Na história de Santos, muitas de suas grandes figuras vieram de longe, para aqui contribuir na construção desta cidade que é, notadamente, uma das mais importantes do continente sul-americano. Entre as centenas de personagens marcantes desta brilhante linha do tempo, Memória Santista irá discorrer, neste artigo, sobre a trajetória de vida do médico italiano Giovanni Vincenzo Francesco Éboli, conhecido em terras santistas somente como “João Éboli”. Além de homem dedicado à medicina, ele foi um grandioso empreendedor para Santos, investindo sua energia e recursos financeiros em atividades ligadas ao setor bancário, transporte público, produção de papel e como pioneiro na introdução de energia elétrica na cidade.
Giovanni Éboli nasceu em 7 de maio de 1853, na pequeno vilarejo de Sanza, situado na província de Salerno, sul da Itália. Filho de Caetano Éboli e Balbi Anna Teresa, aos 16 anos seguiu para a cidade de Nápoles, onde cursou medicina, graduando-se por volta de 1875. Logo depois de formado, criou uma fórmula que dizia “curar sífilis, escorbuto, escrófulas e chlorose”. Chegou a ganhar uma medalha de ouro pelo medicamento. Em setembro de 1876, partiu para o Brasil, a bordo do navio francês Savoie, junto com outros 154 imigrantes italianos e austríacos. Aos 23 anos de idade, Giovanni percorria o mesmo caminho de um de seus tios paternos, Carlos Éboli, também médico, que fixara residência, em maio de 1858, na cidade de Nova Friburgo, província do Rio de Janeiro. Devidamente instalado em terras brasileiras, na casa de seu tio, Éboli procurou se aperfeiçoar em saúde pública, participando de cursos na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Em 1877, ele conheceu a jovem Escolástica César de Andrade, com quem se casou no dia 17 de novembro, em cerimônia ocorrida na cidade do Rio de Janeiro.
Partindo para São Paulo
As boas relações que seu tio Carlos Éboli mantinha com aristocratas do Império Brasileiro foram determinantes para abrir algumas portas ao jovem médico italiano. No entanto, era necessário possuir mais do que simplesmente boas relações para alcançar melhores oportunidades. Assim, Giovanni, já tendo seu nome adaptado para “João” (era comum “aportuguesarem” os nomes dos estrangeiros europeus quando estes se estabeleciam no Brasil), decidiu colocar à disposição do Império seus préstimos profissionais para tratar, gratuitamente, os imigrantes que chegavam ao pais para o trabalho na lavoura e nas indústrias. E a porta de entrada principal deste contingente se situava na cidade de Santos, São Paulo.
Assim, após agradecer o tio pela acolhida e abrigo, João Éboli deixou para trás a região serrana fluminense e partiu, em 1880, para São Paulo, onde, então, abriu uma clínica particular (Rua São João, 7), oferecendo seus serviços como cirurgião geral e como oftalmologista (Moléstia de Olhos, como publicava em anúncios). À parte do consultório, iniciou também uma aproximação com a crescente comunidade italiana que se desenvolvia na capital bandeirante, contribuindo, inclusive, para a criação de um hospital para atender a contento seus conterrâneos, a Societá Italiana di Beneficenza.
Seu voluntarismo no atendimento gratuito aos imigrantes, na capital paulista, foi rapidamente reconhecido na Corte Imperial, que lhe concedeu, em agosto de 1881, o título de Cavalheiro da Ordem da Rosa. No ano seguinte, em 2 de outubro, nascia Aida, a primeira filha de Éboli e Escolástica
Em 1883, o médico italiano trocou o endereço de seu consultório para a Rua de São José, 18. No ano seguinte, ele apareceu em outro local, desta vez na Rua Alegre, 37 (hoje extinta, situada nas proximidades do Largo de Santa Ifigênia)
Chegando em terras santistas
Em fins de 1883, Éboli decidiu descer a Serra do Mar e estabelecer-se na cidade portuária de Santos, onde foi recebido com indicações do Governo Imperial. Logo arrumou função no quadro médico da Santa Casa de Misericórdia, onde somou esforços no atendimento à população santista, que vivia o caos sanitário e sofria com as epidemias de febre amarela e varíola. Com o passar dos anos, ele foi se inserindo na sociedade local e passou a atuar, também, como voluntário em entidades como a Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio (onde atuava ao lado de Silvério Fontes) e o Asilo de Órfãos de Santos.
A casa acastelada no Outeiro de Santa Catarina
Instalado provisoriamente numa residência situada na Rua do Rosário, 96, Éboli procurava por um lugar que lhe agradasse mais, a fim de construir sua própria residência em Santos. Foi quando viu, pela imprensa, as notícias de que a Câmara Municipal de Santos expedia nova ordem de desmanche do simbólico Outeiro de Santa Catarina, local onde o fundador da Vila de Santos, Braz Cubas, lançara as bases da futura cidade portuária, nos idos de 1546. O lote do pequeno morro, que já vinha sendo demolido, lentamente, desde 1869 (suas pedras eram usadas em obras de calçamento e pavimentação de ruas), seria posto à venda. O médico italiano ficou curioso e bastante interessado pelas duas enormes rochas que sobreviveram ao massacre promovido pelas marretas operárias e, após muito negociar, adquiriu o terreno. Sabendo exatamente o que queria, contratou o compatriota Frederico Gambarra, hábil engenheiro civil e arquiteto, formado na Itália, para criar uma casa em forma de castelo, com direito a torre e ameias. Éboli desejava ter algo que o remetesse à infância e à lembrança das velhas edificações medievais da região de Salerno.
Enquanto o lar de seus sonhos era construído sobre as pedras remanescentes do Outeiro de Santa Catarina, dois fatos trágicos atingiram sua família. Em 21 de agosto de 1884, Éboli perdia sua esposa Escolástica, ficando sozinho com a responsabilidade sobre a criação de suas duas pequenas meninas. Em fevereiro de 1885, perdia o estimado tio Carlos, que fora uma espécie de pai naquela terra estranha. Abatido com as duas situações, o médico mergulhou no trabalho e no acompanhamento da construção de sua casa, erguida lentamente no “berço” da cidade de Santos. Neste tempo, ele se dividia entre o trabalho em Santos e na sua clínica em São Paulo, mantida aberta por conta da clientela que havia formado por lá. A sua residência dos sonhos só ficaria pronta alguns anos mais tarde.
Investindo em bondes
João Éboli havia juntado bastante dinheiro desde que chegara da Itália e acalentava investir em algo fora do ramo da medicina. Depois de ouvir alguns novos amigos que fizera na cidade, como Heitor Peixoto, o major Joaquim Xavier Pinheiro, Manoel Homem de Bittencourt e Eduardo Carlos Ferreira da Silva, o médico italiano decidiu obter uma das concessões abertas pela Câmara Municipal para exploração do serviço de transporte em bondes, assim como o português Mathias Casemiro Alberto da Costa. Em dezembro de 1886, ambos obtiveram a permissão para tal finalidade. Enquanto Mathias criava linhas entre o Centro e o bairro que levava o seu nome, a Vila Mathias, Éboli investia nos trajetos que chegavam até a Ponta da Praia.
Após assinar os contratos da concessão (válida por 51 anos), Éboli fundava em 20 de julho de 1887, com 80 contos de Réis (cerca de R$ 5 milhões atuais) de capital adquirido, a Companhia de Carris de Ferro de Santos, cujos estatutos foram aprovados quatro dias antes. O médico assumiu o posto de diretor-gerente da nova empresa, com salário de 200 mil réis mensais (cerca de R$ 13 mil atuais), tendo Heitor Peixoto ocupado o cargo de presidente.
A empresa de Éboli, que algum tempo mais tarde trocou o nome para Ferrocarril Santista, chegou a sofrer inúmeros ataques judiciais impetrados pela “The City of Santos Improvments Co.” (empresa constituída em Londres, em 1880, para explorar serviços públicos na cidade de Santos, inclusive o de transporte de cargas e passageiros em bondes). Os ingleses haviam adquirido, em 1881, a concessão de transporte em bondes explorada pela Companhia Melhoramentos de Santos e, assim, ficaram irritados com o fato de a Câmara santista ter aberto novas concessões (as ganhas por Mathias Costa e Éboli).
Na política, na indústria e no mercado financeiro
O ano de 1890 foi bastante agitado na vida de João Éboli que, aos 37 anos de idade, era um verdadeiro um furacão empreendedor e um hábil político. Sabedor disso, concorreu a uma cadeira na Assembleia Provincial, para o cargo de deputado, pelo Partido Católico, contando com o apoio da Colônia Italiana de São Paulo. Porém, para infelicidade dos conterrâneos, os 3.208 votos obtidos nas urnas não foram suficientes para elegê-lo. Em setembro, Éboli passou a investir no setor financeiro, tornando-se um dos principais acionistas do Banco de Santos. No mês seguinte, o médico ingressava como acionista da Companhia Industrial de Santos, corporação que pretendia investir em fábricas de papel, tecidos, engenhos de açúcar e aguardente, serrarias, olarias, entre outras atividades. Nada escapava aos olhos atentos para os negócios de João Éboli.
Em janeiro de 1892, Éboli tomou a iniciativa de abrir sua própria casa bancária, destinada especialmente a fazer operações com a Itália. Por conta do negócio, o governo italiano resolveu nomeá-lo cônsul para a cidade de Santos. O fato de ser um homem consolidado, o fez ter coragem de novamente tentar o ingresso na carreira política. Desta vez concorreu a uma vaga na Câmara de Santos, conquistada nas eleições municipais de 29 de setembro, a primeira eleita pela população desde a proclamação da República. O mandato se encerraria em 7 de janeiro de 1897, mas Éboli viria a renunciar em 16 de fevereiro de 1893.
Éboli abolicionista
O médico italiano também atuou intensamente na causa abolicionista, tendo a honra de ser um dos oradores na ocasião da festa da abolição. Após a missa realizada na Igreja Matriz (que ficava onde hoje está a Praça da República), Éboli foi à janela do Grande Hotel Roma e, de lá, falou ao povo, amontoado no Largo da Alfândega. Corria na cidade a história que o médico abrigava escravos fugidos na parte baixa de sua casa.
O precursor da energia elétrica em Santos
Foi a empresa de João Éboli, a Ferrocarril Santista, a responsável pela implantação da energia elétrica e da iluminação pública em Santos. Isso se deu através de autorização constituída pela Lei 188, de 10 de dezembro de 1902. Em março do ano seguinte, era assinado o contrato para a exploração do serviço, uma concessão de 20 anos, assinada por um dos sócios do médico italiano, sr. Francisco Martins dos Santos. O documento estabeleceu um prazo de 30 dias para o início dos serviços. Assim, a Ferrocarril contratou a empresa Aschoff & Guinle, sucessores de James Mitschell & Co, para executar os serviços de implantação da energia elétrica primeiramente nas avenidas Conselheiro Nébias e Ana Costa. Ainda sujeitava-se a empresa de Éboli a iluminar gratuitamente as praças José Bonifácio e dos Andradas, com lâmpadas de arco, cada qual com 500 watts de potencia. Mas esta obrigação era apenas para as noites de domingo, feriado e festas nacionais e estaduais, das 17 às 23 horas.
Pela concessão, a Ferrocarril poderia fornecer energia para particulares, ao preço de 5 mil réis por cada lâmpada de 16 velas. Os valores deveriam ser escalonados para baixo, a fim de popularizar o serviço.
Na iluminação pública, coube a João Éboli inaugurar o primeiro trecho iluminado da cidade, com lâmpadas dispostas de 50 em 50 metros, em 15 de agosto de 1903, na avenida Ana Costa, no trecho entre as ruas Rangel Pestana e Carvalho de Mendonça. No ano seguinte, a mesma situação se daria na avenida Conselheiro Nébias.
A venda da Ferro Carril à City
No dia 21 de fevereiro de 1904, a Ferro Carril Santista era vendida para a “The City of Santos Improvments Ltd.” pela quantia de dois mil e oitocentos contos de réis (2.800$000), ou seja, o equivalente hoje a cerca de R$ 114 milhões. Porém, deste valor, um mil e cem contos de reis (1.100$000), ou R$ 44 milhões, representava a dívida da empresa de Éboli ao Tesouro Federal , assumida pela compradora. O pagamento se daria na forma de títulos da “City”. Além do serviço de transporte, a empresa inglesa assumiria a concessão sobre a distribuição de energia elétrica.
A partida de Éboli
Após mais de 20 anos vivendo em Santos, onde construiu boa parte de sua carreira como médico, empresário e cidadão, João Éboli decide partir, voltando a morar novamente em São Paulo, onde continua sua saga de empreendedor, abrindo uma casa comercial de vidros, cristais e acessórios, a “Éboli & Abras & Alexandre Politzer”.
Alguns anos depois, novamente casado, desta vez com Anna Moreira, decide residir na capital federal, o Rio de Janeiro, onde passou a investir no seu negócio portuário, os “Armazéns Gerais do Rio de Janeiro”. Na capital federal, o médico viveu seus últimos anos de vida, vindo a falecer em 8 de agosto de 1923. Dois dias depois, conhecedores da morte do tão estimado empresário e médico da Santa Casa e Humanitária, os vereadores de Santos lhe propuseram uma homenagem, oferecendo uma rua que foi batizada com seu nome.
O destino da casa acastelada
Em 19 de agosto de 1916, João Éboli e sua esposa, Ana Moreira Éboli, vendiam o imóvel situado nas rochas remanescentes do Outeiro de Santa Catarina, para o italiano Aléssio Rossielo e sua mulher, Luiza Ippolito. Em 28 de março de 1924, a casa era novamente vendida, desta vez para Alexandre de Mello Faro, que foi dono da mesma até sua morte. Em 25 de maio de 1951, Irene Maria Angelica Ribeiro, e seu marido, Carlos Carnot Garcia, adquiriam o imóvel, diretamente do espólio de Alexandre de Mello Faro. Quatro anos depois, o bem passava para as mãos da Imobiliária Itararé Ltda, com escritura lavrada em 4 de julho de 1955.
Este artigo contou como referência algumas fontes primárias de jornais (Correio Paulistano, O Estado de São Paulo, A Província, Revista da Semana) e também o trabalho de Renata Cristina Silva, que escreveu em 2004 o TCC “João Éboli: Uma Vida Interessante”.