Espaço teve vida efêmera, mas deixou marcas profundas na vida cultural da cidade, além de um fato inusitado, o de ter sido o berço do futebol santista
Santos, dezembro de 1899. A expectativa era grande entre os apreciadores da boemia e das artes. Os santistas, enfim, estavam prestes a ganharem uma casa de espetáculos nos moldes do renomado Cabaret “Moulin Rouge”, de Paris (aberto na capital francesa em 1889), e que ganhara uma versão paulistana em 1890. É certo que a cidade já gozava do privilégio de abrigar casas teatrais desde a primeira metade do século 19, como o velho sobrado do Largo da Coroação (atual Praça Mauá), de 1830, por onde passaram grandes companhias estrangeiras, incluindo em sua seleta lista nomes como o do renomado musicista Louis Moreau Gottschalk, tido como o mais importante pianista do mundo na década de 1860; ou o Teatro do Rink (1879), que mais se assemelhava a um espaço de eventos inusitados, como, por exemplo, corridas de touros; além do refinado Guarany (1882), tido como o “Grande Teatro” da cidade, em cujo palco atuaram figuras do calibre de Sarah Bernhardt, considerada uma das maiores atrizes da história.
Contudo, na reta final oitocentista, o novo espaço, que se chamaria “Teatro de Variedades”, proporcionaria a Santos os “ares parisienses” tão aguardados pelos jovens da elite local. Era como ganhar o que havia de mais “descolado” em termos de diversão. Afinal, tanto na capital do país, o Rio de Janeiro, quanto na metrópole bandeirante, São Paulo, estavam mais do que na moda os centros culturais que proporcionavam ao público uma mescla de espetáculos de caráter “popular” e vida boêmia, os chamados “cafés-concertos”, ou “music-hall”, como eram rotulados os bares espelhados nos cabarés franceses.
O empreendedor do espaço na cidade santista, o português Manoel Teixeira da Silva, utilizando-se de recursos próprios e outros amealhados junto a alguns sócios, mandou erguer na esquina da Rua Visconde de São Leopoldo com a Travessa de Santo Antônio (atual XV de Novembro com Praça dos Andradas), o imóvel para abrigar o seu bar-teatro, ainda que de forma rudimentar. Todos convencionaram a chama-lo de “Teatro de Verão”, em razão de ter sido construído com o uso de persianas de madeira, próprias para o clima quente de Santos. O projeto fora coordenado pelos engenheiros José Domingues de Souza e Nuno Henrique, e custou cerca de 42.000$000 – quarenta e dois mil contos de réis – (cerca de R$ 2,1 milhões, hoje).
Uma baita estrutura
A entrada principal do Variedades ficava voltada para a Visconde de São Leopoldo, onde situava-se o alpendre, com um jardim e algumas pequenas mesas redondas, dispostas ao ar livre. A iluminação interna do espaço era a base de gás de hulha. O Teatro de Variedades colocou à disposição do público 372 cadeiras na plateia principal, sendo que ainda foram construídos 18 camarotes, cada qual com cinco lugares. Interessante notar que os dois deles, os mais próximos do palco, eram destinados para a polícia e à Intendência (equivalente à Prefeitura). Para complementar a obra interna, dois panos de boca molduravam o palco, que era fechado em uma caixa comparável à do Teatro Guarani, tamanha a qualidade de sua acústica.
A pintura do Teatro de Variedades esteve a cargo do artista Battisti e a cenografia nas mãos do conhecido cenógrafo Xisto.
A pesquisadora santista Lilian Rúbia da Costa Rocha, que produziu um substancioso trabalho sobre a existência do Teatro de Variedades de Santos, afirmou que a proposta do lugar era oferecer uma programação “leve e de fácil recepção. Seu maior objetivo era a diversão da plateia. Santos já era uma cidade movimentada com uma vida cultural agitada. A diversidade da população santista permitiu que o lazer fosse marcado por diversas referências musicais, teatrais, circenses, entre outras atividades que estivessem presentes no município”.
De fato, a abertura do Teatro de Variedades sacudiu a vida boêmia da cidade. Em sua inauguração, ocorrida numa noite de domingo, 3 de dezembro de 1899, a concorrência fora enorme. A atração de estreia, com casa cheia, foi a peça “Mosquitos por Corda”, comédia de autoria do dramaturgo português Eduardo Garrido, encenada pelo Grupo Dramático Arthur Azevedo. Naquela noite, quase ninguém dos arredores da Praça dos Andradas dormiu sossegado, tamanha a algazarra emanada do novo espaço.
Malabaristas, Carnaval, zarzuelas e… futebol !
Como os maiores teatros de variedades da Europa e das Américas, o de Santos também mantinha em seu “cardápio” uma gama de atrações complexa, uma verdadeira miscelânea de atividades, entre apresentações circenses (em especial os malabaristas), peças de teatro, operetas, zarzuelas (gênero lírico-dramático espanhol em que se alternam cenas faladas, outras cantadas e danças incorporados) e bailes de Carnaval. O inusitado da história do Variedades santista é que o primeiro time de futebol da cidade nasceu lá dentro, fruto de uma reunião animada entre jovens esportistas e boêmios.
Tal fato histórico aconteceu na fase final do Variedades, em 1902. Liderados por Henrique Porchat de Assis, o “Dick Martins”, um grupo de praticantes de ciclismo e remo, em meio aos comes e bebes do Variedades, decidiram comprar duas bolas de “football” a fim de poderem praticar o esporte que ganhava espaço entre os brasileiros. A modalidade já vinha sendo praticada em vários locais de São Paulo e na capital federal, o que, de certa forma, incomodava Porchat. – “Meus amigos, esse esporte, em S. Paulo, no Rio, em Sorocaba, em Campinas, já começa a ficar de cabelos brancos, e nós, por aqui, como se vivêssemos nos cafundós do Saara, não sabemos, sequer, como é a cor de uma bola de futebol”. Todos apoiaram a ideia e fizeram uma “vaquinha” para a aquisição das bolas. Eles gastaram, na época, trinta mil reis (o equivalente hoje a R$ 600,00). O primeiro jogo aconteceu no dia 1º de novembro nas areias da praia do Boqueirão, defronte à Igreja do Embaré. Felizes da vida com a nova experiência, lá foram eles, no dia seguinte, 2 de novembro, para o teatrinho da Praça dos Andradas para fundar o Clube Atlético Internacional, primeiro time de futebol da cidade santista.
Vida efêmera
Apesar de ter agitado a vida da cidade, o Teatro de Variedades teve uma vida administrativa inconstante. A Intendência (Prefeitura) cobrava sistematicamente dos proprietários os elementos mínimos de segurança, que não eram atendidos. Vários itens precisavam ser alterados e não o foram. Ainda assim, o lugar apinhava de gente, principalmente a partir dos últimos meses de 1901, quando se tornou, nas mãos de Paschoal Segreto, na filial oficial do Moulin Rouge de São Paulo. O Teatro teve outros donos, como Manoel Bellesteros e João Raeli. Até mesmo instituições como a Sociedade União Operária e o Asilo dos Órfãos figuraram como responsáveis pelo lugar. Em 1903, depois de uma longa queda de braço, o espaço foi interditado. A caixa do palco precisava ser demolida e reconstruída. Tentaram modificar o lugar para abrigar uma choperia, mas a proposta não foi autorizada pela administração municipal. Em março de 1904, veio a condenação final. O proprietário, João Raeli, foi intimado a demolir a edificação, o que de fato veio a ocorrer naquele ano. Era o fim da curta vida de um espaço alegre, vibrante, de arte, cultura, boemia e quem diria, berço do futebol mágico da cidade santista.