Em meados do século 19, a cidade de Santos começou a atrair a atenção de empresários ingleses, muitos interessados em explorar os serviços que giravam em torno da expectativa de crescimento daquele que prometia ser o maior porto da América Latina. Primeiro foram os ingleses do setor ferroviário, da São Paulo Railway; depois vieram os que passaram a explorar os serviços de distribuição de água, luz elétrica e transporte público, com a The City of Santos Improvments, empresa constituída em Londres, em 1880; seguidos por diversas empresas do setor de exportação e importação, sistema de correios internacional e telegrafia.
Era tanto britânico na cidade, que Santos passou a ter um clube exclusivo para eles poderem jogar Criquete e Badmington (Ingleses), um cemitério e uma igreja alinhada ao pensamento anglicano, além de bares, hotéis e outros lugares e elementos que os faziam se sentirem em “casa”. E uma das coisas que não podia faltar era, definitivamente, um relógio pontualmente britânico.
Essa lacuna foi majestosamente preenchida pelo relógio da Western Telegraph, instalado em meio a uma imensa festa promovida pela comunidade britânica santista, em 1914. Este relógio era, e permaneceu sendo, o único equipamento do gênero no Brasil, trazido de Londres e acertado de acordo com as horas fornecidas desde Greenwich, pela rádio estatal inglesa, BBC (British Broadcasting Company). Era pontual pra valer!
O maquinário, de quase 2.500 quilos, foi instalado no alto de uma torre especialmente construída no prédio da companhia telegráfica (que ficava no Largo Senador Vergueiro, ao lado da Bolsa do Café), e podia ser visto de vários pontos da cidade e, principalmente, do cais do porto. Muitos dos navios que chegavam a Santos se baseavam nele para saber a hora correta.
Os santistas, mesmo os não britânicos, se acostumaram com sua pontualidade a tal “ponto”, que o elegeram o “Big Ben” de Santos. Se o relógio do cidadão não coincidia com o da Western, definitivamente o do cidadão era que estava errado.
Pontualidade até no fim
O relógio mais emblemático da história santista foi pontualmente britânico até na sua desativação, ocorrida exatamente às 12 horas do dia 25 de abril de 1973. Junto com ele, paralisou-se também as atividades da agência inglesa de telegrafia internacional. O prédio, então, foi vendido para a Companhia Docas de Santos (CDS) e foi demolido. O relógio, felizmente, foi guardado.
Após sua desativação, o maquinário inglês ficou sob a custódia da CDS e depois da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que o manteve em suas oficinas por muitos anos até ser quase esquecido.
Em 1992, a estatal portuária apresentou um plano para reativá-lo, mas que não deu certo por causa da ausência de recursos financeiros suficientes para viabiliza-lo. Mais uma vez, o relógio da Western voltou a amargar um longo período de esquecimento. O equipamento só sobreviveu ao tempo por conta do desprendimento de alguns funcionários do porto, que cuidaram para que suas peças não se perdessem. Essa atitude permitiu a possibilidade da recuperação do maquinismo realizada a partir dos anos 2000.
Recuperado pelo Senai e com manutenção promovida por um relojoeiro especialista em maquinários de grande porte, tudo bancado pelo Rotary Clube de Santos, com a fiscalização do Ministério Público e Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico de Santos (Condepasa), o equipamento está até hoje prontinho para voltar ao trabalho, só lhe faltando um lugar para encaixa-lo, ou seja, uma torre, que deveria ser construída numa área junto ao porto, seja nas proximidades do Valongo (seu local de origem) ou na Bacia do Mercado. O problema é que ambas as regiões carecem de um processo mais amplo de revitalização, motivo da demora da decisão.
O que resta, então, é torcer para que haja um final feliz ao nosso “Big Ben”. Que ele volte para ser mais um cartão postal da nossa Santos.