Nome ancestral, nativo, da região que se tornou a vila santista, foi suplantado em 1543, quando o fundador criou a Santa Casa de Todos os “Santos”
Nordeste da Ilha de São Vicente, ou Gohyaó, 26 de maio de 1532*.Após mais de dois meses de planejamento e estudos sobre a geografia da região, Paschoal Fernandes, dito “o genovês”, e o português Domingos Pires, chegavam às terras onde pretendiam iniciar o plantio de cana-de-açúcar e culturas de subsistência. O empreendimento fora acordado com o capitão Martim Afonso de Sousa, que, autorizado pelo Rei D. João III, havia distribuído terras e missões a diversos colonos que se estabeleceram na região que viria a se tornar, em 1534, a sede da Capitania de São Vicente. Fernandes e Pires haviam celebrado uma sociedade para cultivar parte desses terrenos, num lugar que os nativos chamavam “Enguaguaçú”. E quando os dois sócios e amigos pisaram pela primeira vez naquele pedaço de paraíso intocado, acabaram se tornando os primeiros habitantes locais, os primeiros “enguaguaçuanos” ou “enguaguaçuenses”.
Em 1º de setembro de 1539, os pioneiros do Enguaguaçu foram também os primeiros a receber uma Carta de Sesmaria no espaço que viria se tornar a futura vila e depois cidade de Santos (sesmaria era um lote de terras distribuído a um beneficiário, em nome do rei de Portugal, com o objetivo de cultivar terras virgens).
Outros vieram logo depois, como os também genoveses irmãos Adorno (Giuseppe e Antonio), que ergueram um engenho, chamado “São João”, junto ao Morro de São Jerônimo (atual Monte Serrat), onde havia um pequeno ribeirão que fazia movimentar as pás do equipamento do moagem. Também se estabeleceram no Enguaguaçu Pero de Góes e sua esposa, Catarina de Aguillar, junto ao Outeiro que chamariam de “Santa Catarina”, isso sem falar do mestre Bartolomeu, o ferreiro, que se estabeleceu junto ao Morro de São Bento com sua numerosa família. Essa era a turma do “Enguaguaçú”, os primeiros habitantes “santistas”. Peralá (sic), “Santistas”???
Hospital derruba nome ancestral
Os enguaguaçuanos levavam sua vida tranquila de colonos até que Braz Cubas decidiu, na condição de capitão-mor, transferir o ancoradouro do porto da capitania de São Vicente, em 1541, que se mantinha na atual praia do Góes, defronte à Ponta da Praia, para junto ao Outeiro de Santa Catarina, com o objetivo de facilitar o embarque das primeiras safras de açúcar produzidas na região. Foi daí que o povoado começou a ser chamado de forma alterativa como povoado do Porto da Capitania de São Vicente. Dois anos depois, Braz Cubas novamente colocaria o dedo na história, criando, em 1543, uma Irmandade da Misericórdia e, junto a ela, um pequeno hospital, a qual batizou como de “Todos os Santos”, como uma homenagem ao hospital oficial de Lisboa, também ligado às Misericórdias, que se intitulava “Hospital Real de Todos os Santos”. Foi a pá de cal que faltava para enterrar o nome Enguaguaçu da boca dos viajantes e dos próprios colonos. A alcunha ancestral ficava para trás e seria substituída pelo nome que inspirou o hospital. Daí, entre 1545 e 1546, a Vila fundada por Braz Cubas, já passou a se chamar “Vila de Santos”.
E se não fosse Braz Cubas?
Agora, em um exercício quimérico (que é o fruto da imaginação) sobre essa história, vamos conceber a ideia de que Braz Cubas não tivesse criado o hospital de “Todos os Santos” e o nome Enguaguaçu atravessasse as eras, permanecendo até os dias de hoje como a identidade local. Desta forma, ao invés de “santistas” ou “santenses”, seríamos “enguaguaçuanos” ou “enguaguaçuenses”. Já imaginaram isso? Pelé, por exemplo, seria o astro do bicampeão mundial “Enguaguaçu Futebol Clube”; e o porto mais importante da América do Sul seria o Porto de Enguaguaçu! A música do Mamonas Assassinas seria “Pelados em Enguaguaçu” e o Rei Roberto cantaria “Pelas Curvas da estrada de Enguaguaçu”. Esquisito, não? Absolutamente não. Pelo contrário, estaríamos acostumados, como estão os cidadãos de outras cidades que mantiveram seus nomes nativos, como Araraquara, Piracicaba, Itanhaém, Mongaguá, Ubatuba, Caraguatatuba, Itaquaquecetuba, Mogi-Guaçu, e por ai vai, numa longa lista orgulhosa da raiz tupi. E, se não fosse Braz Cubas, nossa identidade seria outra. Mas, quero pontuar que ser “santista” ou ser “santense”é muito bom e também um motivo de orgulho.
Estudos etimológicos sobre “Enguaguaçu”
O nome ancestral de Santos foi estudado por diversos pesquisadores, memorialistas e especialistas da linguística utilizada pelos povos originários. Segundo a maior parte deles, a toponímia (divisão da onomástica que estuda os nomes geográficos ou topônimos, ou seja, nomes próprios de lugares, da sua origem e evolução) “Enguaguaçu” tem origem no tronco linguístico tupi, e significaria “Pilão Grande”. O primeiro defensor desta tese foi Frei Gaspar da Madre de Deus, autor de Memórias para a História da Capitania de São Vicente. O famoso religioso defendia que o nome fora motivado pela configuração topográfica do sítio, que parece um pilão.
Outros poucos defendiam que o nome era uma corruptela (deformação de palavras originada pela má compreensão ou rápida visualização) do termo indígena “Hé-nguaa-guaçú”, o que significaria “Enseada maior da saída”, por conta do lagamar do Valongo, que é a maior extensão de águas interiores existentes em Santos.
Há ainda alguns que defendem que Enguaguaçu tenha a ver com aquela pequena fruta nativa da região, abundante e muito conhecida dos santistas: o ingá. E, a partir disso, Enguaguaçu, seria a corruptela de Ingá-guaçu, ou “Ingá Grande”, dando a entedenr que no pedaço de chão onde Pascoal Fernandes e Domingos Pires pisaram pela primeira vez em 1532, estava repletode gigantescas árvores de ingá.