Santos testemunha aliviada a partida de um fantasma cruel

Era 23 de outubro de 1964, quando Santos testemunhou aliviada a partida de um autêntico navio fantasma, que assombrou a cidade por longos 183 dias, marcados como alguns dos piores da história santista. Desde 24 de abril, uma velha embarcação de 64 anos de atividades marítimas, o “Raul Soares”, pertencente à Companhia Lloyd Brasileiro, situava-se ancorada nas proximidades da ilha Barnabé servindo nefastamente como cárcere a 94 prisioneiros políticos detidos sob a acusação de subversão, por se oporem ao governo militar que havia deposto o então presidente da República, João Goulart, em 31 de março daquele ano, dando início a um dos períodos mais conturbados e tristes da história do Brasil.

Os detidos nas cabines transformadas em cárceres no funesto navio eram políticos, jornalistas, estudantes e, principalmente, sindicalistas portuários. Nos seis meses de estada no largo do estuário, seus porões registraram verdadeiras histórias de terror, onde as torturas psicológica e física eram diárias. Diversos detidos, por exemplo, eram repetidamente trocados de celas próximas às caldeiras (onde fazia quase 50 graus) para outras junto ao frigorífico do navio. A consequência era o choque térmico que levou muitos à doença e à morte alguns dias mais tarde.

O navio – O “Raul Soares” foi construído no ano de 1900, pela empresa alemã Hamburg-Sud. Batizado como Cap. Verde, tinha a função de transportar imigrantes da Europa para a América do Sul. Pesava mais de 5.000 toneladas e tinha capacidade para 587 passageiros. Vendido em 1919 para a Grã-Bretanha, passou a denominar-se Madeira. Em 1925, foi adquirido pelo Lloyd Brasileiro e foi rebatizado como “Raul Soares”, em homenagem ao primeiro ministro civil da Marinha Brasileira (Raul Soares de Moura, 1877-1924). Aqui se tornou responsável pela condução de muitos migrantes que vinham do Norte e Nordeste do país para o Porto de Santos.

Na década de 60, já decadente, o navio acabou encostado e estava na lista para demolição, quando foi “convocado” pelos interventores de 1964 a funcionar como navio-prisão no Porto de Santos. Depois de cumprir o papel tenebroso, acabou enviado em 23 de outubro para o Rio de Janeiro, onde foi desmontado a partir de 2 de novembro de 1964. Terminava, assim, como sucata velha e maldita, a história do mais retumbante símbolo da repressão no Porto de Santos.

O Raul Soares, do Lloyd Brasileiro, protagonizou um dos papéis mais nefastos da história política brasileira.
O Raul Soares, do Lloyd Brasileiro, protagonizou um dos papéis mais nefastos da história política brasileira.
O Raul Soares, ainda em atividade na costa brasileira. Foto da década de 1920.
O Raul Soares, ainda em atividade na costa brasileira. Foto da década de 1920.
Os presos políticos no convés do navio ouvem os representantes da repressão.
Os presos políticos no convés do navio ouvem os representantes da repressão. Foto de 16 de setembro de 1964.

 

 

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