Santos, 27 de julho de 1985. Palco do Caiçara Music Hall, José Menino. Mais de três mil pessoas cantavam e dançavam freneticamente ao sabor do som eletrizante de uma das bandas mais badaladas do cenário do rock nacional, o Barão Vermelho, liderado então pelo polêmico e idolatrado vocalista Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza. O ambiente na plateia do clube santista era claramente de alegria e êxtase, uma verdadeira celebração que marcava o fim da temporada “Maior Abandonado”, iniciada no ano anterior. Entretanto, diametralmente oposto ao clima vivido pelos santistas, no palco a tensão imperava. Quase ninguém ali sabia, mas Cazuza já havia rompido com os seus companheiros de banda e só estava naquele palco para honrar o contrato firmado com a produtora que trouxera o Barão Vermelho para a cidade santista.
Cerca de quinze minutos antes da previsão do término do show, Cazuza, após cantar alguns dos hits de sucesso do Barão, deixa o palco sem dar a menor satisfação e não retorna mais. O espetáculo ainda não havia terminado. Ninguém entendeu nada do que estava acontecendo. Foi o guitarrista Roberto Frejat, outro líder e fundador da banda, quem anunciou ao público que Cazuza havia decidido abandonar o Barão Vermelho, mas eles continuariam a trajetória do grupo. Diante do inusitado, o Caiçara Music Hall quase veio abaixo. Os seguranças tiveram muito trabalho para conter os mais exaltados, que não aceitavam a malcriação do cantor carioca. Cazuza, a partir dali, iniciaria uma carreira solo. Seu último palco ao lado do Barão Vermelho era, assim, o do clube santista.
Por muito pouco Cazuza não se apresentou em Santos para o último show de sua banda. Na terça-feira anterior, dia 23, o empresário Toninho Campos, produtor responsável pela agenda no Caiçara Music Hall, recebeu um telefonema aflito. Do outro lado da linha estava o empresário do grupo carioca, que noticiava a “hecatombe” ocorrida na banda dias antes. Ele informou que Cazuza havia deixado o Barão Vermelho, mas que o grupo manteria a agenda e se apresentaria sem seu vocalista principal.
A relação de Cazuza com os parceiros estava insustentável. No mês de maio, em Curitiba, o vocalista protagonizou um escândalo por causa da iluminação e abandonou o show na metade, jogando seu microfone na guitarra de Frejat (Roberto Frejat). Nos bastidores, os dois fundadores do grupo quase foram às vias de fato.
A notícia do abandono de Cazuza antes do show de Santos deixou Toninho Campos atordoado e extremamente irritado. Ele já havia vendido todos os três mil ingressos para a apresentação no Caiçara Music Hall. Os santistas queriam ver o Barão Vermelho completo, e não em sua maior estrela. Ia ser um baita problema se Cazuza não viesse. O empresário santista disse que era inaceitável manter o espetáculo sem o vocalista e pediu para convencê-lo a cumprir a agenda.
Toninho resolveu se adiantar e entrou em contato com Frejat e os outros integrantes da banda que, inicialmente, não aceitavam ter Cazuza no palco de Santos. Porém, logo mudariam de ideia diante dos pretextos colocados à mesa pelo produtor santista. Na quarta-feira, ele foi pessoalmente para o Rio de Janeiro falar com o próprio Cazuza (ele sabia que um telefonema não iria resolver a situação) e utilizou-se dos mesmos argumentos afetivos para convencer o vocalista a encerrar sua participação no Barão Vermelho na mesma cidade onde a banda tocou pela primeira vez fora do Rio de Janeiro, em Santos, em abril de 1983, na antiga boate Heavy Metal, de propriedade do mesmo Toninho Campos. “Depois desse show você nem precisa mais olhar na cara deles, se quiser. Te coloco num camarim exclusivo, hotel à parte, tudo à parte. Você entra, faz sua parte e pronto! Encerra uma história, e na nossa casa”, disse o santista ao polêmico “poeta do rock”, que já ensaiava suas próprias músicas para a carreira solo, entre elas a música “Codnome Beija-flor”, um de seus maiores sucessos.
Cazuza veio a Santos, chegou ao hotel e ali ficou até minutos antes da abertura do show. Foi para o Caiçara Music Hall de carro, enquanto a banda toda foi com o ônibus da turnê. O cantor subiu aos camarins ao lado de Toninho e seguiu para o palco sem dar uma palavra aos ex-companheiros de banda. O show, então, foi tenso desde o primeiro acorde, mas o público não percebeu. As músicas eram tocadas de forma protocolar, sem muito envolvimento entre os integrantes da banda. O som alto e os trejeitos de Cazuza disfarçaram em boa parte do tempo o clima explosivo instalado no palco. Mas chegou uma hora que Cazuza não mais aguentou e explodiu. Ao final da canção “Pro Dia Nascer Feliz”, ele surtou e a felicidade deu lugar para a confusão.
Cazuza abandonou o palco e nunca mais tocou com o Barão Vermelho. Quem esteve no Caiçara Music Hall naquela noite de sábado, testemunhou o fim de uma era e a virada de página de um dos maiores astros do rock brasileiro, um poeta instável, mas genial, como todos os gênios da música.