Considerado um dos maiores gêneros da música, Conniff, aos 85 anos, encantou os santistas no espetáculo que inaugurou as dependências do Mendes Convention
Santos, 30 de setembro de 2001. A cidade estava agitada, e muito entusiasmada, naquele domingo. E não era para menos. Afinal, depois de meses em obras, finalmente acontecia a inauguração do tão esperado Centro de Convenções de Santos, o Mendes Convention, erguido pela Construtora Miramar na antiga área da Estrada de Ferro Sorocabana. E para abrilhantar ainda mais a festa inaugural do espaço, um show de primeiríssima qualidade, único, foi preparado. E esse show, na terra santista, sem que ninguém imaginasse, acabaria se tornando ainda mais especial e raro devido aos fatos que vieram a ocorrer meses depois.
Além do próprio Centro de Convenções, era o convidado da noite o foco dos olhares de quem fora ao novo espaço cultural e de negócios da cidade. Do alto dos seus 85 anos de idade, o maestro Joseph Raymond “Ray” Conniff, ícone da música internacional, estava em plena forma e prometia dar o melhor de si para a última apresentação de sua turnê pelo Brasil. É que, após a passagem dos músicos pela cidade de Santos, eles embarcariam de volta aos Estados Unidos para gozarem um período de merecidas férias, para então, posteriormente dedicarem-se a novos projetos de estúdio. Essa era, enfim, a ideia.
A plateia estava lotada. Os ingressos, no primeiro dia de vendas, quase esgotaram. Ao final do período de comercialização, todos foram vendidos. Por isso, os felizardos que conseguiram obtê-los só desejavam curtir cada segundo do espetáculo protagonizado por Conniff e sua brilhante Jazz-band, anunciada em letras garrafais em cartazes e em jornais diversos como “A Maior Orquestra e Coral do Mundo”. A sensação geral entre os santistas ali no Mendes Convention era de alegria, embora houvesse espaço para a comoção e apreensão. Afinal, vinte dias antes, o mundo testemunhara, atônito, um dos mais violentos ataques terroristas da história, executado contra as torres gêmeas (World Trade Center) de Nova Iorque, onde morreram 2.977 pessoas.
O fato, que marcou a história da humanidade, quase impediu a turnê de Conniff no Brasil. O maestro norte-americano havia desembarcado por aqui antes do fatídico 11 de setembro (dia do ataque terrorista). No entanto, sua banda não conseguira deixar Los Angeles, Califórnia, onde ficava a base do grupo. A esposa de Conniff, Vera, que também se encontrava nos Estados Unidos, informara que todos os espetáculos e turnês haviam sido cancelados por lá, assim como os voos para fora do país. A única chance da Jazz-banda chegar ao Brasil a fim de cumprir a agenda era embarcando pelo México. E assim foi. De ônibus, de Los Angeles a Tihuana, os integrantes do grupo musical de Ray Conniff alcançaram o México e conseguiram, enfim, tomar um avião para o Brasil.
A agenda de Ray Conniff incluía apresentações nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Jaguariúna, Belo Horizonte e Porto Alegre. Santos não estava no roteiro, até que o promotor da turnê, Manoel Poladian, tomou conhecimento da inauguração do Mendes Convention. Ele desceu a Serra, conheceu o lugar e decidiu fazer uma proposta ao empresário Alex Mendes: alugar o espaço e oferecer aos santistas um evento inaugural à altura do novo prédio, o último show do mundialmente conhecido maestro Conniff no Brasil. Para concluir a negociação, Poladian formalizou parceria com o produtor cultural santista, Carlos Valente, que ficou responsável por toda a logística do evento em Santos.
O show
O dia 30 chegara e o público rapidamente lotou as instalações do Mendes Convention. Eram cerca de 19 horas quando o espetáculo deu início. Normalmente, Conniff abria seus espetáculos com “New York, New York”, de Sinatra, uma das marcas registradas em suas performances. Entretanto, por conta da tragédia vivida pelos Estados Unidos, em função dos atentados, a introdução do show foi trocada por Ave Maria, que se tornou, no Brasil, uma espécie de oração em reverência aos mortos do 11 de setembro. O maestro até chegou a cogitar a retirada da canção de Sinatra do repertório, por conta do arranjo “alegre”. Conniff achou que as circunstâncias não eram adequadas. Mas sua esposa, Vera, o convencera do contrário, alegando que “era exatamente isso o que os terroristas objetivavam. Tirar a alegria dos norte-americanos e “quebrar” o espírito do povo ocidental. O maestro, então, manteve “New York, New York” no roteiro, sendo a segunda música tocada no espetáculo de Santos, para delírio do público presente.
Além das músicas norte-americanas e europeias de praxe, incluindo clássicos dos Beatles, BeeGees e Carpenters, Conniff, respeitando o nome da turnê, “World Hits”, conduziu diversas músicas brasileiras, como Aquarela do Brasil, Tico Tico no Fubá e Emoções (Roberto Carlos). O espetáculo durou, ao todo, 80 minutos, incluindo o BIS.
Os fatos que fizeram do show de Santos, especialmente único
Depois do show em Santos, conforme o planejado, Ray Conniff, sua esposa Vera, os dezoito músicos e oito cantores da banda, partiram de volta aos Estados Unidos. Após curtir o Natal e a passagem de ano em sua casa, no mês de março Conniff sentiu-se mal. Ele Sofrera um derrame cerebral que paralisou todo o lado direito de seu corpo. Os médicos buscaram o melhor tratamento, colocando Conniff para um processo de fisioterapia, a fim de que recuperasse os movimentos. Por conta da idade avançada (85 anos), o tratamento oferecia respostas lentas, até que, na noite de 12 de outubro de 2002, um sábado, o maestro voltaria a ter outro derrame, na saída de um restaurante em Los Angeles. Foi levado a um hospital próximo, mas não resistiu. Foi enterrado no Cemitério Westwood Village Memorial Park, em Los Angeles. Sua lápide traz uma partitura musical com as primeiras quatro notas de “Somewhere My Love”. Conniff deixou a esposa, Vera; dois filhos, Tamara e Jimmy Conniff (que morreu em 2015); e três netos.
Santos, assim, teve a honra de ter sido o último palco da trajetória sem igual de um mito da música.