Santos resiste bravamente à invasão naval durante a Revolta da Armada

O cruzador República forçando a barra de Santos, em pintura a óleo de Batista da Costa, no acervo do Museu da República, no Rio de Janeiro

 

Santos, quarta-feira, 20 de setembro de 1893. O sol mal havia nascido por detrás dos contrafortes da Serra do Mar quando dezenas de soldados do 2º Regimento de Artilharia, unidade militar paulista leal ao governo do presidente Floriano Peixoto, se posicionavam ao longo da praia santista, preparados para defender a cidade a qualquer custo diante da eminente invasão que se aventava pelo mar. Pouco mais ao norte, no outro lado da ilha vicentina, mesmo resguardada pelo maciço de morros, a população de Santos mostrava-se apreensiva com a situação, não se furtando ao terror que dominava a cidade. Muitos fecharam suas casas e comércio, evadindo-se para a capital bandeirante pelos trens da São Paulo Railway que, a pedido do Estado, não cobrou nada pelas passagens diante da situação emergencial. Por este meio, cerca de 2.700 pessoas fugiram nas 24 horas anteriores.

Foi uma debandada geral. Santos convertia-se rapidamente num deserto, em especial nas localidades próximas ao mar, como na Barra, Ponta da Praia, Boqueirão, José Menino e até mesmo na Vila de São Vicente (que só se tornaria cidade em 31 de dezembro de 1895).

Não havia como censurar os que tomaram tal decisão. As notícias que chegavam do Rio de Janeiro desde o início da semana ofereciam um panorama inquieto aos santistas. A Armada do Brasil (atual Marinha) se rebelara no dia 13 contra o Exército e o Governo Federal, eclodindo uma revolta que conduziu a capital nacional a um dramático estado de guerra. Os navios da Armada bombardearam as defesas da cidade carioca. Os revoltosos, liderados pelos almirantes Custódio de Melo e Luiz Felipe Saldanha da Gama, exigiam a renúncia do marechal Floriano Peixoto do cargo de presidente da República. A lista de imposições era longa.

O almirante Custódio de Melo liderou a tentativa de invasão do Porto de Santos pelos revoltosos.

Dos telégrafos chegavam informações desencontradas e alarmantes. As últimas davam conta sobre o movimento de parte da Armada na direção sul (a certo momento, a comunicação foi interrompida, em razão dos revoltosos terem cortado os fios telegráfico na altura de São Sebastião). O comando do Exército tinha total ciência de que a intenção dos revoltosos era tomar a cidade de Santos, considerada estratégica sob vários pontos de vista. O governador paulista, Bernardino de Campos, alertado pelo presidente, então, ordenou a imediata defesa do porto santista, reforçando o efetivo das fortalezas da Barra Grande e Forte Augusto (da Ponta da Praia).  As notícias iniciais informavam que uma esquadra seguia na direção do litoral paulista, formada pelos couraçados “República” e “Júpiter”, além de uma torpedeira de alto-mar e o navio de transporte de tropas “Pallas”.

Cuspindo fogo

De fato, conforme o previsto, a Armada brasileira “deu as caras” na Barra de Santos, no entanto apenas com o couraçado “República” e o “Pallas”. Apesar de parecer algo sem muita significância de risco, a defesa paulista não pretendia dar moleza aos “piratas”, como foram os revoltosos chamados pela imprensa local. Os invasores lançaram âncoras nas proximidades da Ilha das Palmas, na noite do dia 19. O “República” ostentava no topo do mastro o sinal de navio chefe.

Na manhã seguinte, dia 20, o clima parecia tenso em terra. Já às 7h30 era possível observar a comunicação entre os dois navios. Um escaler ia de um navio para o outro, levando e trazendo homens do comando. Um pouco mais tarde, duas embarcações mercantes estrangeiras que estavam próximas foram convidadas a fazer-se ao largo. O clima estava tenso na entrada da Baía de Santos.

De repente, às 9h30, mais ou menos, sem aviso prévio ou sinal algum, partiu um tiro do “República”, disseram uns que em direção ao forte da Ponta da Praia e outros à terra, onde as forças de artilharia se achavam em linha. A fortaleza da Barra Grande não era visível aos agressores, e vice-versa.

Apesar do inesperado do ataque, o Forte Augusto respondeu com outro tiro de canhão, tipo Krupp, e de terra, o 2º Regimento de Artilharia rompeu também com um canhonaço (unidades móveis). Estava dado o sinal do combate. Começou, então, entre o República e as forças de terra um verdadeiro “cospe fogo”, indo as granadas do couraçado cair a grande distância, passando por cima da fortaleza sem a atingir.

O presidente do Estado de São Paulo, Bernardino de Campos, acompanhou de perto o embate entre as forças de infantaria e artilharia contra o couraçado da Armada.

Santos estava sendo atacada, bombardeada pela Armada de Guerra brasileira. O República, na posição em que estava colocado e, horrivelmente sacudido pelo mar, atirava à esmo. Ainda assim, uma das balas atingiu a muralha do Forte Augusto, perfurando-o em mais de 1,2 metro. Ao tocar na pedra, os estilhaços atingiram a segunda muralha, onde estava colocado um canhão, indo ferir levemente dois soldados da 22º de infantaria: o cabo Francisco Nascimento Rodrigues de Carvalho e o soldado Pedro Augusto do Nascimento.

Povo assistiu de longe

Enquanto o combate era travado violentamente entre as forças de terra e os navios revoltosos, uma verdadeira romaria subia ao Monte Serrat, donde se apreciava “de camarote” o movimento das tropas e dos invasores. A certo momento, as pessoas ficaram assustadas ao testemunharem uma das balas atravessar os céus para atingir uma casa no Paquetá, danificando levemente suas paredes. A cidade corria, de fato, sérios riscos.

Nos primeiros tiros, o República estava colocado a cerca de três mil metros do Forte Augusto, que respondia com fogo incessante ao canhoneiro do couraçado. Depois, o vaso revolucionário e o Pallas afastaram-se mil metros mais. Desta nova posição, recomeçou o tiroteio que durou até às 11 horas, mais ou menos. A artilharia de terra, sob o comando do tenente Lima, secundava o fogo da fortaleza, sem, todavia, atingir a nenhum dos navios. Na fortaleza, um dos soldados chegou a disparar a arma, pelo que foi advertido.

Essa era, porém, uma nota interessante do fato, que denotava a disposição e o entusiasmo das forças em terra. Na ocasião em que se feria o combate, um sargento do 2º Batalhão de Polícia, armado de carabina embalada, quis fazer fogo para os navios, esquecido de que àquela distância os tiros seriam perfeitamente inofensivos.

Do lado invasor, uma das granadas do República atingiu a praia, à distância do aquartelamento do 2º Regimento de Artilharia, indo ferir a cabeça do soldado João Balthazar de Souza, da 4ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia, que estava com outro companheiro esperando o bonde que devia conduzir ferramentas para a construção de uma trincheira que estava sendo feita do lado direito do aquartelamento daquele batalhão. Um dos estilhaços da mesma granada pulverizou os vidros da janela do quartel provisório do mesmo batalhão.

No Rio de Janeiro, o conflito durou vários dias. Imagem do acervo do Instituto Moreira Salles.

Durante o tiroteio reinou boa ordem nas forças de terra, além de grande entusiasmo. A cada tiro dos canhões acompanhavam o grito de – Viva a República!

Além do 2º Regimento de Infantaria, as forças em terra reuniam soldados do 2º Batalhão de Polícia, do 10º Regimento de Cavalaria e dos 20º e 22º Batalhão de Artilharia, postados no Forte Augusto. Eram mais de três mil homens na defesa de Santos.

Governador foi pessoalmente acompanhar o conflito

Os cônsules de Portugal, Republica Argentina, Bélgica e Alemanha, reunidos no Quartel General, às 19 horas, conferenciaram com o presidente do Estado de São Paulo Bernardino de Campos, e com o coronel Jardim, comandante do Distrito de Santos, sobre os procedimentos que estavam sendo adotados em relação à atitude dos revoltosos. Os consulados exigiam uma garantia de salvaguarda aos seus compatriotas em terra e aos navios de suas respectivas nacionalidades. Ambos afiançaram que tinham sido tomadas as mais enérgicas providencias para a garantia da franca entrada e saída das embarcações comerciais.

O presidente marechal Floriano Peixoto. Alvo do golpe tentado pela Armada de Guerra.

Cidade pronta para resistir

Além da linha de defesa na zona da orla, a cidade de Santos estava pronta para revidar qualquer ataque, caso o República e outras embarcações conseguissem furar o bloqueio da Ponta da Praia. Os Guardas da Alfândega conservam-se de prontidão, armados de carabinas embaladas, tendo sido instruídos no manejo das armas pelo alferes Barbalho. No trem da manhã chegaram 110 praças do 2º Batalhão Policial, com a respectiva banda de música e o estado-maior, comandados pelo tenente-coronel Alberto Barros.

No trapiche Brazil estava aquartelada uma grande força do 10º Regimento de Cavalaria e na repartição da cidade, 12 praças do 10º Regimento de Cavalaria. O estado de São Paulo colocou soldados até mesmo ao longo da estrada de ferro São Paulo Railway. No Alto da Serra, ficou postada uma força policial, que exercia vigilância nas pontes da mesma estrada.

Enquanto isso, o policiamento da cidade era feito pela Guarda Nacional, auxiliada pela guarda cívica.

Enfim, a vitória 

Mas essa precaução não foi acionada. Após quase duas horas de combate intenso, enfim, o República e o Pallas, aparentemente avariados, e sem alcançarem sucesso na empreitada, levantaram ferro da Baia de Santos e saíram barra afora, tomando a princípio a direção norte e depois, francamente, a direção sul.

Sem a presença ameaçadora dos navios da Armada, às 14 horas entrava na barra o brigue inglês “C.R.C.”, consignado à Casa Karl Valais & C, com carregamento de bacalhau. O comandante do navio foi, então, interrogado pelo capitão Benedito Gama, chefe das forças em operação na Fortaleza da Barra Grande. Ele respondeu que tinha encontrado os navios revoltosos a duas milhas além da Moela, com marcha lenta e que, ao avistá-los, resolveram retroceder, tomando o rumo sudoeste.

Segundo os jornais da época, nas coberturas deste ataque a Santos, “foi indescritível o entusiasmo da gente em nosso acampamento, vitoriando o marechal Floriano Peixoto e saudando a República, quando fumegava o canhão inimigo” (Diário de Santos, dia 20 de setembro de 1893).

Os revoltosos da Armada não voltariam a promover outras investidas à cidade de Santos. As forças em terra bradaram vivas a favor da República. E, assim, mais uma vez, os santistas deixaram marcas na sua história, como uma terra, de fato, invencível.

O que foi a Revolta da Armada?

Em 13 de setembro de 1893, navios de guerra da Marinha, em posse de militares integrantes da revolta, bombardearam a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil. O governo Floriano não cedeu, organizou o Exército e resistiu à tentativa de golpe. A defesa do litoral, incluindo Santos, impediu o desembarque dos revoltosos. Após muitos conflitos armados, o governo debelou a rebelião em março de 1894.