Praça Ruy Barbosa e a estátua de Bartolomeu de Gusmão pela lente do inglês James Daerden Holmes, em 1927.

Santos, 18 de dezembro de 1927. O fotógrafo inglês James Dearden Holmes andava de um lado para o outro na movimentada praça Ruy Barbosa, tentando encontrar o melhor ângulo para registrar a imagem do belíssimo monumento dedicado ao padre Bartholomeu Lourenço de Gusmão, o santista que encantou o mundo ao inventar o balão (em 1709), por ele batizado de aeróstato, a primeira máquina voadora produzida pelo homem. Aquela era uma foto especial, talvez a mais significativa entre as tantas outras que Holmes tiraria da cidade a fim de exibi-las por meio do produto de seu principal cliente, uma indústria de cigarros, a Cavenders, marca famosa em todo o globo em razão dos brindes diferenciados que inseria junto aos maços: os cobiçados cartões estereoscópicos.

Após dedicar uns bons minutos analisando os ângulos mais adequados, Holmes apontou sua câmera especial com duas lentes paralelas para registrar, enfim, a imagem que tanto desejava. Missão cumprida, era hora de recolher o equipamento e partir para os novos “alvos”: o Porto, a Bolsa de Café e outros logradouros chamativos da pujante cidade portuária brasileira.

Um estereoscópio do início do Século 20.
Um estereoscópio do início do Século 20. Junto, os cartões da marca de cigarros Cavenders.

Os cartões estereoscópicos

A década de 1920 imprimiu um ciclo de grandes transformações tecnológicas. O mundo vivia um hiato de paz, por conta do fim da Primeira Grande Guerra, permitindo às cabeças pensantes do globo dedicarem seus conhecimentos aos avanços em todas as áreas, como no cinema e na fotografia. As duas “artes”, assim, despertavam para as inovações. No entanto, havia uma técnica fotográfica que, apesar de antiga, se mantinha no topo da “moda”, em especial na produção de “souvenirs”. Era a estereoscopia, que se apoiava na visualização de um objeto a partir de dois pontos de observação próximos, chamados paraaxiais, ou “eixos vizinhos”.

O conceito, apesar de teorizado por grandes gênios da humanidade, como Archimedes e Leonardo da Vinci, só foi, de fato, colocado em prática com o advento da fotografia, pelas mãos de Sir Charles Wheatstone (1802-1875), que conseguiu, em 1833, demonstrar fisicamente o fenômeno da estereoscopia. Mas coube a um escocês, o cientista David Brewster, onze anos depois (1844), a prerrogativa da  invenção do estereoscópio prismático, o equipamento que popularizou e difundiu a técnica durante boa parte dos séculos 19 e 20. Por ele, qualquer pessoa poderia testemunhar o resultado final do trabalho. Parecido com um binóculo, o estereoscópio “unia” as duas imagem em uma, e esta se revelava tridimencional, ou 3D.

Ela, assim, se tornou um dos “carros-chefes” da indústria fotográfica, despertando interesse maior até mesmo do que o da fotografia comum. Em razão disso, havia um enorme número de empresas que se dedicavam à comercialização de cartões postais fotográficos com vistas estereoscópicas, das mais variadas.

O sistema com duas imagem, vistas por meio do aparelho estereoscópio, permite que se veja a foto de forma tridimensional.
O sistema com duas imagem, vistas por meio do aparelho estereoscópio, permite que se veja a foto de forma tridimensional.

Entre tantas, destacavam-se a London Stereoscopic Society e The Stereoscopic Company (ambas do Reino Unido), a Jules Richard (da França), que popularizou o sistema Verascope, e as companhias norte-americanas H.C. White e Keystone View Co., esta última a mais longeva de todas, tendo existido até os anos 1970. A Keystone lançou, em 1939, o mais popular dos sistemas estereoscópicos até hoje conhecido. o sistema de discos “View-Master”.

Estereoscopia no Brasil

O Brasil foi um país privilegiado por testemunhar algumas das primeiras experiências fotográficas realizada no mundo. O desenhista e inventor francês Antoine Hercules Romuald Florence, por exemplo, vivia no país (na província de São Paulo) quando protagonizou algumas experiências pioneiras. Há quem diga que foi ele que, em 1834, criou o termo “photographie”, que balizou o nome desta ciência e atividade.

Outra vantagem brasileira foi o fato de o imperador D. Pedro II ter sido um grande entusiasta  do processo, estimulando a entrada no país de profissionais como o alemão Evert Henry Klumb (aqui chamado de Henrique Klumb, com estúdio na Rua dos Ourives, 64, Rio de Janeiro), responsável pela introdução do sistema estereoscópico no Brasil. Ele chegou a dar aulas de fotografia para a princesa Isabel e se tornou figurinha conhecida na Corte do Império. Outros fotógrafos, curiosos com o resultado final dos trabalhos de Klumb, tambem passaram a adotar o processo, e isso acabou correndo o país com o tempo.

Brindes nos maços de cigarro

A indústria de tabaco internacional foi uma das que descobriram o gosto da sociedade por este tipo de arte e passou a inserir, como brinde, cartões fotográficos produzidos com a técnica estereoscópica. No Brasil, o industrial português José Francisco Correia, resolveu ir na onda do mercado e passou a difundir este tipo de trabalho artístico (fotografias e figurinhas)aos consumidores de sua manufatura de cigarros, a conhecida marca “Veado”.

James Holmes em Santos

A mania estereoscópica já rodava o mundo quando o britânico James Dearden Holmes resolveu entrar na “dança”. Fotógrafo renomado em seu país, ele foi contratado pela Companhia Cavenders, de cigarros, para produzir fotografias em diversos lugares do globo terrestre. Holmes viajou muito, visitando os destinos mais exóticos e importantes do planeta, desembarcando em países como o Egito, Índia, Sri Lanka, Birmânia, Paquistão, Austrália, Nova Zelândia, Fiji, Tonga, Samoa, Nova Guiné, Bornéu, Indonésia, Singapura, Malásia, Tailândia, Vietnã, Camboja, Hong Kong, Macau, China, Coreia do Sul, Japão, Havaí, EUA, Canadá, México, Cuba, Jamaica, Costa Rica, Panamá, Peru, Chile, Argentina, Uruguai, Portugal e Brasil.

Aqui, em terras brasileiras, Holmes privilegiou apenas oito destinos: Belém, Manaus, Maceió, Fortaleza, Recife, Salvador, Rio de Janeiro e Santos (a única que não é capital estadual).

Várias cenas de 1927, no trabalho do inglês James Holmes. Aqui aparecem a Rua XV de Novembro (fotos 1 e 4), Praça da República e Estátua de Braz Cubas (foto 2) e Rua do Rosário (foto 3)
Várias cenas de 1927, no trabalho do inglês James Holmes. Aqui aparecem a Rua XV de Novembro (fotos 1 e 4), Praça da República e Estátua de Braz Cubas (foto 2) e Rua do Rosário (foto 3)

A presença da cidade litorânea paulista se deu em função de sua notoriedade internacional, na condição de maior porto de café do mundo, além do fato de ter sido berço de grandes nomes, como o padre Bartolomeu de Gusmão e o patriarca da Independência do Brasil, José Bonifácio.

Holmes se encantou com as belezas arquitetônicas santistas, em especial o imponente prédio da Bolsa do Café, inaugurado havia apenas cinco anos antes. Ele registrou pelo menos dez fotos do espaço, com imagens da fachada principal e da posterior, a que ficava ao lado do velho prédio da Western.

Não há como mensurar a quantidade de imagens que o fotógrafo britânico tirou da cidade de Santos. Após semanas de pesquisa, conseguimos descobrir 28 conjuntos de fotos estereoscópicas disponibilizados em um website de origem inglesa, que informa possuir uma coleção chamada “A Viagem Mundial pelo renomado fotógrafo J. Dearden Holmes (World Travel by renowned British photographer J. Dearden Holmes) contendo 9.391 negativos.

Segundo o website, “as datas exatas da viagem são desconhecidas, mas estima-se que tenham ocorrido entre 1915 e 1930, a partir do exame do conteúdo das fotos, tiradas com uma câmera estereoscópica. A maioria das imagens produzidas de Holmes nesta viagem ao redor do mundo não estão disponíveis em nenhum outro lugar”.

Câmera estereoscópica.
Câmera estereoscópica.

 

Algumas cenas do Porto de Santos em 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.
Algumas cenas do Porto de Santos em 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.

 

Cenas na Bolsa do Café, 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.
Cenas na Bolsa do Café, 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.
Trabalhadores no Porto de Santos. Fotos: J. Dearden Holmes.
Trabalhadores no Porto de Santos. Fotos: J. Dearden Holmes.
Mais cenas do Porto de Santos em 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.
Mais cenas do Porto de Santos em 1927. Fotos: J. Dearden Holmes.
Os cigarros “Cavenders” vinham acondicionados em latas. Dentro, as fotos eram brindes.
Os cigarros “Cavenders” vinham acondicionados em latas. Dentro, as fotos eram brindes.