Rio de Janeiro, 4 de novembro de 2010. A expectativa era pulsante, incontestavelmente sentida por todos os cantos da enorme sala de 200 metros quadrados que o famoso arquiteto Oscar Niemeyer mantinha há décadas no 10º andar do Edifício Ypiranga, situado na aprazível Avenida Atlântica, 3.940, diante do mar de Copacabana. Eram quase três horas da tarde e todos queriam testemunhar um encontro de “titãs”, de majestades. De um lado, um dos maiores expoentes da arquitetura nacional, o anfitrião; do outro, o visitante, Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, soberano dos gramados do esporte mais popular do planeta, o futebol.
A pauta do encontro não se dera por questões atinentes tão somente à notoriedade da dupla, mas sim pela apresentação de uma obra de arte para um velho artista da bola. O arquiteto, sabedor do projeto que estava transformando os Casarões do Valongo, em Santos, no futuro Museu Pelé, queria encaminhar sua modesta contribuição, na forma de um monumento magistral, com a assinatura Niemeyer. Era a oportunidade única de o rei do futebol trocar passes perfeitos com o centroavante da arquitetura nacional.
Quando o relógio apontou 15h40, eis que finalmente o esperado encontro se deu. Pelé estava acompanhado do então prefeito de Santos, João Paulo Tavares Papa, e diversos secretários e assessores. O jornal A Tribuna, também presente, registrou o momento mágico. Depois dos cumprimentos efusivos, e muitos comentários agradáveis sobre a viagem ao Rio, a equipe do escritório de Oscar Niemeyer trouxeram os desenhos pensados pelo mestre. Pelé arregalou os olhos e disse apenas uma palavra: “Maravilha!” e ainda emendou: “Eu sempre falo: homenagem tem de ser em vida. Deixa-me dar um beijo no nosso herói”, disse o futebolista, enfatizando que não havia nada mais sublime do que poder testemunhar homenagens com os próprios olhos.
O encontro foi histórico por unir dois dos nomes mais conhecidos do Brasil no exterior, cada um em seu campo de atuação. E porque poucas vezes se viu um Edson Arantes do Nascimento tão feliz, a ponto de se colocar na posição de anfitrião. Quando a equipe de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas esperava pela apresentação do projeto, em outra sala, foi Edson quem prontificou a conduzir o mestre de 102 anos de idade, boa parte deles vivido para a arquitetura, para a coletiva. Pelé posicionou Niemeyer na cadeira, ao centro, ficando ele mesmo numa das pontas, e o prefeito Papa na outra. A alegria de Pelé se equivalia à de um garoto recebendo um brinquedo novo. Os repórteres, então, quiseram saber de Edson se ele considerava Niemeyer o Pelé da Arquitetura. “Claro, mas aí eu fico como? O Oscar do quê?”, devolveu a pergunta, rindo. “Do futebol, caro Edson”, respondeu o arquiteto.
A obra
O monumento previsto por Oscar Niemeyer em homenagem ao Rei do Futebol, era para ter sido erguido num canteiro central situado entre os Casarões do Valongo e a faixa de cais, entre as ruas Antônio Prado e Tuiuti. Ele seria também uma espécie de memorial expositivo, na forma de uma esfera (bola) com sete metros de diâmetro, acessada por uma rampa que circundaria o objeto. Junto à esfera, uma estrutura de concreto com 20 metros de altura revelaria, em forma vazada, o famoso “soco no ar” (com cinco metros de altura), marca registrada do Rei Pelé em suas comemorações.
Não saiu do papel
Infelizmente, todo o entusiasmo pela viabilização da obra não resultou em nada. O projeto, que ofereceria à cidade de Santos uma assinatura de Niemeyer, acabou ficando mesmo apenas no papel. Ficamos no “quase”, mais uma vez. O arquiteto viria a falecer dez dias antes de completar 105 anos de idade, em 5 de dezembro de 2012 (ele nascera em 15 de dezembro de 1907). Já o Museu Pelé acabou sendo concretizado, ao custo de quase R$ 40 milhões, e foi inaugurado em 15 de julho de 2014, como parte dos eventos paralelos da Copa do Mundo do Brasil.